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Via-Sacra no Coliseu: as meditações de Francisco

Nas meditações da Via Sacra, pensadas no Ano da Oração, Francisco propõe uma conversa face a face com Jesus e, nas quatorze estações, convida todos a se questionarem, olhando para si mesmos e para a própria consciência, mas também lançando um olhar para o mundo contemporâneo e suas distorções.
Tiziana Campisi – Vatican News
É um diálogo com Jesus que o Papa Francisco desenvolve nas meditações da Via-Sacra da Sexta-feira Santa no Coliseu, uma conversa face a face com Cristo, feita de reflexões, interrogações, introspecções, confissões, invocações. Uma longa oração íntima que, neste Ano da Oração, prelúdio do Jubileu, deixa o coração humano falar. Nas quatorze estações, os sofrimentos de Jesus a caminho do Gólgota, os encontros ao longo da Via Dolorosa, o olhar amoroso de Maria que, sob a Cruz, torna-se Mãe de todos os homens, as mulheres capazes de gestos ternos e corajosos nos momentos mais dramáticos, o Cireneu pronto para oferecer sua ajuda ao nazareno condenado à morte, José de Arimatéia que oferece aquele sepulcro onde Deus derrotará a morte, provocam um exame de consciência que depois se torna oração, com uma invocação final que repete o nome de Jesus quatorze vezes.
O Papa introduz a Via-Sacra, enfatizando que a oração caracterizou cada um dos dias de Jesus, com diferentes nuances: como uma conversa com Deus, “luta e pedido, ‘Afasta de mim este cálice'”, “entrega e dom, ‘Mas não o que eu quero, mas o que tu queres'”. Diante, então, do medo da morte e da “angústia sob o peso do nosso pecado”, essa oração se tornou mais intensa e “a veemência da dor” se tornou “uma oferta de amor” pela humanidade.
O silêncio de Jesus
Na primeira estação o que nos faz refletir é o silêncio de Jesus diante do “falso julgamento” que o condenou, um silêncio fecundo que “é oração, é mansidão, é perdão, é o caminho para redimir o mal”, para converter o que foi sofrido em dom oferecido, explica Francisco. Um silêncio que o homem de hoje não conhece, porque não encontra tempo para parar e permanecer com Deus e “deixar agir a sua Palavra”, mas que “sacode”, porque ensina que a oração nasce “de um coração que sabe escutar”.
A cruz com a qual Cristo é carregado (segunda estação), por outro lado, lembra experiências que todos nós também vivemos: dores, tristezas, decepções, feridas, fracassos, cruzes que também carregamos. “Jesus, como se faz para rezar ali?”, pergunta o Papa, dando voz a um pedido comum: como você reza quando se sente esmagado pela vida? Cristo nos convida a nos aproximarmos dele, se estivermos cansados e oprimidos, para nos dar descanso, mas nós ponderamos, cismamos, nos afundamos na vitimização, e então Ele “vem ao nosso encontro”, carregando nossas cruzes nos ombros, “para tirar o nosso peso”. No entanto, Jesus cai (terceira estação), mas tem a força para se levantar novamente; a mola que o empurra para frente é o amor, enfatiza Francisco, “porque quem ama não fica no chão, começa de novo; quem ama não se cansa, corre; quem ama voa”.
Maria, mãe de Jesus, dom para a humanidade
Depois da Eucaristia, Cristo nos dá “Maria, o dom supremo antes de morrer”, escreve o Papa meditando sobre a quarta estação. Jesus no caminho para o Calvário e sua Mãe: um encontro que evoca cuidado e ternura, e que nos impele a recorrer a ela, a Maria – Mãe que Deus dá a todos os homens – para poder “preservar a graça”, “recordar o perdão e as maravilhas de Deus”, “saborear novamente as maravilhas da providência” e “chorar de gratidão”. O Cireneu que ajuda Jesus a carregar a cruz (quinta estação), por outro lado, leva-nos a refletir sobre a presunção de fazer tudo sozinho “diante dos desafios da vida”. “Como é difícil pedir uma mão, com medo de dar a impressão de não estar à altura, nós que sempre temos o cuidado de parecer bem e de se colocar em evidência! Não é fácil confiar, menos ainda de se confiar”. Quem reza, porém, “sabe que está em necessidade”, observa Francisco, e Jesus, que na oração sempre se confia, não despreza a ajuda do Cireneu, cujo gesto ensina “que amar significa ajudar os outros ali mesmo, nas fraquezas das quais se envergonham”.
A coragem da compaixão
