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Caccia: com a “solução militar”, não haverá futuro para Oriente Médio e Ucrânia

O observador permanente da Santa Sé junto às Nações Unidas reitera o perigo representado pelo conflito e pela violência e aponta para a necessidade de seguir outros caminhos para a desescalada. Alarme com a corrida armamentista, com foco na energia nuclear, que “implica enormes investimentos que seriam mais bem empregados no desenvolvimento socioeconômico e em programas de prevenção de conflitos”
Deborah Castellano Lubov- Vatican News

O que está acontecendo na Ucrânia e no Oriente Médio prova que a “solução militar” não funciona – as milhares de vidas perdidas, as famílias destruídas, juntamente com casas e infraestrutura, demonstram isso – e que é necessário outro caminho. O observador permanente da Santa Sé nas Nações Unidas, o arcebispo Gabriele Caccia, em uma entrevista à mídia vaticana, traça os caminhos necessários para alcançar a paz, destacando os instrumentos, também em posse da diplomacia internacional, que poderiam facilitar a redução da escalada e que ainda não foram usados.

Ao término da audiência geral desta quarta-feira (15/05), um forte apelo do Santo Padre em favor do Afeganistão, atingido por trágicas inundações que continuam causando mortes e …

 
Caccia enfatiza, como já fez anteriormente, a realidade preocupante dos atuais gastos sem precedentes com armamentos em muitos países, observando que tais investimentos seriam mais bem aplicados no desenvolvimento socioeconômico e em programas de prevenção de conflitos, a necessidade de restaurar a confiança, as estruturas diplomáticas e a cooperação. Ele também reitera a grande preocupação da Igreja com os perigos das armas nucleares, que representam “uma ameaça existencial para a humanidade como um todo”.
Como observador permanente da Santa Sé junto às Nações Unidas há cinco anos, ele também indica o que considera necessário para que a grande organização internacional realmente desempenhe um papel mais eficaz em favor da paz.
Dom Caccia, no atual cenário dramático, o Papa Francisco continua a fazer apelos pela paz. Como é possível, com base em sua experiência, encontrar os caminhos para a paz, particularmente nos conflitos na Ucrânia e no Oriente Médio?
Ninguém tem uma solução “mágica” para esses conflitos, que surgem de uma multiplicidade de causas e de diferentes perspectivas dos protagonistas que têm responsabilidade. No entanto, é cada vez mais importante que repitamos com coragem e convicção que somente a paz é a solução e que os caminhos da violência e do conflito geram morte, perpetuam injustiças e reproduzem ódio. Para ficar nos dois casos de conflitos mencionados, percebe-se que a chamada “solução militar” não apenas não funciona, mas é incapaz de projetar um futuro diferente. Justamente essa constatação, que infelizmente significa milhares de vidas esmagadas, famílias destruídas, casas, trabalho, infraestrutura arruinados, paradoxalmente faz surgir a consciência de que outro caminho deve ser percorrido e que, assim como há muitas causas que levam à guerra, há também muitas razões e pessoas que podem seguir o caminho da paz. O Papa enfatizou que encontrar os caminhos para a paz requer um compromisso sincero de todas as partes envolvidas, um diálogo aberto e construtivo e, acima de tudo, a disposição de deixar de lado as divisões e trabalhar juntos pelo bem comum, promovendo a reconciliação e a solidariedade.
Em sua opinião, existem instrumentos que poderiam facilitar a distensão e que ainda não foram utilizados, nem mesmo pela diplomacia internacional?
Todo o sexto capítulo da Carta das Nações Unidas trata da solução pacífica de controvérsias “por meio de negociações, investigações, mediações, conciliações, arbitragens, regulamentos judiciais, recurso a organizações ou acordos regionais”, ao que se pode acrescentar toda uma série de iniciativas de natureza humanitária que podem facilitar a obtenção de tais soluções. Portanto, há muito espaço para uma variedade de iniciativas, mas a vontade firme e compartilhada de usá-las de acordo com o direito internacional continua sendo fundamental, caso contrário, será difícil implementá-las na prática.
A guerra voltou ao centro das atenções nos últimos anos. Há também guerras esquecidas pela mídia, em Mianmar, no Sudão, na Síria, no Iêmen, na República Democrática do Congo… O que mais o preocupa nesse clima global incandescente, em que tantos países – de acordo com o recente relatório do SIPRI (Instituto internacional de pesquisas sobre a paz, de Estocolmo) – estão gastando cada vez mais em armamentos?
O mais preocupante é o risco crescente de “escalada” de conflitos e a perpetuação do sofrimento humano. Essa corrida armamentista também acarreta enormes investimentos que seriam mais bem empregados no desenvolvimento socioeconômico e em programas de prevenção de conflitos. No fundo, tudo isso revela uma ilusão insidiosa de que a segurança é produzida pela força e pela posse de armas, ao passo que é fruto de relacionamentos baseados em confiança e responsabilidade mútuas. Nesse sentido, o apelo do Papa Francisco à “fraternidade” ou “amizade social” certamente exige uma “conversão” necessária para que o objetivo da paz seja alcançado.

