Connect with us

Notícias

Rafael Luciani: “sem formação previa, o discernimento acaba sendo uma troca de opiniões”

Nas últimas semanas, novos passos estão se tornando conhecidos em vista da segunda sessão da Assembleia Sinodal do Sínodo sobre Sinodalidade, que será realizada de 2 a 27 de outubro no Vaticano.
Padre Modino – Regional Norte 1 da CNBB
Rafael Luciani, que participou da Primeira Sessão dessa assembleia, enfatiza que “dois processos estão ocorrendo no momento, um em nível do que será feito através dos grupos de estudo propostos pela Secretaria do Sínodo e o outro em nível dos continentes”.
Sinodalidade, uma questão complexa
O teólogo venezuelano destaca dois eventos a serem organizados pelo Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM) nos próximos meses: “um Congresso em agosto, que busca criar uma rede de todas as Faculdades de Teologia, Institutos de Pastoral e Seminários para promover a sinodalidade na teologia latino-americana, e um em junho sobre a contribuição dos conselhos pastorais e a eleição de bispos, que estamos desenvolvendo em um grupo de estudo desde o ano passado”. Além dessas reuniões em nível latino-americano, Luciani menciona uma reunião a ser realizada na África e outros processos em outros continentes.

Rafael Luciani

A sinodalidade “ainda é uma questão complexa, além da prática da conversa no Espírito, que é o que vem sendo colocado em prática gradualmente em algumas paróquias e instituições”, segundo o teólogo leigo. Nesse sentido, ele afirma que “a questão em si, de consultar as comunidades, ainda é algo difícil”. Luciani lembra que recentemente tiveram uma reunião com bispos no CELAM para uma atualização teológica sobre sinodalidade e ministérios, onde foi compartilhada a dificuldade dos padres em entrar nessa dinâmica.
Um processo que levará tempo
Isso o leva a afirmar que “será um processo que levará tempo, até mesmo uma geração, para que se estabeleça como um modo de proceder na Igreja”. No entanto, ele insiste que há iniciativas importantes, mas em nível continental, organizações de rede, como a CLAR (Conferência Latino-Americana de Religiosos), CELAM, FABC (Federação das Conferências Episcopais da Ásia). “Esses tipos de organizações de rede são para onde está se movendo, em vez do nível local do que pode ser uma paróquia”, diz ele.
Uma dificuldade em assumir a sinodalidade na base, nas paróquias, que, de acordo com o teólogo venezuelano, é causada pelo fato de que “há um sentimento entre os ministros ordenados de que isso lhes dá mais trabalho, tanto padres quanto bispos, que dizem isso o tempo todo”. A isso ele responde que “não é assim, é exatamente o contrário, reduziria o trabalho na medida em que as comunidades assumissem a corresponsabilidade”, enfatizando que “temos que quebrar a ideia da confusão de que isso me dá mais trabalho, tenho que fazer mais atividades, tenho que organizar mais grupos”.

