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Migração no Brasil com o rosto de mulher

O aumento exponencial da chegada de mulheres estrangeiras a esse país sul-americano representa um desafio para o Estado e a sociedade civil. Diversas organizações religiosas oferecem várias oportunidades por meio de formação, emprego e apoio ao empreendedorismo.
Felipe Herrera-Espaliat, enviado especial ao Brasil
Carmen Clara já estava morando no Brasil há quatro anos quando abriu seu próprio negócio. Em 2017, ela fugiu da crise econômica e social de seu país, deixando sua casa e sua oficina de costura em Valência, Venezuela, para se estabelecer na cidade de Boa Vista com sua filha. Ambas trabalharam como funcionárias de uma empresa que produzia roupas de alta tecnologia para o exército, mas em 2020 decidiram mudar para o sul e se estabeleceram em Porto Alegre. Foi então que decidiram se arriscar, pois tinham ampla experiência em corte e costura, eram sua própria mão de obra e possuíam duas máquinas de costura. A única coisa que lhes faltava era o financiamento da matéria-prima, mas a possibilidade de obter crédito em um banco era impossível, de modo que o sonho de abrir o próprio negócio parecia já ter sido interrompido. 

O grande trabalho em rede que as instituições católicas desenvolvem com as organizações da sociedade civil e com o Estado brasileiro faz com que a contribuição e a opinião da …

No entanto, Carmen não desistiu e encontrou auxílio no Cibai, uma organização de religiosos scalabrinianos que, há mais de 60 anos, auxilia as pessoas que vêm de outros países para se estabelecer em Porto Alegre em seu processo de autonomia. No Cibai, eles examinaram o plano de negócios e lhe concederam um crédito flexível, com o qual Carmen comprou tecidos e linhas. Assim, no final de 2021, ela abriu um simples ateliê de costura que rapidamente se transformou em um negócio de sucesso, o “Clara’s Style“, impulsionado por uma estratégia on-line que expandiu sua carteira de clientes.

Carmen Clara tinha uma longa experiência em corte e costura, mas não tinha o financiamento necessário para iniciar seu negócio. No Cibai, acreditaram nela e lhe concederam crédito flexível. (Giovanni Culmone / GSF)

Hoje, cinco mulheres trabalham na empresa para atender a inúmeros pedidos de roupas, especialmente uniformes profissionais. De acordo com Carmen, a chave para tudo o que ela conquistou no Brasil é manter-se sempre otimista. “Nunca, jamais, devemos ser negativos. Desde o primeiro momento em que você sai de seu país de origem, é preciso ser positivo, pensar ‘sim, eu posso, sim, eu quero’, mesmo que muitas vezes nos encontremos em situações difíceis”, diz ela, ao expressar sua profunda gratidão ao Cibai.

Cinco mulheres em duas salas compartilham o trabalho da “Clara’s Style”. Uma estratégia digital permitiu que elas expandissem significativamente sua carteira de clientes. (Giovanni Culmone / GSF)

Delícias haitianas
Rosemie Cavalier também é grata ao trabalho dos scalabrinianos. Ela veio do Haiti para Porto Alegre há quatro anos, trazendo consigo os tesouros gastronômicos de sua terra natal. No Cibai, ela frequentou aulas de culinária local e também foi convidada a participar de vários eventos, onde pôde mostrar suas criações culinárias. “Sempre gostei de experimentar e deixar que os outros provassem meus produtos. E foi o que fiz, e depois as pessoas me incentivaram a preparar pratos para vender”, diz a haitiana, referindo-se à motivação que a levou a iniciar seu negócio.
Logo se espalhou a notícia de sua deliciosa comida, que despertou grande interesse e agora é servida em reuniões sociais e também pode ser entregue diretamente em casa pelo marido de Rosemie, Kelly Datus. Enquanto ela cozinha no pequeno apartamento, ele se encarrega das entregas, e assim eles criaram a “Rose Delicious Food“, uma pequena empresa que agora é seu meio de sustento.

