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Ucraniana, Prêmio Nobel da Paz de 2022: ocupação também é guerra

Oleksandra Matviychuk, advogada ucraniana pelos direitos humanos estava entre os participantes do II Encontro Mundial sobre a Fraternidade Humana, organizado pela Fundação Fratelli tutti. A vencedora do Prêmio Nobel da Paz de 2022 fala sobre a colaboração com os colegas presentes para o evento em Roma e enfatiza o valor da liberdade na sociedade ucraniana.
Svitlana Dukhovich – Vatican News
A paz não significa ocupação e a guerra é um veneno: esse é o testemunho da advogada e ativista pelos direitos humanos, Oleksandra Matviychuk, fundadora na Ucrânia do Centro para Liberdades Civis, empenhada em documentar o sofrimento causado em seu país pelo conflito e que, por isso, recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 2022. Matviychuk, que participou do II Encontro Mundial sobre a Fraternidade Universal nos dias 10 e 11 de maio com os outros ganhadores do Prêmio Nobel presentes em Roma, trabalhou em uma declaração de paz e, na manhã de sábado (11/05), com todos os colegas, se encontrou com o Papa. Sua presença na capital italiana também foi uma oportunidade de apresentar a sua experiência na documentação de crimes de guerra. A Rádio Vaticano-Vatican News encontrou a ucraniana logo após a audiência dos participantes do fórum com Francisco.
Оlexandra, a senhora participou do Encontro Mundial sobre a Fraternidade Humana e esteve presente na audiência com o Papa. Poderia compartilhar suas impressões?
Na verdade, estou muito feliz por estar no Vaticano nestes dias para um encontro para a qual foram convidados os vencedores do Prêmio Nobel da Paz e representantes de várias organizações internacionais. Discutimos juntos o texto da Declaração de Paz e seus principais pontos. Para mim, é muito importante que o texto final da Declaração de Paz inclua algo que é claro para todos os ucranianos, mas não tão óbvio para a comunidade internacional: ocupação também é guerra. Todos nós queremos paz e todos nós lutamos pela paz, mas paz não é ocupação. Tive a oportunidade de conversar brevemente com o Santo Padre e presenteá-lo com um livro de Stanislav Aseyev, um jornalista de Donetsk que passou dois anos na prisão “Izolyatsia”. Eu disse ao Papa que tenho o compromisso de documentar a dor humana e que milhões de pessoas na Ucrânia estão sofrendo. As pessoas precisam de Sua Santidade e pedi ao Papa que viesse à Ucrânia. Eu disse que agora, mais do que nunca, as pessoas que estão sofrendo precisam dele.
Oleksandra, qual é a importância da sua participação como diretora do Centro pelas Liberdades Civis em um evento como esse?
É importante que as vozes de pessoas de diferentes continentes sejam ouvidas aqui, pessoas que passaram por tantas provações e, em especial, por guerras. E, na verdade, todos nós falamos sobre a mesma coisa, embora de perspectivas diferentes, de pontos geográficos diferentes, de experiências de vida diferentes: falamos sobre o fato de que as pessoas lutam pela liberdade, pela dignidade humana, que deve haver justiça e que, se o mal não for punido, ele só cresce. Falamos que, se quisermos a paz, devemos fazer dela nossa prática diária.
Entre tantos participantes do encontro, pessoas que estão passando por várias dificuldades em seus países, a senhora percebeu um desejo de ouvir a dor e os problemas dos outros, um desejo de entender e ajudar?
Aqui você precisa entender que esse é um público especial: são pessoas que sabem ouvir e entender a dor de outra pessoa. Vou dar um exemplo: um dos altos funcionários do Vaticano havia chegado e, em determinado momento, eu quis me aproximar dele para conversar, mas ele não me viu. Então, um dos participantes da conferência, uma vencedora do Prêmio Nobel do Iêmen, simplesmente me chamou e me apresentou a ele. Ela viu que eu queria falar com essa pessoa e, como estava envolvida na conversa, ela o fez. É um pequeno detalhe, mas é algo que percebo com frequência: pessoas que trabalharam muito com a dor humana, pessoas que entendem o que é a luta pela liberdade, entendem as aspirações dos outros e nunca se recusam a ajudar.