Rafael Luciani no CELAM

Necessidade de uma mudança de mentalidade
Para Luciani, “a mudança de mentalidade está na medida em que se cria uma comunidade corresponsável, é a grande mudança que é necessária em nível prático, pois um leigo, uma leiga, um religioso ou uma religiosa trabalha junto com o presbítero em uma comunidade, cada um a partir de diferentes papéis e funções, em complementaridade”. Diante dessa forte mentalidade, ele apontou que “seria necessário ter uma visão pastoral de conjunto”, lembrando que “na América Latina tivemos experiências disso, mas não existe como experiência vivida em nível de Igreja estrutural nos outros continentes”. Ele também lembrou que outro argumento dado contra a sinodalidade pelos ministros ordenados é que “isso tira minha autoridade”, o que leva a exigir “uma mudança para um trabalho de corresponsabilidade, em equipes”, algo que ele pede que seja fortalecido.
Da América Latina, a principal contribuição para os outros continentes é, nas palavras do membro do grupo de teólogos do Sínodo, “o trabalho em rede, que temos desde 1955 no CELAM, mas também na CLAR e, mais recentemente, na Conferência Eclesial da Amazônia”, que ele vê como “um trabalho natural que surge da vida eclesial latino-americana”, a partir de redes de Igrejas locais, ou redes de instituições, ou redes de Vida Religiosa, e a partir daí criou-se um canal para promover projetos”, o que ele considera a grande diferença em relação a outros continentes, “onde há estruturas continentais, mas elas não funcionam da mesma forma, em rede”, o que para Luciani é a grande diferença.
Sem formação não há discernimento
Como alguém que participou da Primeira Sessão da Assembleia Sinodal, que teve seus avanços, mas também suas resistências, em vista da Segunda Sessão, ele acha que a formação prévia, a criação de condições anteriores ao discernimento que ocorrerá nas mesas, é algo que não pode faltar. De fato, “essa é uma grande ausência, e sem essas condições prévias de formação, o discernimento acaba sendo uma troca de opiniões, mas não é discernimento”. Esse é, em sua opinião, “o desafio da reflexão teológica e pastoral deste ano”, vendo a dificuldade em “como fazer com que isso chegue aos membros que têm voz e voto nas mesas da Assembleia, e que não fique em estudos de grupo que depois não têm voz e voto na celebração da Assembleia”.
Com relação aos temas a serem estudados e que os membros da Assembleia devem conhecer e aprofundar, ele aponta que “o grande tema é o da ministerialidade em todos os níveis, não só a criação de novos ministérios, mas também o que significa a identidade ministerial do padre ou do bispo”, afirmando que “essa identidade ainda está em um processo de recepção do Concílio, que ainda não foi assumido”. Luciani dá como exemplo o fato de que “um bispo que vai a uma assembleia sinodal deve levar a representação de sua própria diocese que lhe foi confiada e à qual ele é devedor, e não ir à Assembleia Sinodal apenas para trocar suas próprias opiniões ou sua própria reflexão teológica”. Algo importante, que “representa a Teologia do episcopado do Concílio Vaticano II”.
Criação de ministérios leigos
Sobre a criação de novos ministérios, um tema de destaque no atual processo sinodal, “Francisco retoma o que Paulo VI iniciou, criando ministérios leigos”, lembra Luciani. A partir daí, ele sustenta que “os ministérios leigos não significam o diaconato feminino, porque o diaconato feminino é o Sacramento da Ordem, e há toda uma discussão de que, se formos à Tradição da Igreja, onde há ritos litúrgicos de ordenação de mulheres diaconisas, precisaríamos então fazer um estudo aprofundado para que depois, nas mesas, se possa fazer um discernimento baseado na tradição da Igreja Católica, e não em opiniões contemporâneas sobre o tema da ministerialidade ou do diaconato feminino”.
Outra questão que ele considera fundamental é “o que estamos vivendo entre o que são conferências episcopais e assembleias eclesiais, o que para muitos bispos levanta a questão da autoridade magisterial, qual é o vínculo que uma assembleia eclesial não episcopal tem para a ação de projetos pastorais em suas próprias dioceses”. Nessa perspectiva, ele insiste que “estamos caminhando não para o cancelamento das estruturas episcopais, mas para a inserção do episcopado nas estruturas eclesiais”, o que ele chama de “a figura da mesa”.
Refletindo sobre esse aspecto, Luciani diz que “na figura da mesa falta a cadeira ausente, a cadeira vazia. Essa cadeira vazia é importante, porque não há reforma na Igreja se essa cadeira vazia não tiver rostos concretos, histórias concretas e questões concretas para discernir”.
A experiência de trabalhar juntos
Para convencer aqueles que têm medo de perder a autoridade e não entendem que a sinodalidade é um ganho na eclesialidade, ele considera que a única maneira é por meio da experiência, “não há teoria que convença, mas ter a experiência de trabalhar juntos”. Luciani dá como exemplo a diocese de La Guaira, onde nasceu, que há um ano passou por uma reforma e uma paróquia começou a trabalhar em equipe, através dos conselhos pastorais, entre o presbítero e os leigos, que coordenam a vida pastoral da paróquia e o presbítero preside, como quem preside a Eucaristia, mas não trabalham isoladamente. O teólogo enfatiza que “a experiência é o que muda. Se o bispo, o padre ou o religioso não começar a viver a experiência primeiro, será muito difícil, porque continuaremos presos ao tema da autoridade em nível teórico, ou apenas em nível teológico, sem a experiência pastoral”.
Luciani enfatizou novamente a importância do curso realizado recentemente no CELAM com bispos de várias igrejas locais latino-americanas, onde, no final do encontro de cinco dias, eles enfatizaram a importância dessa atualização eclesiológica e pastoral no episcopado, se quisermos uma mudança em direção à sinodalidade. Insistindo que se tratava de uma coisa muito bonita, o teólogo venezuelano destacou que “o primeiro passo é reconhecer que estamos em uma nova etapa na recepção do Concílio, e isso significa que todos nós na Igreja precisamos de formação”.
Aprendendo com a experiência de outros
Como segundo passo, ele coloca “a vontade de trabalhar a partir de experiências diferentes”, ressaltando que os bispos participantes do curso vinham de dioceses diferentes e foram partilhadas algumas experiências de dioceses em que já havia organismos sinodais muito interessantes, que eles compartilhavam, e os outros viam que era possível fazer as coisas, porque elas já estavam sendo vividas”. A partir daí, ele ressalta que “essa interação entre bispos de diferentes dioceses foi fundamental, não só a formação teológica”, pois mostra que “é possível fazer, é interessante, não tira minha autoridade, pelo contrário, me ajuda”.  
 Em resumo, Rafael Luciani insiste em três temas que o Sínodo sobre a sinodalidade não pode deixar de abordar: paróquia, seminário e teologia do ministério ordenado. O teólogo baseia suas palavras no fato de que foi isso que fez com que o Concílio de Trento fosse bem-sucedido, afirmando que é isso que permitirá que o atual Sínodo traga mudanças substanciais na Igreja Católica.