Rosemie e Kelly ganharam autonomia como imigrantes no Brasil, com a culinária haitiana. Ela cozinha e ele realiza as entregas. (Giovanni Culmone / GSF)

Empregos conforme as competências
Mas no Cibai eles não só apostam no empreendedorismo, mas também na empregabilidade, atuando como um elo entre os migrantes e uma vasta rede de empresas. No entanto, o grande desafio é fazer com que as pessoas tenham acesso a empregos que tenham a ver com suas habilidades específicas, o que nem sempre é fácil. De acordo com Adriana Araújo, coordenadora de integração sociolaboral, às vezes chegam profissionais altamente qualificados, como advogados, médicos ou engenheiros, e é insatisfatório para eles encontrar empregos como o de um frigorífico.

No Cibai de Porto Alegre, uma equipe multidisciplinar lida com a recepção de migrantes. Um dos maiores desafios é ajudá-los a encontrar trabalho adequado de acordo com suas habilidades. (Giovanni Culmone / GSF)

“Nesses casos, estaríamos fazendo mais mal do que bem, porque são migrantes que já vêm em uma condição emocionalmente frágil e têm de lidar com uma tarefa operacional com a qual não estão acostumados. Talvez para um engenheiro não possamos encontrar um emprego de engenharia, mas sim um emprego em uma área de manutenção, mais próxima da realidade dele”, explica a assistente social. 

Enquanto uma nova norma simplifica a autorização de residência para aqueles que iniciam um processo de treinamento profissional, um enorme Centro de Internação para estrangeiros …

Mas esse não foi o caso da advogada venezuelana Carmen Estela Liscano, pois o Cibai lhe propôs um trabalho adequado para ela. Em 2021, a empresa multinacional de elevadores TKE estava procurando uma pessoa que pudesse avaliar contratos com seus clientes e fornecedores em toda a América Latina e, consequentemente, que tivesse habilidades jurídicas e falasse espanhol perfeitamente. No processo de seleção, a TKE entrou em contato com a Cibai, que enviou o currículo de Carmen Estela. Em poucos dias, ela foi contratada e, de acordo com seus superiores, sua contribuição no trabalho é formidável. E não foi apenas ela que se beneficiou, mas toda a sua família.
“Aqui no Brasil, a vida mudou definitivamente para mim, minhas filhas e meu marido. Deus e a vida nos deram uma nova oportunidade, pela qual serei eternamente grata. Tudo o que posso dizer é que tem sido positivo, enriquecedor. Isso nos ajudou como família, a migração nos uniu muito mais e nos ajudou a nos fortalecermos”, afirma Carmen Estela.

O acordo de cooperação entre a Cibai e o TKE fez com que a advogada venezuelana Carmen Estela Liscano (de amarelo) conseguisse um excelente emprego como consultora jurídica para a América Latina. (Giovanni Culmone / GSF)

Opção preferencial pelas mulheres
Também a megalópole de São Paulo é um destino frequente para quem vem se estabelecer no Brasil. No bairro do Brás, funciona o Centro de Integração do Migrante (CIM), dirigido pelas Irmãs Missionárias Servas do Espírito Santo, que se dedica, sobretudo, à promoção da mulher. A irmã Janice Santos de Santana conta que eles acolhem muitas mães solteiras, bem como outras que sofrem violência e exploração no trabalho, no qual algumas trabalham em turnos de até doze horas. Os filhos delas são atendidos no período da tarde pela creche do CIM.

Irmã Janice Santos de Santana cuida dos filhos de mulheres migrantes em uma creche enquanto elas enfrentam longos turnos de trabalho. (Giovanni Culmone / GSF)

Nessa instituição, além de ajudá-las a regularizar as suas permissões de residência, são oferecidos cursos de língua portuguesa e vários treinamentos profissionais. O mais difícil, porém, é lidar com a profunda saudade que as mulheres que viajam sozinhas e separadas de suas famílias sentem. Foi o que aconteceu com Crismarys Carrizales, que deixou o marido e os dois filhos mais velhos na Venezuela e veio para o Brasil apenas com sua filha mais nova. Eles vivem separados há um ano e o único contato que têm é por meio de chamadas de vídeo.
“Tento manter uma comunicação constante com eles para que não pensem que os abandonei, mas que estou trabalhando para que tenham um bom futuro e possam viver aqui comigo”, explica Crismarys, que está economizando o máximo possível para enviar as passagens para a Venezuela para que a família consiga se reencontrar.