O observador permanente da Santa Sé junto às Nações Unidas em Nova York lembrou à Comissão de Desarmamento da ONU que o Papa Francisco enfatizou repetidamente que o uso e a posse …

 
Em várias ocasiões, o senhor alertou sobre o grande perigo das armas nucleares possuídas por vários países. Em sua opinião, quais são os riscos que a humanidade está correndo nesta fase da história?
A Igreja católica, fiel à sua doutrina da dignidade humana e da promoção da paz, expressa profunda preocupação com os perigos das armas nucleares. Essas armas representam uma ameaça existencial para toda a humanidade, pois podem causar destruição em grande escala, comprometer o meio ambiente e causar sofrimento indescritível para as gerações presentes e futuras. Nesse sentido, há uma clara condenação não apenas do uso, mas também da posse dessas armas, que são moralmente inaceitáveis, pois contradizem o princípio da proporcionalidade na defesa e correm o risco de infligir danos indiscriminados e irreversíveis. No entanto, gostaria de acrescentar que, de acordo com o secretário-geral das Nações Unidas, além do risco nuclear, há duas outras realidades que representam um perigo global para a humanidade hoje, a saber, as mudanças climáticas e o desenvolvimento descontrolado da chamada Inteligência Artificial. Em todas essas três frentes dramáticas, a voz da Igreja está se fazendo ouvir de forma clara e convincente. Sobre a questão nuclear, a Santa Sé, além de assinar o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, também promoveu o mais recente Tratado sobre a proibição total de armas nucleares, que entrou em vigor para os países signatários em janeiro de 2021. No campo das mudanças climáticas, basta lembrar a Encíclica “Laudato si” do Papa Francisco e a mais recente Exortação Apostólica “Laudate Deum”, em vista da Conferência das Partes em Dubai, em dezembro passado. Por fim, sobre o tema da Inteligência Artificial, o Santo Padre enviou a Mensagem para o Dia Mundial da Paz em primeiro de janeiro deste ano e agora está se preparando para participar da reunião do G7 no próximo mês na Puglia, que abordará especialmente sua dimensão ética.
O Papa Francisco disse que a situação bélica que tantas partes do mundo estão vivenciando também é causada pelo enfraquecimento das estruturas da diplomacia multilateral que viram a luz após a Segunda Guerra Mundial. Onde, em sua opinião, esse enfraquecimento é mais evidente?
A erosão profunda e generalizada da confiança entre as partes no contexto da diplomacia multilateral está à vista de todos. Em vez disso, a confiança mútua entre os Estados promoveria a cooperação, o diálogo aberto e a resolução pacífica de conflitos. Sem confiança, as relações internacionais podem ser caracterizadas por suspeita, rivalidade e hostilidade, dificultando a obtenção de acordos e compromissos que promovam o bem comum e a paz duradoura. Como exemplo, pode-se observar o uso crescente do veto e, principalmente, dos vetos cruzados no Conselho de Segurança da Onu. Em pouco mais de 5 meses, ele foi usado até 6 vezes: na era pós-Guerra Fria, somente em 2017 houve mais, 7, mas em todo o ano.
O senhor é o observador permanente da Santa Sé na Onu há cinco anos. O que é necessário para que essa grande organização internacional desempenhe um papel mais eficaz em favor da paz?