A missão do Centro pelas Liberdades Civis é promover os direitos humanos, a democracia e a solidariedade na Ucrânia. Desde o início da invasão russa em larga escala, a senhora tem documentado os crimes de guerra cometidos pelo exército russo e exigido que a responsabilidade por esses crimes seja reconhecida internacionalmente. Até que ponto a senhora também está conseguindo aumentar a conscientização da sociedade ucraniana e incentivá-la a não perder de vista os direitos humanos na vida cotidiana, em um período de guerra tão difícil?
Essa é uma questão muito complicada. Por um lado, estamos todos lutando pela liberdade em todos os sentidos: pela liberdade de ser um país independente, não uma colônia russa, pela liberdade de preservar nossa identidade ucraniana, de não sermos forçados a reeducar nossos filhos para que “se tornem russos”, e pela liberdade de ter uma escolha democrática, ou seja, o direito de fazer algo todos os dias e de construir um país onde os direitos de todos sejam protegidos. Mas, por outro lado, a guerra é um veneno, é um veneno para qualquer sociedade, para qualquer povo, porque obviamente traz à tona a necessidade de sobrevivência, traz à tona alguns instintos básicos e, às vezes, as pessoas podem pensar que todo o resto, nessas condições, não importa. Essa é uma posição muito perigosa, porque corremos o risco de esquecer aquilo pelo qual estamos lutando. Não tenho o direito moral de dizer nada a ninguém, mas meu trabalho é lembrar os ucranianos do que é importante. E o que ainda nos ajuda a seguir na direção certa, apesar de toda essa lógica de guerra, é que se abrirmos qualquer pesquisa sociológica com ucranianos sobre valores, veremos que os ucranianos sempre colocam a liberdade no topo da hierarquia de valores.
Algumas pesquisas também mostram que uma grande porcentagem dos ucranianos confia na Igreja. Novamente, estamos falando de valores. Que papel a senhora acredita que a Igreja possa desempenhar para orientar as pessoas em relação a determinados valores?
De fato, a Igreja pode desempenhar e desempenha um grande papel. Estamos cientes desse soft power e tentamos cooperar com diferentes Igrejas, denominações e organizações religiosas. Em 2019, juntamente com o Instituto pela Liberdade Religiosa, organizamos uma mesa redonda sobre liberdade religiosa, na qual nos reunimos com representantes de várias Igrejas e denominações, bem como representantes de organizações de direitos humanos, para discutir a questão da liberdade religiosa nos territórios ocupados. Como temos muitas coisas em comum, podemos trabalhar juntos para superar esses desafios. Em particular, a liberdade religiosa nos territórios ocupados é um tópico com o qual lidamos como documentadores de crimes de guerra. Documentei pessoalmente a perseguição religiosa e nunca esquecerei a história de um pastor protestante que contou como foi torturado e pelo que passou. E como ninguém tem uma resposta simples sobre como acabar com isso, juntos, em cooperação com diferentes Igrejas e denominações, tentamos fazer o que podemos: não temos a capacidade de acabar com isso, mas trabalhamos individualmente em cada caso, e isso significa ajudar pessoas específicas, o que não é tão pouco, afinal.
O que esse encontro vai deixar para a senhora? O que levará para a Ucrânia?
Levarei comigo a esperança. Espero realmente que Sua Santidade tenha me ouvido e venha à Ucrânia em um futuro próximo. Vim aqui sabendo que duas vezes por semana ele menciona a Ucrânia em seus apelos e que essa é uma voz poderosa em nosso apoio, especialmente nos países com os quais não temos contato: América Latina, África… Só recentemente recuperamos nossa independência e não temos contatos humanos horizontais tão consolidados, por isso a voz do Papa é extremamente importante aqui. E sou grata pelo fato de que, toda semana, milhões de pessoas em todo o mundo ouvem que o Papa apoia a Ucrânia e reza pelas pessoas na Ucrânia. Portanto, vou com esperança.