Crismarys Carrizales (à esquerda) deixou o marido e dois filhos mais velhos na Venezuela e veio para o Brasil com a filha mais nova. Ela fez enormes sacrifícios para construir um futuro melhor para sua família. (Giovanni Culmone / GSF)

A questão econômica é uma das principais preocupações dessas mulheres, pois precisam nutrir e vestir seus filhos, além de enviar dinheiro para seus países de origem quando a situação permite. Para ajudá-las nessa área, o CIM tem uma loja de roupas usadas, mas em excelente estado e com preços muito baixos. “Muitas mães trabalham em oficinas como costureiras, fazendo roupas todos os dias, mas quando querem dar um presente para seus filhos, geralmente vêm ao nosso bazar para encontrá-lo”, comenta a Irmã Janice, que Crismarys considera uma amiga e confidente.
A necessidade de apoiar as mulheres migrantes aumenta a cada dia no Brasil, juntamente com o aumento da porcentagem de sua presença no país. Conforme o último relatório do Observatório das Migrações Internacionais, em dez anos a porcentagem de mulheres em busca de refúgio aumentou de 10,5% para 45,4%; a maioria delas é proveniente da Venezuela, Haiti e Cuba. É uma realidade que exige uma resposta cada vez mais urgente do Estado e da sociedade civil, mas que encontra em uma pluralidade de organizações da Igreja Católica um caminho já percorrido e uma enorme experiência acumulada no serviço aos migrantes.

No pequeno apartamento onde mora, Rosemie cria novos pratos, misturando suas origens haitianas com o que aprendeu no Brasil. (Giovanni Culmone / GSF)

Os pratos de Rosemie faziam grande sucesso em seu bairro e em vários eventos. Essa foi a origem de sua pequena empresa: “Rose Delicius Foood”. (Giovanni Culmone / GSF)

Clara Estela é advogada especializada em direito penal e tem ampla experiência na área comercial. Isso não foi suficiente para que ela se sustentasse na Venezuela, mas no Brasil sua experiência foi imediatamente valorizada. (Giovanni Culmone / GSF)

A opção preferencial das Missionárias Servas do Espírito Santo é dar assistência às mulheres migrantes, que veem nelas não apenas ajuda prática, mas verdadeiras amigas e confidentes. (Giovanni Culmone / GSF)

Esta reportagem foi realizada em colaboração com o Global Solidarity Forum.


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O Papa: muitos conflitos abertos, não ceder à lógica das armas

Francisco divulgou uma carta por ocasião dos 80 anos do voto de Pio XII e da cidade de Roma a Maria Salus Populi Romani durante a fúria da II Guerra Mundial. O Pontífice pede que o aniversário seja uma oportunidade para “meditar em torno do terrível flagelo da guerra”. Olhando para a Ucrânia, Oriente Médio, Sudão e Mianmar, exorta a ouvir os “gritos de terror e de sofrimento” que questionam a consciência de todos e a “trabalhar pela paz na Europa e no mundo”.
Mariangela Jaguraba- Vatican News
O Papa Francisco enviou uma carta ao vice-gerente da Diocese de Roma, dom Baldassarre Reina, por ocasião dos 80 anos do voto de Pio XII e da cidade de Roma ao ícone de Nossa Senhora conhecido como “Salus Populi Romani” durante a II Guerra Mundial.
O Pontífice une-se espiritualmente a toda a comunidade diocesana que celebra pela primeira vez a memória litúrgica da Salus Populi Romani, e recorda o voto que o povo de Roma e seu Pastor, Papa Pio XII, fez a Nossa Senhora em 4 de junho de 1944 para implorar a salvação da cidade, quando o confronto direto entre o exército alemão e os aliados anglo-americanos estava prestes a acontecer”, escreve o Papa no texto.
“A devoção ao antigo ícone conservado na Basílica de Santa Maria Maior está viva há séculos no coração dos romanos, que recorriam a ele para fazer súplicas e invocações, especialmente durante pragas, desastres naturais e guerras”, escreve ainda Francisco. “Os eventos marcantes da vida religiosa e civil de Roma eram registrados em frente a essa imagem. Portanto, não é de surpreender que o povo romano desejou confiar-se mais uma vez a Maria Salus Populi Romani enquanto a Urbe vivia o pesadelo da devastação nazista”, ressalta ainda o Papa.