Entre a multidão que testemunha o “espetáculo bárbaro” da execução do Nazareno, há também aqueles que emitem “julgamentos e condenações”, lançando sobre ele “infâmia e desprezo”, sem conhecê-lo “e sem conhecer a verdade”. “Isso acontece ainda hoje, Senhor”, reconhece Francisco, “basta um teclado para insultar e publicar julgamentos”, mas em Jerusalém, enquanto “muitos estão gritando e julgando” Jesus, surge uma mulher que “não fala: age. Ela não reclama: ela se compadece. Ela vai contracorrente: sozinha, com a coragem da compaixão, ela se arrisca por amor, encontra uma maneira de passar entre os soldados só para lhe dar o conforto de uma carícia no rosto”. Um gesto de consolação, o de Verônica (sexta estação), que passa para a história e que nos coloca diante de Cristo, “amor não amado”, que ainda hoje procura “entre a multidão corações sensíveis” ao seu sofrimento e à sua dor, “verdadeiros adoradores, em espírito e verdade”. Mas “a cruz pesa, carrega o fardo da derrota, do fracasso, da humilhação”.
Então Jesus cai pela segunda vez (sétima estação), e nos vemos nele novamente quando somos esmagados pelas coisas, visados pela vida, incompreendidos pelos outros, comprimidos “nas garras da ansiedade” e assaltados pela melancolia, achamos que não podemos nos levantar, ou quando caímos novamente em nossos erros e pecados, quando somos escandalizados pelos outros e depois percebemos que não somos diferentes. Mas com Jesus, “a esperança nunca acaba, e depois de cada queda nos levantamos novamente”, porque Deus espera e perdoa, sempre, mesmo se caímos muitas vezes. “Lembre-me de que as quedas podem se tornar momentos cruciais do caminho, porque elas me levam a entender a única coisa que conta: que eu preciso de ti, Jesus”, é a oração do Papa, porque a vida recomeça com o perdão de Deus.
Reconhecer a grandeza das mulheres
Jesus encontra as mulheres de Jerusalém (oitava estação) e, para Francisco, é o motivo para exortar “a reconhecer a grandeza das mulheres, aquelas que na Páscoa foram fiéis e próximas” a Cristo, “mas que ainda hoje são descartadas, sofrendo ultrajes e violências”. O choro delas nos faz perguntar se sabemos nos comover diante de Jesus, crucificado por nós, se choramos nossas falsidades, ou diante das tragédias, “da loucura da guerra, dos rostos das crianças que não sabem mais sorrir, das mães que as veem desnutridas e famintas e não têm mais lágrimas para derramar”.
E contemplando Cristo despojado de suas vestes (nona estação), o convite do Papa é para ver Deus feito homem “nos sofredores”, “naqueles despojados de sua dignidade, nos cristãos humilhados pela prepotência e pela injustiça, pelos ganhos iníquos obtidos na pele de outros na indiferença geral” e a despojar-se “de tantas aparências exteriores”. Na cruz, então, “enquanto a dor física é mais atroz”, perdoando aqueles que “estão cravando pregos em seus pulsos” (10ª estação), Jesus nos ensina que podemos “encontrar a coragem de escolher o perdão, que liberta o coração e relança a vida” e nos revela “a altura da oração de intercessão, que salva o mundo”.
O amor não fica sem resposta
No momento mais sombrio e extremo em que Jesus grita seu abandono (11ª estação), qual é o ensinamento a ser guardado? “Nas tempestades da vida: em vez de se calar e se conter, gritar” a Deus, sugere Francisco, que na décima segunda estação se detém no ladrão que se confia a Cristo, que lhe promete o Paraíso, tornando assim “a cruz, emblema da tortura, o ícone do amor”, transformando “a escuridão em luz, a separação em comunhão, a dor em dança, e até mesmo o túmulo, a última estação da vida, no ponto de partida da esperança”. Maria, que em seus braços acolhe Jesus morto (13ª estação), nos ajuda a dizer sim a Deus, ela que, “forte na fé”, acredita “que a dor, atravessada pelo amor, produz frutos de salvação; que o sofrimento com Deus não tem a última palavra” e, enfim, José de Arimatéia, que toma a custódia do corpo de Jesus para dar-lhe uma digna sepultura (14ª estação) nos mostra que “cada dom feito a Deus recebe uma recompensa maior”, “que o amor não fica sem resposta, mas dá novos começos”, que dando se recebe, “porque a vida se encontra quando é pedida e se possui quando é doada”.