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O Papa: muitos conflitos abertos, não ceder à lógica das armas

Francisco divulgou uma carta por ocasião dos 80 anos do voto de Pio XII e da cidade de Roma a Maria Salus Populi Romani durante a fúria da II Guerra Mundial. O Pontífice pede que o aniversário seja uma oportunidade para “meditar em torno do terrível flagelo da guerra”. Olhando para a Ucrânia, Oriente Médio, Sudão e Mianmar, exorta a ouvir os “gritos de terror e de sofrimento” que questionam a consciência de todos e a “trabalhar pela paz na Europa e no mundo”.
Mariangela Jaguraba- Vatican News
O Papa Francisco enviou uma carta ao vice-gerente da Diocese de Roma, dom Baldassarre Reina, por ocasião dos 80 anos do voto de Pio XII e da cidade de Roma ao ícone de Nossa Senhora conhecido como “Salus Populi Romani” durante a II Guerra Mundial.
O Pontífice une-se espiritualmente a toda a comunidade diocesana que celebra pela primeira vez a memória litúrgica da Salus Populi Romani, e recorda o voto que o povo de Roma e seu Pastor, Papa Pio XII, fez a Nossa Senhora em 4 de junho de 1944 para implorar a salvação da cidade, quando o confronto direto entre o exército alemão e os aliados anglo-americanos estava prestes a acontecer”, escreve o Papa no texto.
“A devoção ao antigo ícone conservado na Basílica de Santa Maria Maior está viva há séculos no coração dos romanos, que recorriam a ele para fazer súplicas e invocações, especialmente durante pragas, desastres naturais e guerras”, escreve ainda Francisco. “Os eventos marcantes da vida religiosa e civil de Roma eram registrados em frente a essa imagem. Portanto, não é de surpreender que o povo romano desejou confiar-se mais uma vez a Maria Salus Populi Romani enquanto a Urbe vivia o pesadelo da devastação nazista”, ressalta ainda o Papa.

Pio XII com os cidadãos romanos após o bombardeio do bairro de São Lourenço

Não ceder à lógica das armas
De acordo com Francisco, “oitenta anos depois, a lembrança desse acontecimento tão cheio de significado quer ser uma ocasião para rezar por aqueles que perderam a vida na II Guerra Mundial e para fazer uma meditação renovada sobre o tremendo flagelo da guerra”.
Muitos conflitos em diferentes partes do mundo ainda estão abertos hoje. Penso em particular na martirizada Ucrânia, na Palestina e Israel, no Sudão e Mianmar, onde as armas ainda fazem barulho e mais sangue humano continua sendo derramado.

“Esses são dramas que afetam inúmeras vítimas inocentes, cujos gritos de terror e sofrimento questionam a consciência de todos: não podemos e não devemos ceder à lógica das armas!”

O apelo de Paulo VI à ONU
O Pontífice recorda que “vinte anos após o fim da II Guerra Mundial, em 1965, o Papa São Paulo VI, falando na ONU, perguntou: ‘Será que o mundo chegará a mudar a mentalidade particularista e bélica que até agora teceu grande parte de sua história?'” Segundo Francisco, “essa pergunta, que ainda aguarda uma resposta, estimula todos a trabalhar concretamente pela paz na Europa e em todo o mundo”.

“A paz é um dom de Deus que também deve encontrar hoje corações dispostos a acolhê-lo e trabalhar para serem construtores da reconciliação e testemunhas da esperança.”

Ser construtor de paz
Francisco espera “que as iniciativas promovidas para comemorar o voto popular à Mãe de Deus, nos quatro lugares que foram protagonistas daquele acontecimento, possam reavivar nos romanos a intenção de serem construtores de uma verdadeira paz em todos os lugares, relançando a fraternidade como condição essencial para recompor conflitos e hostilidade”. “Pode ser construtor de paz”, ressalta o Papa, “quem a possui dentro de si e, com coragem e mansidão, se compromete em criar vínculos, em estabelecer relações entre as pessoas, em apaziguar as tensões na família, no trabalho, na escola, entre os amigos”.
O Pontífice conclui a carta, pedindo a Nossa Senhora Medianeira para que “obtenha para toda a humanidade o dom da concórdia e da paz” e confia “todos os habitantes de Roma, especialmente os idosos, os doentes, as pessoas sozinhas e em dificuldade, à intercessão materna da Salus Populi Romani”.

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Indonésia. Ilha de Flores ainda é uma “terra prometida” de vocações

“Em junho e julho estão programadas várias ordenações diaconais entre os vários institutos missionários. No domingo, 2 de junho, 48 foram ordenados diáconos Verbitas, que serão seguidos por outros 8 diáconos Carmelitas no dia 7 de junho, e 27 interdiocesanos (Dioceses de Maumere, Ende, Ruteng, Larantuka e Denpasar) no domingo, 9 de junho. A esses se seguirão as ordenações de cinco diáconos Camilianos no próximo dia 14 de julho, na festa de nosso fundador, São Camilo de Lellis”, conta Pe. Galvani
Vatican News