Pio XII com os cidadãos romanos após o bombardeio do bairro de São Lourenço

Não ceder à lógica das armas
De acordo com Francisco, “oitenta anos depois, a lembrança desse acontecimento tão cheio de significado quer ser uma ocasião para rezar por aqueles que perderam a vida na II Guerra Mundial e para fazer uma meditação renovada sobre o tremendo flagelo da guerra”.
Muitos conflitos em diferentes partes do mundo ainda estão abertos hoje. Penso em particular na martirizada Ucrânia, na Palestina e Israel, no Sudão e Mianmar, onde as armas ainda fazem barulho e mais sangue humano continua sendo derramado.

“Esses são dramas que afetam inúmeras vítimas inocentes, cujos gritos de terror e sofrimento questionam a consciência de todos: não podemos e não devemos ceder à lógica das armas!”

O apelo de Paulo VI à ONU
O Pontífice recorda que “vinte anos após o fim da II Guerra Mundial, em 1965, o Papa São Paulo VI, falando na ONU, perguntou: ‘Será que o mundo chegará a mudar a mentalidade particularista e bélica que até agora teceu grande parte de sua história?'” Segundo Francisco, “essa pergunta, que ainda aguarda uma resposta, estimula todos a trabalhar concretamente pela paz na Europa e em todo o mundo”.

“A paz é um dom de Deus que também deve encontrar hoje corações dispostos a acolhê-lo e trabalhar para serem construtores da reconciliação e testemunhas da esperança.”

Ser construtor de paz
Francisco espera “que as iniciativas promovidas para comemorar o voto popular à Mãe de Deus, nos quatro lugares que foram protagonistas daquele acontecimento, possam reavivar nos romanos a intenção de serem construtores de uma verdadeira paz em todos os lugares, relançando a fraternidade como condição essencial para recompor conflitos e hostilidade”. “Pode ser construtor de paz”, ressalta o Papa, “quem a possui dentro de si e, com coragem e mansidão, se compromete em criar vínculos, em estabelecer relações entre as pessoas, em apaziguar as tensões na família, no trabalho, na escola, entre os amigos”.
O Pontífice conclui a carta, pedindo a Nossa Senhora Medianeira para que “obtenha para toda a humanidade o dom da concórdia e da paz” e confia “todos os habitantes de Roma, especialmente os idosos, os doentes, as pessoas sozinhas e em dificuldade, à intercessão materna da Salus Populi Romani”.

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Indonésia. Ilha de Flores ainda é uma “terra prometida” de vocações

“Em junho e julho estão programadas várias ordenações diaconais entre os vários institutos missionários. No domingo, 2 de junho, 48 foram ordenados diáconos Verbitas, que serão seguidos por outros 8 diáconos Carmelitas no dia 7 de junho, e 27 interdiocesanos (Dioceses de Maumere, Ende, Ruteng, Larantuka e Denpasar) no domingo, 9 de junho. A esses se seguirão as ordenações de cinco diáconos Camilianos no próximo dia 14 de julho, na festa de nosso fundador, São Camilo de Lellis”, conta Pe. Galvani
Vatican News

 

Em 1924 os vigários e prefeitos apostólicos encontraram-se pela primeira vez, para definir uma orientação comum sobre diversas questões da vida da Igreja e sobre a relação com as …