Continue Reading
Click to comment

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Notícias

O Papa: muitos conflitos abertos, não ceder à lógica das armas

Francisco divulgou uma carta por ocasião dos 80 anos do voto de Pio XII e da cidade de Roma a Maria Salus Populi Romani durante a fúria da II Guerra Mundial. O Pontífice pede que o aniversário seja uma oportunidade para “meditar em torno do terrível flagelo da guerra”. Olhando para a Ucrânia, Oriente Médio, Sudão e Mianmar, exorta a ouvir os “gritos de terror e de sofrimento” que questionam a consciência de todos e a “trabalhar pela paz na Europa e no mundo”.
Mariangela Jaguraba- Vatican News
O Papa Francisco enviou uma carta ao vice-gerente da Diocese de Roma, dom Baldassarre Reina, por ocasião dos 80 anos do voto de Pio XII e da cidade de Roma ao ícone de Nossa Senhora conhecido como “Salus Populi Romani” durante a II Guerra Mundial.
O Pontífice une-se espiritualmente a toda a comunidade diocesana que celebra pela primeira vez a memória litúrgica da Salus Populi Romani, e recorda o voto que o povo de Roma e seu Pastor, Papa Pio XII, fez a Nossa Senhora em 4 de junho de 1944 para implorar a salvação da cidade, quando o confronto direto entre o exército alemão e os aliados anglo-americanos estava prestes a acontecer”, escreve o Papa no texto.
“A devoção ao antigo ícone conservado na Basílica de Santa Maria Maior está viva há séculos no coração dos romanos, que recorriam a ele para fazer súplicas e invocações, especialmente durante pragas, desastres naturais e guerras”, escreve ainda Francisco. “Os eventos marcantes da vida religiosa e civil de Roma eram registrados em frente a essa imagem. Portanto, não é de surpreender que o povo romano desejou confiar-se mais uma vez a Maria Salus Populi Romani enquanto a Urbe vivia o pesadelo da devastação nazista”, ressalta ainda o Papa.