 

Em 1924 os vigários e prefeitos apostólicos encontraram-se pela primeira vez, para definir uma orientação comum sobre diversas questões da vida da Igreja e sobre a relação com as …

“Nesta época de final de ano letivo, estamos obtendo bons resultados vocacionais. Nós, Camilianos, tentamos nos manter em forma tanto quanto possível com muitas pequenas coisas boas para fazer, não apenas no campo vocacional, mas também com nossas iniciativas sociais e de caridade.”
É o que conta à agência missionária Fides o padre Luigi Galvani, pioneiro na Diocese de Maumere, na Indonésia, onde os Missionários Camilianos estão presentes em três dioceses com 4 seminários, dois centros sociais onde coordenam um programa de nutrição para 160 crianças pobres, apoio à distância para cerca de 20 estudantes merecedores, um projeto de “casas especiais” para libertar os doentes mentais de situações de opressão e, por fim, um modesto projeto de produção de água mineral e do sorvete “São Camilo”.
Ordenações diaconais entre os vários institutos missionários
“Em junho e julho – explica ele – estão programadas várias ordenações diaconais entre os vários institutos missionários. No domingo, 2 de junho, 48 foram ordenados diáconos Verbitas, que serão seguidos por outros 8 diáconos Carmelitas no dia 7 de junho, e 27 interdiocesanos (Dioceses de Maumere, Ende, Ruteng, Larantuka e Denpasar) no domingo, 9 de junho. A esses se seguirão as ordenações de cinco diáconos Camilianos no próximo dia 14 de julho, na festa de nosso fundador, São Camilo de Lellis”.
A mais católica das 17.000 ilhas do arquipélago indonésio

Em algumas áreas do país, que o Papa visitará em setembro, membros do clero local e de ordens religiosas masculinas e femininas moram por alguns dias em famílias católicas, …

“Nos próximos meses, haverá também as profissões religiosas de numerosos noviços e noviças dos vários institutos masculinos e femininos presentes na Diocese de Maumere, que, no momento, atingiram o número de 62 comunidades religiosas”.
“Todos esses resultados vocacionais encorajadores – conclui o missionário – certamente recompensam o empenho dos vários promotores, mas também são um testemunho da fé e do espírito missionário de centenas e centenas de famílias na ilha de Flores, que continua sendo a mais católica das 17.000 ilhas do arquipélago indonésio. Talvez seja também por isso que Flores é chamada de “terra prometida” de vocações.
(com Fides)

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África Central, quando uma Porta Santa se abriu para o mundo