“Nesta época de final de ano letivo, estamos obtendo bons resultados vocacionais. Nós, Camilianos, tentamos nos manter em forma tanto quanto possível com muitas pequenas coisas boas para fazer, não apenas no campo vocacional, mas também com nossas iniciativas sociais e de caridade.”
É o que conta à agência missionária Fides o padre Luigi Galvani, pioneiro na Diocese de Maumere, na Indonésia, onde os Missionários Camilianos estão presentes em três dioceses com 4 seminários, dois centros sociais onde coordenam um programa de nutrição para 160 crianças pobres, apoio à distância para cerca de 20 estudantes merecedores, um projeto de “casas especiais” para libertar os doentes mentais de situações de opressão e, por fim, um modesto projeto de produção de água mineral e do sorvete “São Camilo”.
Ordenações diaconais entre os vários institutos missionários
“Em junho e julho – explica ele – estão programadas várias ordenações diaconais entre os vários institutos missionários. No domingo, 2 de junho, 48 foram ordenados diáconos Verbitas, que serão seguidos por outros 8 diáconos Carmelitas no dia 7 de junho, e 27 interdiocesanos (Dioceses de Maumere, Ende, Ruteng, Larantuka e Denpasar) no domingo, 9 de junho. A esses se seguirão as ordenações de cinco diáconos Camilianos no próximo dia 14 de julho, na festa de nosso fundador, São Camilo de Lellis”.
A mais católica das 17.000 ilhas do arquipélago indonésio

Em algumas áreas do país, que o Papa visitará em setembro, membros do clero local e de ordens religiosas masculinas e femininas moram por alguns dias em famílias católicas, …

“Nos próximos meses, haverá também as profissões religiosas de numerosos noviços e noviças dos vários institutos masculinos e femininos presentes na Diocese de Maumere, que, no momento, atingiram o número de 62 comunidades religiosas”.
“Todos esses resultados vocacionais encorajadores – conclui o missionário – certamente recompensam o empenho dos vários promotores, mas também são um testemunho da fé e do espírito missionário de centenas e centenas de famílias na ilha de Flores, que continua sendo a mais católica das 17.000 ilhas do arquipélago indonésio. Talvez seja também por isso que Flores é chamada de “terra prometida” de vocações.
(com Fides)

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África Central, quando uma Porta Santa se abriu para o mundo