Pio XII com os cidadãos romanos após o bombardeio do bairro de São Lourenço

Não ceder à lógica das armas
De acordo com Francisco, “oitenta anos depois, a lembrança desse acontecimento tão cheio de significado quer ser uma ocasião para rezar por aqueles que perderam a vida na II Guerra Mundial e para fazer uma meditação renovada sobre o tremendo flagelo da guerra”.
Muitos conflitos em diferentes partes do mundo ainda estão abertos hoje. Penso em particular na martirizada Ucrânia, na Palestina e Israel, no Sudão e Mianmar, onde as armas ainda fazem barulho e mais sangue humano continua sendo derramado.

“Esses são dramas que afetam inúmeras vítimas inocentes, cujos gritos de terror e sofrimento questionam a consciência de todos: não podemos e não devemos ceder à lógica das armas!”

O apelo de Paulo VI à ONU
O Pontífice recorda que “vinte anos após o fim da II Guerra Mundial, em 1965, o Papa São Paulo VI, falando na ONU, perguntou: ‘Será que o mundo chegará a mudar a mentalidade particularista e bélica que até agora teceu grande parte de sua história?'” Segundo Francisco, “essa pergunta, que ainda aguarda uma resposta, estimula todos a trabalhar concretamente pela paz na Europa e em todo o mundo”.

“A paz é um dom de Deus que também deve encontrar hoje corações dispostos a acolhê-lo e trabalhar para serem construtores da reconciliação e testemunhas da esperança.”

Ser construtor de paz
Francisco espera “que as iniciativas promovidas para comemorar o voto popular à Mãe de Deus, nos quatro lugares que foram protagonistas daquele acontecimento, possam reavivar nos romanos a intenção de serem construtores de uma verdadeira paz em todos os lugares, relançando a fraternidade como condição essencial para recompor conflitos e hostilidade”. “Pode ser construtor de paz”, ressalta o Papa, “quem a possui dentro de si e, com coragem e mansidão, se compromete em criar vínculos, em estabelecer relações entre as pessoas, em apaziguar as tensões na família, no trabalho, na escola, entre os amigos”.
O Pontífice conclui a carta, pedindo a Nossa Senhora Medianeira para que “obtenha para toda a humanidade o dom da concórdia e da paz” e confia “todos os habitantes de Roma, especialmente os idosos, os doentes, as pessoas sozinhas e em dificuldade, à intercessão materna da Salus Populi Romani”.

Continue Reading

Notícias

Indonésia. Ilha de Flores ainda é uma “terra prometida” de vocações

“Em junho e julho estão programadas várias ordenações diaconais entre os vários institutos missionários. No domingo, 2 de junho, 48 foram ordenados diáconos Verbitas, que serão seguidos por outros 8 diáconos Carmelitas no dia 7 de junho, e 27 interdiocesanos (Dioceses de Maumere, Ende, Ruteng, Larantuka e Denpasar) no domingo, 9 de junho. A esses se seguirão as ordenações de cinco diáconos Camilianos no próximo dia 14 de julho, na festa de nosso fundador, São Camilo de Lellis”, conta Pe. Galvani
Vatican News

 

Em 1924 os vigários e prefeitos apostólicos encontraram-se pela primeira vez, para definir uma orientação comum sobre diversas questões da vida da Igreja e sobre a relação com as …

“Nesta época de final de ano letivo, estamos obtendo bons resultados vocacionais. Nós, Camilianos, tentamos nos manter em forma tanto quanto possível com muitas pequenas coisas boas para fazer, não apenas no campo vocacional, mas também com nossas iniciativas sociais e de caridade.”
É o que conta à agência missionária Fides o padre Luigi Galvani, pioneiro na Diocese de Maumere, na Indonésia, onde os Missionários Camilianos estão presentes em três dioceses com 4 seminários, dois centros sociais onde coordenam um programa de nutrição para 160 crianças pobres, apoio à distância para cerca de 20 estudantes merecedores, um projeto de “casas especiais” para libertar os doentes mentais de situações de opressão e, por fim, um modesto projeto de produção de água mineral e do sorvete “São Camilo”.
Ordenações diaconais entre os vários institutos missionários
“Em junho e julho – explica ele – estão programadas várias ordenações diaconais entre os vários institutos missionários. No domingo, 2 de junho, 48 foram ordenados diáconos Verbitas, que serão seguidos por outros 8 diáconos Carmelitas no dia 7 de junho, e 27 interdiocesanos (Dioceses de Maumere, Ende, Ruteng, Larantuka e Denpasar) no domingo, 9 de junho. A esses se seguirão as ordenações de cinco diáconos Camilianos no próximo dia 14 de julho, na festa de nosso fundador, São Camilo de Lellis”.
A mais católica das 17.000 ilhas do arquipélago indonésio