O Jubileu Extraordinário da Misericórdia, em 2015, foi aberto em um lugar sem precedentes, longe do coração cristão do mundo, a Basílica de São Pedro, mas dentro do coração do Papa Francisco, em Bangui. O cardeal Dieudonné Nzapalainga, então arcebispo da capital da África Central, revive aquele dia memorável e o significado benéfico que a visita do Pontífice produziu ao longo do tempo.
Maria Milvia Morciano e Jean Charles Putzolu – Vatican News
É tarde e a noite se prepara lentamente para chegar, tingindo o céu de rosa e dourado. A porta da Catedral de Notre-Dame em Bangui se abre, empurrada por duas mãos firmes. A figura de Francisco está de pé, vigorosa. Muitos anos se passaram desde aquele 29 de novembro de 2015, o primeiro dia do Advento e a data de início do Jubileu Extraordinário da Misericórdia, que foi inaugurado, antecipadamente, em um lugar igualmente extraordinário, na capital da África Central. Pela primeira vez na história, a abertura da Porta Santa não se realiza na Basílica de São Pedro, no túmulo do Apóstolo, no centro do mundo cristão, mas em um lugar remoto, para muitos desconhecido.
Capital espiritual
A África Central é um dos países mais sangrentos e divididos do mundo. O Papa o escolheu justamente por esse motivo, para levar misericórdia e uma mensagem de paz a uma “terra que está sofrendo há vários anos com a guerra e o ódio, a incompreensão e a falta de paz. Mas nessa terra sofrida há também todos os países que estão passando através da cruz da guerra. Bangui se torna a capital espiritual da oração pela misericórdia do Pai. Todos nós pedimos paz, misericórdia, reconciliação, perdão, amor. Por Bangui, por toda a República Centro-Africana, por todo o mundo, pelos países que estão sofrendo com a guerra, pedimos paz!”, disse o Papa na praça da igreja, depois de sair de um papamóvel, desprovido de qualquer proteção contra possíveis perigos, onde o imã também concordou em se sentar.
Um gesto universal compreendido por todos
Uma tradição antiga é transferida para um país jovem. O significado de abrir a Porta Santa e cruzar o limiar está enraizado em um simbolismo ancestral que, em Bangui, se ramifica e dá novos frutos. Ele está revestido de futuro. O gesto do Papa Francisco foi revolucionário porque, em um lugar fechado, cheio de barreiras, ele abre uma porta para a esperança, convida as pessoas a entrarem para encontrar misericórdia e paz, para encontrar Cristo e serem transformadas. Ele traduz de forma cristã uma metáfora compreensível para todos, em qualquer lugar do mundo, de qualquer tradição, religião, experiência e história. Todos entendem que se trata de um rito de passagem fundamental e sagrado.
A linha de fronteira, o limes latim, ponto final, fechamento, é transformada em limen, limiar, abertura. Talvez não seja coincidência o fato de duas palavras opostas conterem a mesma raiz, mas é interessante lembrar o fato de que, na linguagem eclesiástica, a “visitatio ad limina apostolorum” é a visita dos peregrinos aos túmulos dos apóstolos Pedro e Paulo, que remonta aos primeiros séculos da Igreja, mais tarde estendida aos bispos. Tudo fala de Jubileu.
Portas Santas em toda parte
Naquele ano de Misericórdia, muitas Portas Santas foram abertas em todo o mundo, quase um sistema solar composto por milhares de estrelas brilhantes espalhadas pela Terra, mesmo nos lugares mais remotos. Foi uma grande oportunidade, um presente dado a todos, mesmo àqueles que, por vários motivos, não podiam se locomover e viajar. Foi um jubileu extraordinário que pôde ser vivenciado em todas as igrejas locais, permitindo que aqueles que quisessem vivenciar plenamente o evento, fazer a peregrinação e atravessar a Porta da Misericórdia em sua própria diocese.
Uma esperança que vem de Roma
O cardeal Dieudonné Nzapalainga, então arcebispo de Bangui, é um dos intérpretes nodais de seu país. Sua história é de fé e de uma árdua “luta pela paz”, lembrando o título de seu livro na versão italiana, publicado pela Livraria Editora Vaticana em 2022. O cardeal centro-africano compartilhou com a mídia vaticana, aos microfones de Jean Charles Putzolu, a memória daqueles dias e as consequências benéficas da visita do Papa à África Central.
Gostaria de levá-los de volta ao dia 29 de novembro de 2015, o primeiro domingo do Advento, quando o Papa Francisco abriu a Porta Santa do Jubileu da Misericórdia. Foi em Bangui, na República Centro-Africana, portanto, em seu país: uma tradição muito antiga chegando a um país jovem. Em sua opinião, qual foi o significado desse gesto para todos os centro-africanos?
É um gesto único na história não apenas da Igreja universal, mas também da nossa Igreja.
Porque nós, centro-africanos, diante da violência, do sofrimento e da morte, encontrando-nos vivendo em um estado de absurdo, sentimos a esperança que veio de Roma por meio do homem de Deus, o Papa, que veio para aplacar, para trazer paz, tranquilidade e perdão, para trazer reconciliação, convidando nós, centro-africanos, a abrir as portas de nossos corações, cheios de ódio, rancor e vingança, para que pudéssemos nos enfrentar. É por isso que ele mesmo disse para depormos nossas armas: “leve a justiça, leve o amor”. Acredito que seu gesto será sempre lembrado aqui na República Centro-Africana. Muçulmanos, protestantes, católicos, todos nós somos unânimes em dizer que sua chegada foi salutar.