O Jubileu Extraordinário da Misericórdia, em 2015, foi aberto em um lugar sem precedentes, longe do coração cristão do mundo, a Basílica de São Pedro, mas dentro do coração do Papa Francisco, em Bangui. O cardeal Dieudonné Nzapalainga, então arcebispo da capital da África Central, revive aquele dia memorável e o significado benéfico que a visita do Pontífice produziu ao longo do tempo.
Maria Milvia Morciano e Jean Charles Putzolu – Vatican News
É tarde e a noite se prepara lentamente para chegar, tingindo o céu de rosa e dourado. A porta da Catedral de Notre-Dame em Bangui se abre, empurrada por duas mãos firmes. A figura de Francisco está de pé, vigorosa. Muitos anos se passaram desde aquele 29 de novembro de 2015, o primeiro dia do Advento e a data de início do Jubileu Extraordinário da Misericórdia, que foi inaugurado, antecipadamente, em um lugar igualmente extraordinário, na capital da África Central. Pela primeira vez na história, a abertura da Porta Santa não se realiza na Basílica de São Pedro, no túmulo do Apóstolo, no centro do mundo cristão, mas em um lugar remoto, para muitos desconhecido.
Capital espiritual
A África Central é um dos países mais sangrentos e divididos do mundo. O Papa o escolheu justamente por esse motivo, para levar misericórdia e uma mensagem de paz a uma “terra que está sofrendo há vários anos com a guerra e o ódio, a incompreensão e a falta de paz. Mas nessa terra sofrida há também todos os países que estão passando através da cruz da guerra. Bangui se torna a capital espiritual da oração pela misericórdia do Pai. Todos nós pedimos paz, misericórdia, reconciliação, perdão, amor. Por Bangui, por toda a República Centro-Africana, por todo o mundo, pelos países que estão sofrendo com a guerra, pedimos paz!”, disse o Papa na praça da igreja, depois de sair de um papamóvel, desprovido de qualquer proteção contra possíveis perigos, onde o imã também concordou em se sentar.
Um gesto universal compreendido por todos
Uma tradição antiga é transferida para um país jovem. O significado de abrir a Porta Santa e cruzar o limiar está enraizado em um simbolismo ancestral que, em Bangui, se ramifica e dá novos frutos. Ele está revestido de futuro. O gesto do Papa Francisco foi revolucionário porque, em um lugar fechado, cheio de barreiras, ele abre uma porta para a esperança, convida as pessoas a entrarem para encontrar misericórdia e paz, para encontrar Cristo e serem transformadas. Ele traduz de forma cristã uma metáfora compreensível para todos, em qualquer lugar do mundo, de qualquer tradição, religião, experiência e história. Todos entendem que se trata de um rito de passagem fundamental e sagrado.
A linha de fronteira, o limes latim, ponto final, fechamento, é transformada em limen, limiar, abertura. Talvez não seja coincidência o fato de duas palavras opostas conterem a mesma raiz, mas é interessante lembrar o fato de que, na linguagem eclesiástica, a “visitatio ad limina apostolorum” é a visita dos peregrinos aos túmulos dos apóstolos Pedro e Paulo, que remonta aos primeiros séculos da Igreja, mais tarde estendida aos bispos. Tudo fala de Jubileu.
Portas Santas em toda parte
Naquele ano de Misericórdia, muitas Portas Santas foram abertas em todo o mundo, quase um sistema solar composto por milhares de estrelas brilhantes espalhadas pela Terra, mesmo nos lugares mais remotos. Foi uma grande oportunidade, um presente dado a todos, mesmo àqueles que, por vários motivos, não podiam se locomover e viajar. Foi um jubileu extraordinário que pôde ser vivenciado em todas as igrejas locais, permitindo que aqueles que quisessem vivenciar plenamente o evento, fazer a peregrinação e atravessar a Porta da Misericórdia em sua própria diocese.
Uma esperança que vem de Roma
O cardeal Dieudonné Nzapalainga, então arcebispo de Bangui, é um dos intérpretes nodais de seu país. Sua história é de fé e de uma árdua “luta pela paz”, lembrando o título de seu livro na versão italiana, publicado pela Livraria Editora Vaticana em 2022. O cardeal centro-africano compartilhou com a mídia vaticana, aos microfones de Jean Charles Putzolu, a memória daqueles dias e as consequências benéficas da visita do Papa à África Central.
Gostaria de levá-los de volta ao dia 29 de novembro de 2015, o primeiro domingo do Advento, quando o Papa Francisco abriu a Porta Santa do Jubileu da Misericórdia. Foi em Bangui, na República Centro-Africana, portanto, em seu país: uma tradição muito antiga chegando a um país jovem. Em sua opinião, qual foi o significado desse gesto para todos os centro-africanos?
É um gesto único na história não apenas da Igreja universal, mas também da nossa Igreja.
Porque nós, centro-africanos, diante da violência, do sofrimento e da morte, encontrando-nos vivendo em um estado de absurdo, sentimos a esperança que veio de Roma por meio do homem de Deus, o Papa, que veio para aplacar, para trazer paz, tranquilidade e perdão, para trazer reconciliação, convidando nós, centro-africanos, a abrir as portas de nossos corações, cheios de ódio, rancor e vingança, para que pudéssemos nos enfrentar. É por isso que ele mesmo disse para depormos nossas armas: “leve a justiça, leve o amor”. Acredito que seu gesto será sempre lembrado aqui na República Centro-Africana. Muçulmanos, protestantes, católicos, todos nós somos unânimes em dizer que sua chegada foi salutar.