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O Papa: muitos conflitos abertos, não ceder à lógica das armas

Francisco divulgou uma carta por ocasião dos 80 anos do voto de Pio XII e da cidade de Roma a Maria Salus Populi Romani durante a fúria da II Guerra Mundial. O Pontífice pede que o aniversário seja uma oportunidade para “meditar em torno do terrível flagelo da guerra”. Olhando para a Ucrânia, Oriente Médio, Sudão e Mianmar, exorta a ouvir os “gritos de terror e de sofrimento” que questionam a consciência de todos e a “trabalhar pela paz na Europa e no mundo”.
Mariangela Jaguraba- Vatican News
O Papa Francisco enviou uma carta ao vice-gerente da Diocese de Roma, dom Baldassarre Reina, por ocasião dos 80 anos do voto de Pio XII e da cidade de Roma ao ícone de Nossa Senhora conhecido como “Salus Populi Romani” durante a II Guerra Mundial.
O Pontífice une-se espiritualmente a toda a comunidade diocesana que celebra pela primeira vez a memória litúrgica da Salus Populi Romani, e recorda o voto que o povo de Roma e seu Pastor, Papa Pio XII, fez a Nossa Senhora em 4 de junho de 1944 para implorar a salvação da cidade, quando o confronto direto entre o exército alemão e os aliados anglo-americanos estava prestes a acontecer”, escreve o Papa no texto.
“A devoção ao antigo ícone conservado na Basílica de Santa Maria Maior está viva há séculos no coração dos romanos, que recorriam a ele para fazer súplicas e invocações, especialmente durante pragas, desastres naturais e guerras”, escreve ainda Francisco. “Os eventos marcantes da vida religiosa e civil de Roma eram registrados em frente a essa imagem. Portanto, não é de surpreender que o povo romano desejou confiar-se mais uma vez a Maria Salus Populi Romani enquanto a Urbe vivia o pesadelo da devastação nazista”, ressalta ainda o Papa.

Pio XII com os cidadãos romanos após o bombardeio do bairro de São Lourenço

Não ceder à lógica das armas
De acordo com Francisco, “oitenta anos depois, a lembrança desse acontecimento tão cheio de significado quer ser uma ocasião para rezar por aqueles que perderam a vida na II Guerra Mundial e para fazer uma meditação renovada sobre o tremendo flagelo da guerra”.
Muitos conflitos em diferentes partes do mundo ainda estão abertos hoje. Penso em particular na martirizada Ucrânia, na Palestina e Israel, no Sudão e Mianmar, onde as armas ainda fazem barulho e mais sangue humano continua sendo derramado.