Em uma declaração para a reunião plenária da Assembleia Geral das Nações Unidas em Nova York, o observador permanente da Santa Sé no Conselho de Segurança da ONU reiterou o total …

 
Em primeiro lugar, apesar das críticas que são corretamente apontadas por muitos, parece-me que deve ser reafirmado com convicção que a própria existência desta organização é uma grande conquista e uma grande oportunidade. Afinal de contas, ela é o único instrumento à disposição de toda a comunidade internacional para poder se reunir, confrontar e manter um diálogo permanente e estável. Como em todas as instituições, são necessários ajustes contínuos para acompanhar os tempos e, nesse sentido, há vários processos que pretendem promover uma reforma do sistema. Mas, sobretudo, parece-me que os princípios da Carta das Nações Unidas mantêm toda a sua validade, e também não faltam instrumentos e mecanismos. Talvez seja necessário redescobrir o espírito que animou a criação dessa organização há quase oitenta anos, a fim de redescobrir os caminhos que podem levar à paz hoje. Parece-me que é isso que está em jogo na próxima “Cúpula do futuro”, a ser celebrada aqui em Nova York em setembro próximo.

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O Papa: muitos conflitos abertos, não ceder à lógica das armas

Francisco divulgou uma carta por ocasião dos 80 anos do voto de Pio XII e da cidade de Roma a Maria Salus Populi Romani durante a fúria da II Guerra Mundial. O Pontífice pede que o aniversário seja uma oportunidade para “meditar em torno do terrível flagelo da guerra”. Olhando para a Ucrânia, Oriente Médio, Sudão e Mianmar, exorta a ouvir os “gritos de terror e de sofrimento” que questionam a consciência de todos e a “trabalhar pela paz na Europa e no mundo”.
Mariangela Jaguraba- Vatican News
O Papa Francisco enviou uma carta ao vice-gerente da Diocese de Roma, dom Baldassarre Reina, por ocasião dos 80 anos do voto de Pio XII e da cidade de Roma ao ícone de Nossa Senhora conhecido como “Salus Populi Romani” durante a II Guerra Mundial.
O Pontífice une-se espiritualmente a toda a comunidade diocesana que celebra pela primeira vez a memória litúrgica da Salus Populi Romani, e recorda o voto que o povo de Roma e seu Pastor, Papa Pio XII, fez a Nossa Senhora em 4 de junho de 1944 para implorar a salvação da cidade, quando o confronto direto entre o exército alemão e os aliados anglo-americanos estava prestes a acontecer”, escreve o Papa no texto.
“A devoção ao antigo ícone conservado na Basílica de Santa Maria Maior está viva há séculos no coração dos romanos, que recorriam a ele para fazer súplicas e invocações, especialmente durante pragas, desastres naturais e guerras”, escreve ainda Francisco. “Os eventos marcantes da vida religiosa e civil de Roma eram registrados em frente a essa imagem. Portanto, não é de surpreender que o povo romano desejou confiar-se mais uma vez a Maria Salus Populi Romani enquanto a Urbe vivia o pesadelo da devastação nazista”, ressalta ainda o Papa.

Pio XII com os cidadãos romanos após o bombardeio do bairro de São Lourenço

Não ceder à lógica das armas
De acordo com Francisco, “oitenta anos depois, a lembrança desse acontecimento tão cheio de significado quer ser uma ocasião para rezar por aqueles que perderam a vida na II Guerra Mundial e para fazer uma meditação renovada sobre o tremendo flagelo da guerra”.
Muitos conflitos em diferentes partes do mundo ainda estão abertos hoje. Penso em particular na martirizada Ucrânia, na Palestina e Israel, no Sudão e Mianmar, onde as armas ainda fazem barulho e mais sangue humano continua sendo derramado.

“Esses são dramas que afetam inúmeras vítimas inocentes, cujos gritos de terror e sofrimento questionam a consciência de todos: não podemos e não devemos ceder à lógica das armas!”

O apelo de Paulo VI à ONU
O Pontífice recorda que “vinte anos após o fim da II Guerra Mundial, em 1965, o Papa São Paulo VI, falando na ONU, perguntou: ‘Será que o mundo chegará a mudar a mentalidade particularista e bélica que até agora teceu grande parte de sua história?'” Segundo Francisco, “essa pergunta, que ainda aguarda uma resposta, estimula todos a trabalhar concretamente pela paz na Europa e em todo o mundo”.

“A paz é um dom de Deus que também deve encontrar hoje corações dispostos a acolhê-lo e trabalhar para serem construtores da reconciliação e testemunhas da esperança.”