E o Papa de fato chegou. Ela se lembrou dessa mensagem, desse chamado para depor as armas. Havia uma enorme tensão até quase dois dias antes de sua chegada a Bangui. Houve mais tensão desde então? Essa mensagem foi ouvida? A mensagem do Papa foi ouvida e atendida? As armas ficaram em silêncio?
Acho que a mensagem foi ouvida. Passamos seis meses desde a partida do Papa como se estivéssemos em um país normal, algo impensável até dois dias antes de sua chegada. Sua chegada aliviou a pressão. Vimos muçulmanos saindo de seus enclaves para se juntarem a seus irmãos e irmãs católicos no estádio, para participar da grande celebração. As pessoas iam e vinham. O Km 5 [marco 5] era considerado um local onde havia muitas armas e, portanto, não se podia entrar. Mas fui até lá com os cristãos para acompanhar o Papa, dizendo aos muçulmanos: “vamos caminhar juntos!”
O Papa veio de Roma para a República Centro-Africana, os cristãos de Bangui deixaram nossos bairros para ir ao encontro de nossos irmãos, caminhando pela paz. Bem, nós marchamos e continuamos a fazê-lo desde aquele dia. Um líder rebelde nos disse que deveríamos conversar sobre espiritualidade com os imãs. Os imãs organizaram uma grande reunião para pedir aos líderes rebeldes que depusessem suas armas e muita coisa mudou desde então. Isso também foi resultado da visita do Papa.
Os imãs realizaram um grande encontro para pedir aos líderes rebeldes que deponham as armas e isso mudou muito. Esse também foi o resultado da visita do Papa, que nos deu um empurrão, nos fez recomeçar e agora estamos vendo os resultados. Hoje as armas não circulam mais como antes.
Em sua opinião, quais foram os outros frutos desse evento?
Foram os encontros entre jovens muçulmanos e jovens cristãos. Encontros bastante regulares entre mulheres muçulmanas e mulheres cristãs, e entre nós, líderes. Há pouco tempo, em março, uma mesquita a 250 quilômetros daqui foi vandalizada. O imã, o pastor protestante e eu falamos ao coração de nossos fiéis para desarmá-los e convidá-los a cooperar, respeitar, valorizar e respeitar o local. Esse, em minha opinião, é o fruto dessa passagem. Agora também pedimos que a justiça seja feita. Isso significa que aqueles que perderam suas casas devem poder recuperá-las, o que significa que aqueles que moram na casa do vizinho há muito tempo devem ter a gentileza de sair. E nós, líderes religiosos, trabalhamos com o coração. Há alguns que saem para deixar a casa para os proprietários sem passar pelos tribunais ou pelo Estado. Portanto, acho que isso também é proveitoso. Agora os corações estão dispostos e podemos conversar, podemos imaginar um futuro comum.
Quando o senhor diz que eles saem de casa, é porque eles realmente a devolvem ao seu legítimo proprietário, certo?
Exatamente isso.
Em um nível mais pessoal, Vossa Eminência, quais são suas lembranças mais fortes e talvez mais vívidas daquele período?
A lembrança mais vívida é a de entrar no quilômetro 5 dois dias antes: era impossível atravessar o posto de controle. Eu estava lá. Vi com meus próprios olhos: o Papa escolheu ir em um veículo não blindado, mas em campo aberto. Todos sabiam que havia muitas armas no local. Francisco teve a coragem de ir até lá e vimos que o imã também concordou em ir no papamóvel. Essa é a imagem mais forte. Quando saí para ir ao estádio, vi muçulmanos saindo em massa, arriscando suas vidas. Foi sua fé que os levou a sair. Um imã nos disse: ‘O Papa não veio para vocês, cristãos, mas para nós, muçulmanos. Estávamos no enclave, estávamos na escravidão. Ele nos libertou!”
Eminência, uma última pergunta: o senhor se tornou inseparável do Imã… entre cristãos e muçulmanos e também com os protestantes. Vocês realizam iniciativas juntos quase diariamente. Esse é outro fruto. É claro que é o resultado de seu trabalho, mas também é o resultado da visita do Papa…
A visita do papa nos confortou, incentivou e apoiou nesse trabalho. E fomos nós três que pedimos a ele que viesse à República Centro-Africana. Acho que todos nós somos gratos a ele. Esse é o fruto de sua passagem.
O Jubileu de 2025. Como estão se preparando para ele?
O Jubileu de 2025 é um momento importante para a Igreja. Bem, já estão sendo criados grupos aqui para refletir, orar, reunir-se e também para ver como, localmente, viveremos esse momento. Este ano celebraremos 130 anos de evangelização na República Centro-Africana e, ao mesmo tempo, estaremos caminhando para 2025, que está logo ali, e estamos trabalhando em ambos. Portanto, acho que há muito entusiasmo. Eu estava com um grupo de jovens que se encontrava na igreja em massa e dissemos uns aos outros: este é um momento importante porque é um momento de graça, mas também é um momento complicado e elevado. Não podemos deixar passar esse momento favorável.

O cardeal Dieudonné Nzapalainga

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