“Esses são dramas que afetam inúmeras vítimas inocentes, cujos gritos de terror e sofrimento questionam a consciência de todos: não podemos e não devemos ceder à lógica das armas!”

O apelo de Paulo VI à ONU
O Pontífice recorda que “vinte anos após o fim da II Guerra Mundial, em 1965, o Papa São Paulo VI, falando na ONU, perguntou: ‘Será que o mundo chegará a mudar a mentalidade particularista e bélica que até agora teceu grande parte de sua história?'” Segundo Francisco, “essa pergunta, que ainda aguarda uma resposta, estimula todos a trabalhar concretamente pela paz na Europa e em todo o mundo”.

“A paz é um dom de Deus que também deve encontrar hoje corações dispostos a acolhê-lo e trabalhar para serem construtores da reconciliação e testemunhas da esperança.”

Ser construtor de paz
Francisco espera “que as iniciativas promovidas para comemorar o voto popular à Mãe de Deus, nos quatro lugares que foram protagonistas daquele acontecimento, possam reavivar nos romanos a intenção de serem construtores de uma verdadeira paz em todos os lugares, relançando a fraternidade como condição essencial para recompor conflitos e hostilidade”. “Pode ser construtor de paz”, ressalta o Papa, “quem a possui dentro de si e, com coragem e mansidão, se compromete em criar vínculos, em estabelecer relações entre as pessoas, em apaziguar as tensões na família, no trabalho, na escola, entre os amigos”.
O Pontífice conclui a carta, pedindo a Nossa Senhora Medianeira para que “obtenha para toda a humanidade o dom da concórdia e da paz” e confia “todos os habitantes de Roma, especialmente os idosos, os doentes, as pessoas sozinhas e em dificuldade, à intercessão materna da Salus Populi Romani”.

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Indonésia. Ilha de Flores ainda é uma “terra prometida” de vocações

“Em junho e julho estão programadas várias ordenações diaconais entre os vários institutos missionários. No domingo, 2 de junho, 48 foram ordenados diáconos Verbitas, que serão seguidos por outros 8 diáconos Carmelitas no dia 7 de junho, e 27 interdiocesanos (Dioceses de Maumere, Ende, Ruteng, Larantuka e Denpasar) no domingo, 9 de junho. A esses se seguirão as ordenações de cinco diáconos Camilianos no próximo dia 14 de julho, na festa de nosso fundador, São Camilo de Lellis”, conta Pe. Galvani
Vatican News

 

Em 1924 os vigários e prefeitos apostólicos encontraram-se pela primeira vez, para definir uma orientação comum sobre diversas questões da vida da Igreja e sobre a relação com as …

“Nesta época de final de ano letivo, estamos obtendo bons resultados vocacionais. Nós, Camilianos, tentamos nos manter em forma tanto quanto possível com muitas pequenas coisas boas para fazer, não apenas no campo vocacional, mas também com nossas iniciativas sociais e de caridade.”
É o que conta à agência missionária Fides o padre Luigi Galvani, pioneiro na Diocese de Maumere, na Indonésia, onde os Missionários Camilianos estão presentes em três dioceses com 4 seminários, dois centros sociais onde coordenam um programa de nutrição para 160 crianças pobres, apoio à distância para cerca de 20 estudantes merecedores, um projeto de “casas especiais” para libertar os doentes mentais de situações de opressão e, por fim, um modesto projeto de produção de água mineral e do sorvete “São Camilo”.
Ordenações diaconais entre os vários institutos missionários
“Em junho e julho – explica ele – estão programadas várias ordenações diaconais entre os vários institutos missionários. No domingo, 2 de junho, 48 foram ordenados diáconos Verbitas, que serão seguidos por outros 8 diáconos Carmelitas no dia 7 de junho, e 27 interdiocesanos (Dioceses de Maumere, Ende, Ruteng, Larantuka e Denpasar) no domingo, 9 de junho. A esses se seguirão as ordenações de cinco diáconos Camilianos no próximo dia 14 de julho, na festa de nosso fundador, São Camilo de Lellis”.
A mais católica das 17.000 ilhas do arquipélago indonésio