E o Papa de fato chegou. Ela se lembrou dessa mensagem, desse chamado para depor as armas. Havia uma enorme tensão até quase dois dias antes de sua chegada a Bangui. Houve mais tensão desde então? Essa mensagem foi ouvida? A mensagem do Papa foi ouvida e atendida? As armas ficaram em silêncio?
Acho que a mensagem foi ouvida. Passamos seis meses desde a partida do Papa como se estivéssemos em um país normal, algo impensável até dois dias antes de sua chegada. Sua chegada aliviou a pressão. Vimos muçulmanos saindo de seus enclaves para se juntarem a seus irmãos e irmãs católicos no estádio, para participar da grande celebração. As pessoas iam e vinham. O Km 5 [marco 5] era considerado um local onde havia muitas armas e, portanto, não se podia entrar. Mas fui até lá com os cristãos para acompanhar o Papa, dizendo aos muçulmanos: “vamos caminhar juntos!”
O Papa veio de Roma para a República Centro-Africana, os cristãos de Bangui deixaram nossos bairros para ir ao encontro de nossos irmãos, caminhando pela paz. Bem, nós marchamos e continuamos a fazê-lo desde aquele dia. Um líder rebelde nos disse que deveríamos conversar sobre espiritualidade com os imãs. Os imãs organizaram uma grande reunião para pedir aos líderes rebeldes que depusessem suas armas e muita coisa mudou desde então. Isso também foi resultado da visita do Papa.
Os imãs realizaram um grande encontro para pedir aos líderes rebeldes que deponham as armas e isso mudou muito. Esse também foi o resultado da visita do Papa, que nos deu um empurrão, nos fez recomeçar e agora estamos vendo os resultados. Hoje as armas não circulam mais como antes.
Em sua opinião, quais foram os outros frutos desse evento?
Foram os encontros entre jovens muçulmanos e jovens cristãos. Encontros bastante regulares entre mulheres muçulmanas e mulheres cristãs, e entre nós, líderes. Há pouco tempo, em março, uma mesquita a 250 quilômetros daqui foi vandalizada. O imã, o pastor protestante e eu falamos ao coração de nossos fiéis para desarmá-los e convidá-los a cooperar, respeitar, valorizar e respeitar o local. Esse, em minha opinião, é o fruto dessa passagem. Agora também pedimos que a justiça seja feita. Isso significa que aqueles que perderam suas casas devem poder recuperá-las, o que significa que aqueles que moram na casa do vizinho há muito tempo devem ter a gentileza de sair. E nós, líderes religiosos, trabalhamos com o coração. Há alguns que saem para deixar a casa para os proprietários sem passar pelos tribunais ou pelo Estado. Portanto, acho que isso também é proveitoso. Agora os corações estão dispostos e podemos conversar, podemos imaginar um futuro comum.
Quando o senhor diz que eles saem de casa, é porque eles realmente a devolvem ao seu legítimo proprietário, certo?
Exatamente isso.
Em um nível mais pessoal, Vossa Eminência, quais são suas lembranças mais fortes e talvez mais vívidas daquele período?
A lembrança mais vívida é a de entrar no quilômetro 5 dois dias antes: era impossível atravessar o posto de controle. Eu estava lá. Vi com meus próprios olhos: o Papa escolheu ir em um veículo não blindado, mas em campo aberto. Todos sabiam que havia muitas armas no local. Francisco teve a coragem de ir até lá e vimos que o imã também concordou em ir no papamóvel. Essa é a imagem mais forte. Quando saí para ir ao estádio, vi muçulmanos saindo em massa, arriscando suas vidas. Foi sua fé que os levou a sair. Um imã nos disse: ‘O Papa não veio para vocês, cristãos, mas para nós, muçulmanos. Estávamos no enclave, estávamos na escravidão. Ele nos libertou!”
Eminência, uma última pergunta: o senhor se tornou inseparável do Imã… entre cristãos e muçulmanos e também com os protestantes. Vocês realizam iniciativas juntos quase diariamente. Esse é outro fruto. É claro que é o resultado de seu trabalho, mas também é o resultado da visita do Papa…
A visita do papa nos confortou, incentivou e apoiou nesse trabalho. E fomos nós três que pedimos a ele que viesse à República Centro-Africana. Acho que todos nós somos gratos a ele. Esse é o fruto de sua passagem.
O Jubileu de 2025. Como estão se preparando para ele?
O Jubileu de 2025 é um momento importante para a Igreja. Bem, já estão sendo criados grupos aqui para refletir, orar, reunir-se e também para ver como, localmente, viveremos esse momento. Este ano celebraremos 130 anos de evangelização na República Centro-Africana e, ao mesmo tempo, estaremos caminhando para 2025, que está logo ali, e estamos trabalhando em ambos. Portanto, acho que há muito entusiasmo. Eu estava com um grupo de jovens que se encontrava na igreja em massa e dissemos uns aos outros: este é um momento importante porque é um momento de graça, mas também é um momento complicado e elevado. Não podemos deixar passar esse momento favorável.

O cardeal Dieudonné Nzapalainga

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