Em algumas áreas do país, que o Papa visitará em setembro, membros do clero local e de ordens religiosas masculinas e femininas moram por alguns dias em famílias católicas, …

“Nos próximos meses, haverá também as profissões religiosas de numerosos noviços e noviças dos vários institutos masculinos e femininos presentes na Diocese de Maumere, que, no momento, atingiram o número de 62 comunidades religiosas”.
“Todos esses resultados vocacionais encorajadores – conclui o missionário – certamente recompensam o empenho dos vários promotores, mas também são um testemunho da fé e do espírito missionário de centenas e centenas de famílias na ilha de Flores, que continua sendo a mais católica das 17.000 ilhas do arquipélago indonésio. Talvez seja também por isso que Flores é chamada de “terra prometida” de vocações.
(com Fides)

Continue Reading

Notícias

África Central, quando uma Porta Santa se abriu para o mundo

O Jubileu Extraordinário da Misericórdia, em 2015, foi aberto em um lugar sem precedentes, longe do coração cristão do mundo, a Basílica de São Pedro, mas dentro do coração do Papa Francisco, em Bangui. O cardeal Dieudonné Nzapalainga, então arcebispo da capital da África Central, revive aquele dia memorável e o significado benéfico que a visita do Pontífice produziu ao longo do tempo.
Maria Milvia Morciano e Jean Charles Putzolu – Vatican News
É tarde e a noite se prepara lentamente para chegar, tingindo o céu de rosa e dourado. A porta da Catedral de Notre-Dame em Bangui se abre, empurrada por duas mãos firmes. A figura de Francisco está de pé, vigorosa. Muitos anos se passaram desde aquele 29 de novembro de 2015, o primeiro dia do Advento e a data de início do Jubileu Extraordinário da Misericórdia, que foi inaugurado, antecipadamente, em um lugar igualmente extraordinário, na capital da África Central. Pela primeira vez na história, a abertura da Porta Santa não se realiza na Basílica de São Pedro, no túmulo do Apóstolo, no centro do mundo cristão, mas em um lugar remoto, para muitos desconhecido.
Capital espiritual
A África Central é um dos países mais sangrentos e divididos do mundo. O Papa o escolheu justamente por esse motivo, para levar misericórdia e uma mensagem de paz a uma “terra que está sofrendo há vários anos com a guerra e o ódio, a incompreensão e a falta de paz. Mas nessa terra sofrida há também todos os países que estão passando através da cruz da guerra. Bangui se torna a capital espiritual da oração pela misericórdia do Pai. Todos nós pedimos paz, misericórdia, reconciliação, perdão, amor. Por Bangui, por toda a República Centro-Africana, por todo o mundo, pelos países que estão sofrendo com a guerra, pedimos paz!”, disse o Papa na praça da igreja, depois de sair de um papamóvel, desprovido de qualquer proteção contra possíveis perigos, onde o imã também concordou em se sentar.
Um gesto universal compreendido por todos
Uma tradição antiga é transferida para um país jovem. O significado de abrir a Porta Santa e cruzar o limiar está enraizado em um simbolismo ancestral que, em Bangui, se ramifica e dá novos frutos. Ele está revestido de futuro. O gesto do Papa Francisco foi revolucionário porque, em um lugar fechado, cheio de barreiras, ele abre uma porta para a esperança, convida as pessoas a entrarem para encontrar misericórdia e paz, para encontrar Cristo e serem transformadas. Ele traduz de forma cristã uma metáfora compreensível para todos, em qualquer lugar do mundo, de qualquer tradição, religião, experiência e história. Todos entendem que se trata de um rito de passagem fundamental e sagrado.