Em algumas áreas do país, que o Papa visitará em setembro, membros do clero local e de ordens religiosas masculinas e femininas moram por alguns dias em famílias católicas, …

“Nos próximos meses, haverá também as profissões religiosas de numerosos noviços e noviças dos vários institutos masculinos e femininos presentes na Diocese de Maumere, que, no momento, atingiram o número de 62 comunidades religiosas”.
“Todos esses resultados vocacionais encorajadores – conclui o missionário – certamente recompensam o empenho dos vários promotores, mas também são um testemunho da fé e do espírito missionário de centenas e centenas de famílias na ilha de Flores, que continua sendo a mais católica das 17.000 ilhas do arquipélago indonésio. Talvez seja também por isso que Flores é chamada de “terra prometida” de vocações.
(com Fides)

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África Central, quando uma Porta Santa se abriu para o mundo

O Jubileu Extraordinário da Misericórdia, em 2015, foi aberto em um lugar sem precedentes, longe do coração cristão do mundo, a Basílica de São Pedro, mas dentro do coração do Papa Francisco, em Bangui. O cardeal Dieudonné Nzapalainga, então arcebispo da capital da África Central, revive aquele dia memorável e o significado benéfico que a visita do Pontífice produziu ao longo do tempo.
Maria Milvia Morciano e Jean Charles Putzolu – Vatican News
É tarde e a noite se prepara lentamente para chegar, tingindo o céu de rosa e dourado. A porta da Catedral de Notre-Dame em Bangui se abre, empurrada por duas mãos firmes. A figura de Francisco está de pé, vigorosa. Muitos anos se passaram desde aquele 29 de novembro de 2015, o primeiro dia do Advento e a data de início do Jubileu Extraordinário da Misericórdia, que foi inaugurado, antecipadamente, em um lugar igualmente extraordinário, na capital da África Central. Pela primeira vez na história, a abertura da Porta Santa não se realiza na Basílica de São Pedro, no túmulo do Apóstolo, no centro do mundo cristão, mas em um lugar remoto, para muitos desconhecido.
Capital espiritual
A África Central é um dos países mais sangrentos e divididos do mundo. O Papa o escolheu justamente por esse motivo, para levar misericórdia e uma mensagem de paz a uma “terra que está sofrendo há vários anos com a guerra e o ódio, a incompreensão e a falta de paz. Mas nessa terra sofrida há também todos os países que estão passando através da cruz da guerra. Bangui se torna a capital espiritual da oração pela misericórdia do Pai. Todos nós pedimos paz, misericórdia, reconciliação, perdão, amor. Por Bangui, por toda a República Centro-Africana, por todo o mundo, pelos países que estão sofrendo com a guerra, pedimos paz!”, disse o Papa na praça da igreja, depois de sair de um papamóvel, desprovido de qualquer proteção contra possíveis perigos, onde o imã também concordou em se sentar.
Um gesto universal compreendido por todos
Uma tradição antiga é transferida para um país jovem. O significado de abrir a Porta Santa e cruzar o limiar está enraizado em um simbolismo ancestral que, em Bangui, se ramifica e dá novos frutos. Ele está revestido de futuro. O gesto do Papa Francisco foi revolucionário porque, em um lugar fechado, cheio de barreiras, ele abre uma porta para a esperança, convida as pessoas a entrarem para encontrar misericórdia e paz, para encontrar Cristo e serem transformadas. Ele traduz de forma cristã uma metáfora compreensível para todos, em qualquer lugar do mundo, de qualquer tradição, religião, experiência e história. Todos entendem que se trata de um rito de passagem fundamental e sagrado.