A linha de fronteira, o limes latim, ponto final, fechamento, é transformada em limen, limiar, abertura. Talvez não seja coincidência o fato de duas palavras opostas conterem a mesma raiz, mas é interessante lembrar o fato de que, na linguagem eclesiástica, a “visitatio ad limina apostolorum” é a visita dos peregrinos aos túmulos dos apóstolos Pedro e Paulo, que remonta aos primeiros séculos da Igreja, mais tarde estendida aos bispos. Tudo fala de Jubileu.
Portas Santas em toda parte
Naquele ano de Misericórdia, muitas Portas Santas foram abertas em todo o mundo, quase um sistema solar composto por milhares de estrelas brilhantes espalhadas pela Terra, mesmo nos lugares mais remotos. Foi uma grande oportunidade, um presente dado a todos, mesmo àqueles que, por vários motivos, não podiam se locomover e viajar. Foi um jubileu extraordinário que pôde ser vivenciado em todas as igrejas locais, permitindo que aqueles que quisessem vivenciar plenamente o evento, fazer a peregrinação e atravessar a Porta da Misericórdia em sua própria diocese.
Uma esperança que vem de Roma
O cardeal Dieudonné Nzapalainga, então arcebispo de Bangui, é um dos intérpretes nodais de seu país. Sua história é de fé e de uma árdua “luta pela paz”, lembrando o título de seu livro na versão italiana, publicado pela Livraria Editora Vaticana em 2022. O cardeal centro-africano compartilhou com a mídia vaticana, aos microfones de Jean Charles Putzolu, a memória daqueles dias e as consequências benéficas da visita do Papa à África Central.
Gostaria de levá-los de volta ao dia 29 de novembro de 2015, o primeiro domingo do Advento, quando o Papa Francisco abriu a Porta Santa do Jubileu da Misericórdia. Foi em Bangui, na República Centro-Africana, portanto, em seu país: uma tradição muito antiga chegando a um país jovem. Em sua opinião, qual foi o significado desse gesto para todos os centro-africanos?
É um gesto único na história não apenas da Igreja universal, mas também da nossa Igreja.
Porque nós, centro-africanos, diante da violência, do sofrimento e da morte, encontrando-nos vivendo em um estado de absurdo, sentimos a esperança que veio de Roma por meio do homem de Deus, o Papa, que veio para aplacar, para trazer paz, tranquilidade e perdão, para trazer reconciliação, convidando nós, centro-africanos, a abrir as portas de nossos corações, cheios de ódio, rancor e vingança, para que pudéssemos nos enfrentar. É por isso que ele mesmo disse para depormos nossas armas: “leve a justiça, leve o amor”. Acredito que seu gesto será sempre lembrado aqui na República Centro-Africana. Muçulmanos, protestantes, católicos, todos nós somos unânimes em dizer que sua chegada foi salutar.
E o Papa de fato chegou. Ela se lembrou dessa mensagem, desse chamado para depor as armas. Havia uma enorme tensão até quase dois dias antes de sua chegada a Bangui. Houve mais tensão desde então? Essa mensagem foi ouvida? A mensagem do Papa foi ouvida e atendida? As armas ficaram em silêncio?
Acho que a mensagem foi ouvida. Passamos seis meses desde a partida do Papa como se estivéssemos em um país normal, algo impensável até dois dias antes de sua chegada. Sua chegada aliviou a pressão. Vimos muçulmanos saindo de seus enclaves para se juntarem a seus irmãos e irmãs católicos no estádio, para participar da grande celebração. As pessoas iam e vinham. O Km 5 [marco 5] era considerado um local onde havia muitas armas e, portanto, não se podia entrar. Mas fui até lá com os cristãos para acompanhar o Papa, dizendo aos muçulmanos: “vamos caminhar juntos!”
O Papa veio de Roma para a República Centro-Africana, os cristãos de Bangui deixaram nossos bairros para ir ao encontro de nossos irmãos, caminhando pela paz. Bem, nós marchamos e continuamos a fazê-lo desde aquele dia. Um líder rebelde nos disse que deveríamos conversar sobre espiritualidade com os imãs. Os imãs organizaram uma grande reunião para pedir aos líderes rebeldes que depusessem suas armas e muita coisa mudou desde então. Isso também foi resultado da visita do Papa.