A linha de fronteira, o limes latim, ponto final, fechamento, é transformada em limen, limiar, abertura. Talvez não seja coincidência o fato de duas palavras opostas conterem a mesma raiz, mas é interessante lembrar o fato de que, na linguagem eclesiástica, a “visitatio ad limina apostolorum” é a visita dos peregrinos aos túmulos dos apóstolos Pedro e Paulo, que remonta aos primeiros séculos da Igreja, mais tarde estendida aos bispos. Tudo fala de Jubileu.
Portas Santas em toda parte
Naquele ano de Misericórdia, muitas Portas Santas foram abertas em todo o mundo, quase um sistema solar composto por milhares de estrelas brilhantes espalhadas pela Terra, mesmo nos lugares mais remotos. Foi uma grande oportunidade, um presente dado a todos, mesmo àqueles que, por vários motivos, não podiam se locomover e viajar. Foi um jubileu extraordinário que pôde ser vivenciado em todas as igrejas locais, permitindo que aqueles que quisessem vivenciar plenamente o evento, fazer a peregrinação e atravessar a Porta da Misericórdia em sua própria diocese.
Uma esperança que vem de Roma
O cardeal Dieudonné Nzapalainga, então arcebispo de Bangui, é um dos intérpretes nodais de seu país. Sua história é de fé e de uma árdua “luta pela paz”, lembrando o título de seu livro na versão italiana, publicado pela Livraria Editora Vaticana em 2022. O cardeal centro-africano compartilhou com a mídia vaticana, aos microfones de Jean Charles Putzolu, a memória daqueles dias e as consequências benéficas da visita do Papa à África Central.
Gostaria de levá-los de volta ao dia 29 de novembro de 2015, o primeiro domingo do Advento, quando o Papa Francisco abriu a Porta Santa do Jubileu da Misericórdia. Foi em Bangui, na República Centro-Africana, portanto, em seu país: uma tradição muito antiga chegando a um país jovem. Em sua opinião, qual foi o significado desse gesto para todos os centro-africanos?
É um gesto único na história não apenas da Igreja universal, mas também da nossa Igreja.
Porque nós, centro-africanos, diante da violência, do sofrimento e da morte, encontrando-nos vivendo em um estado de absurdo, sentimos a esperança que veio de Roma por meio do homem de Deus, o Papa, que veio para aplacar, para trazer paz, tranquilidade e perdão, para trazer reconciliação, convidando nós, centro-africanos, a abrir as portas de nossos corações, cheios de ódio, rancor e vingança, para que pudéssemos nos enfrentar. É por isso que ele mesmo disse para depormos nossas armas: “leve a justiça, leve o amor”. Acredito que seu gesto será sempre lembrado aqui na República Centro-Africana. Muçulmanos, protestantes, católicos, todos nós somos unânimes em dizer que sua chegada foi salutar.
E o Papa de fato chegou. Ela se lembrou dessa mensagem, desse chamado para depor as armas. Havia uma enorme tensão até quase dois dias antes de sua chegada a Bangui. Houve mais tensão desde então? Essa mensagem foi ouvida? A mensagem do Papa foi ouvida e atendida? As armas ficaram em silêncio?
Acho que a mensagem foi ouvida. Passamos seis meses desde a partida do Papa como se estivéssemos em um país normal, algo impensável até dois dias antes de sua chegada. Sua chegada aliviou a pressão. Vimos muçulmanos saindo de seus enclaves para se juntarem a seus irmãos e irmãs católicos no estádio, para participar da grande celebração. As pessoas iam e vinham. O Km 5 [marco 5] era considerado um local onde havia muitas armas e, portanto, não se podia entrar. Mas fui até lá com os cristãos para acompanhar o Papa, dizendo aos muçulmanos: “vamos caminhar juntos!”
O Papa veio de Roma para a República Centro-Africana, os cristãos de Bangui deixaram nossos bairros para ir ao encontro de nossos irmãos, caminhando pela paz. Bem, nós marchamos e continuamos a fazê-lo desde aquele dia. Um líder rebelde nos disse que deveríamos conversar sobre espiritualidade com os imãs. Os imãs organizaram uma grande reunião para pedir aos líderes rebeldes que depusessem suas armas e muita coisa mudou desde então. Isso também foi resultado da visita do Papa.
Os imãs realizaram um grande encontro para pedir aos líderes rebeldes que deponham as armas e isso mudou muito. Esse também foi o resultado da visita do Papa, que nos deu um empurrão, nos fez recomeçar e agora estamos vendo os resultados. Hoje as armas não circulam mais como antes.
Em sua opinião, quais foram os outros frutos desse evento?
Foram os encontros entre jovens muçulmanos e jovens cristãos. Encontros bastante regulares entre mulheres muçulmanas e mulheres cristãs, e entre nós, líderes. Há pouco tempo, em março, uma mesquita a 250 quilômetros daqui foi vandalizada. O imã, o pastor protestante e eu falamos ao coração de nossos fiéis para desarmá-los e convidá-los a cooperar, respeitar, valorizar e respeitar o local. Esse, em minha opinião, é o fruto dessa passagem. Agora também pedimos que a justiça seja feita. Isso significa que aqueles que perderam suas casas devem poder recuperá-las, o que significa que aqueles que moram na casa do vizinho há muito tempo devem ter a gentileza de sair. E nós, líderes religiosos, trabalhamos com o coração. Há alguns que saem para deixar a casa para os proprietários sem passar pelos tribunais ou pelo Estado. Portanto, acho que isso também é proveitoso. Agora os corações estão dispostos e podemos conversar, podemos imaginar um futuro comum.
Quando o senhor diz que eles saem de casa, é porque eles realmente a devolvem ao seu legítimo proprietário, certo?
Exatamente isso.
Em um nível mais pessoal, Vossa Eminência, quais são suas lembranças mais fortes e talvez mais vívidas daquele período?
A lembrança mais vívida é a de entrar no quilômetro 5 dois dias antes: era impossível atravessar o posto de controle. Eu estava lá. Vi com meus próprios olhos: o Papa escolheu ir em um veículo não blindado, mas em campo aberto. Todos sabiam que havia muitas armas no local. Francisco teve a coragem de ir até lá e vimos que o imã também concordou em ir no papamóvel. Essa é a imagem mais forte. Quando saí para ir ao estádio, vi muçulmanos saindo em massa, arriscando suas vidas. Foi sua fé que os levou a sair. Um imã nos disse: ‘O Papa não veio para vocês, cristãos, mas para nós, muçulmanos. Estávamos no enclave, estávamos na escravidão. Ele nos libertou!”
Eminência, uma última pergunta: o senhor se tornou inseparável do Imã… entre cristãos e muçulmanos e também com os protestantes. Vocês realizam iniciativas juntos quase diariamente. Esse é outro fruto. É claro que é o resultado de seu trabalho, mas também é o resultado da visita do Papa…
A visita do papa nos confortou, incentivou e apoiou nesse trabalho. E fomos nós três que pedimos a ele que viesse à República Centro-Africana. Acho que todos nós somos gratos a ele. Esse é o fruto de sua passagem.
O Jubileu de 2025. Como estão se preparando para ele?
O Jubileu de 2025 é um momento importante para a Igreja. Bem, já estão sendo criados grupos aqui para refletir, orar, reunir-se e também para ver como, localmente, viveremos esse momento. Este ano celebraremos 130 anos de evangelização na República Centro-Africana e, ao mesmo tempo, estaremos caminhando para 2025, que está logo ali, e estamos trabalhando em ambos. Portanto, acho que há muito entusiasmo. Eu estava com um grupo de jovens que se encontrava na igreja em massa e dissemos uns aos outros: este é um momento importante porque é um momento de graça, mas também é um momento complicado e elevado. Não podemos deixar passar esse momento favorável.

O cardeal Dieudonné Nzapalainga

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