Os imãs realizaram um grande encontro para pedir aos líderes rebeldes que deponham as armas e isso mudou muito. Esse também foi o resultado da visita do Papa, que nos deu um empurrão, nos fez recomeçar e agora estamos vendo os resultados. Hoje as armas não circulam mais como antes.
Em sua opinião, quais foram os outros frutos desse evento?
Foram os encontros entre jovens muçulmanos e jovens cristãos. Encontros bastante regulares entre mulheres muçulmanas e mulheres cristãs, e entre nós, líderes. Há pouco tempo, em março, uma mesquita a 250 quilômetros daqui foi vandalizada. O imã, o pastor protestante e eu falamos ao coração de nossos fiéis para desarmá-los e convidá-los a cooperar, respeitar, valorizar e respeitar o local. Esse, em minha opinião, é o fruto dessa passagem. Agora também pedimos que a justiça seja feita. Isso significa que aqueles que perderam suas casas devem poder recuperá-las, o que significa que aqueles que moram na casa do vizinho há muito tempo devem ter a gentileza de sair. E nós, líderes religiosos, trabalhamos com o coração. Há alguns que saem para deixar a casa para os proprietários sem passar pelos tribunais ou pelo Estado. Portanto, acho que isso também é proveitoso. Agora os corações estão dispostos e podemos conversar, podemos imaginar um futuro comum.
Quando o senhor diz que eles saem de casa, é porque eles realmente a devolvem ao seu legítimo proprietário, certo?
Exatamente isso.
Em um nível mais pessoal, Vossa Eminência, quais são suas lembranças mais fortes e talvez mais vívidas daquele período?
A lembrança mais vívida é a de entrar no quilômetro 5 dois dias antes: era impossível atravessar o posto de controle. Eu estava lá. Vi com meus próprios olhos: o Papa escolheu ir em um veículo não blindado, mas em campo aberto. Todos sabiam que havia muitas armas no local. Francisco teve a coragem de ir até lá e vimos que o imã também concordou em ir no papamóvel. Essa é a imagem mais forte. Quando saí para ir ao estádio, vi muçulmanos saindo em massa, arriscando suas vidas. Foi sua fé que os levou a sair. Um imã nos disse: ‘O Papa não veio para vocês, cristãos, mas para nós, muçulmanos. Estávamos no enclave, estávamos na escravidão. Ele nos libertou!”
Eminência, uma última pergunta: o senhor se tornou inseparável do Imã… entre cristãos e muçulmanos e também com os protestantes. Vocês realizam iniciativas juntos quase diariamente. Esse é outro fruto. É claro que é o resultado de seu trabalho, mas também é o resultado da visita do Papa…
A visita do papa nos confortou, incentivou e apoiou nesse trabalho. E fomos nós três que pedimos a ele que viesse à República Centro-Africana. Acho que todos nós somos gratos a ele. Esse é o fruto de sua passagem.
O Jubileu de 2025. Como estão se preparando para ele?
O Jubileu de 2025 é um momento importante para a Igreja. Bem, já estão sendo criados grupos aqui para refletir, orar, reunir-se e também para ver como, localmente, viveremos esse momento. Este ano celebraremos 130 anos de evangelização na República Centro-Africana e, ao mesmo tempo, estaremos caminhando para 2025, que está logo ali, e estamos trabalhando em ambos. Portanto, acho que há muito entusiasmo. Eu estava com um grupo de jovens que se encontrava na igreja em massa e dissemos uns aos outros: este é um momento importante porque é um momento de graça, mas também é um momento complicado e elevado. Não podemos deixar passar esse momento favorável.

O cardeal Dieudonné Nzapalainga

Continue Reading

Mais Vistos

Copyright © 2024 - Caminho Divino