Ser construtor de paz
Francisco espera “que as iniciativas promovidas para comemorar o voto popular à Mãe de Deus, nos quatro lugares que foram protagonistas daquele acontecimento, possam reavivar nos romanos a intenção de serem construtores de uma verdadeira paz em todos os lugares, relançando a fraternidade como condição essencial para recompor conflitos e hostilidade”. “Pode ser construtor de paz”, ressalta o Papa, “quem a possui dentro de si e, com coragem e mansidão, se compromete em criar vínculos, em estabelecer relações entre as pessoas, em apaziguar as tensões na família, no trabalho, na escola, entre os amigos”.
O Pontífice conclui a carta, pedindo a Nossa Senhora Medianeira para que “obtenha para toda a humanidade o dom da concórdia e da paz” e confia “todos os habitantes de Roma, especialmente os idosos, os doentes, as pessoas sozinhas e em dificuldade, à intercessão materna da Salus Populi Romani”.

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Indonésia. Ilha de Flores ainda é uma “terra prometida” de vocações

“Em junho e julho estão programadas várias ordenações diaconais entre os vários institutos missionários. No domingo, 2 de junho, 48 foram ordenados diáconos Verbitas, que serão seguidos por outros 8 diáconos Carmelitas no dia 7 de junho, e 27 interdiocesanos (Dioceses de Maumere, Ende, Ruteng, Larantuka e Denpasar) no domingo, 9 de junho. A esses se seguirão as ordenações de cinco diáconos Camilianos no próximo dia 14 de julho, na festa de nosso fundador, São Camilo de Lellis”, conta Pe. Galvani
Vatican News

 

Em 1924 os vigários e prefeitos apostólicos encontraram-se pela primeira vez, para definir uma orientação comum sobre diversas questões da vida da Igreja e sobre a relação com as …

“Nesta época de final de ano letivo, estamos obtendo bons resultados vocacionais. Nós, Camilianos, tentamos nos manter em forma tanto quanto possível com muitas pequenas coisas boas para fazer, não apenas no campo vocacional, mas também com nossas iniciativas sociais e de caridade.”
É o que conta à agência missionária Fides o padre Luigi Galvani, pioneiro na Diocese de Maumere, na Indonésia, onde os Missionários Camilianos estão presentes em três dioceses com 4 seminários, dois centros sociais onde coordenam um programa de nutrição para 160 crianças pobres, apoio à distância para cerca de 20 estudantes merecedores, um projeto de “casas especiais” para libertar os doentes mentais de situações de opressão e, por fim, um modesto projeto de produção de água mineral e do sorvete “São Camilo”.
Ordenações diaconais entre os vários institutos missionários
“Em junho e julho – explica ele – estão programadas várias ordenações diaconais entre os vários institutos missionários. No domingo, 2 de junho, 48 foram ordenados diáconos Verbitas, que serão seguidos por outros 8 diáconos Carmelitas no dia 7 de junho, e 27 interdiocesanos (Dioceses de Maumere, Ende, Ruteng, Larantuka e Denpasar) no domingo, 9 de junho. A esses se seguirão as ordenações de cinco diáconos Camilianos no próximo dia 14 de julho, na festa de nosso fundador, São Camilo de Lellis”.
A mais católica das 17.000 ilhas do arquipélago indonésio

Em algumas áreas do país, que o Papa visitará em setembro, membros do clero local e de ordens religiosas masculinas e femininas moram por alguns dias em famílias católicas, …

“Nos próximos meses, haverá também as profissões religiosas de numerosos noviços e noviças dos vários institutos masculinos e femininos presentes na Diocese de Maumere, que, no momento, atingiram o número de 62 comunidades religiosas”.
“Todos esses resultados vocacionais encorajadores – conclui o missionário – certamente recompensam o empenho dos vários promotores, mas também são um testemunho da fé e do espírito missionário de centenas e centenas de famílias na ilha de Flores, que continua sendo a mais católica das 17.000 ilhas do arquipélago indonésio. Talvez seja também por isso que Flores é chamada de “terra prometida” de vocações.
(com Fides)

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África Central, quando uma Porta Santa se abriu para o mundo

O Jubileu Extraordinário da Misericórdia, em 2015, foi aberto em um lugar sem precedentes, longe do coração cristão do mundo, a Basílica de São Pedro, mas dentro do coração do Papa Francisco, em Bangui. O cardeal Dieudonné Nzapalainga, então arcebispo da capital da África Central, revive aquele dia memorável e o significado benéfico que a visita do Pontífice produziu ao longo do tempo.
Maria Milvia Morciano e Jean Charles Putzolu – Vatican News
É tarde e a noite se prepara lentamente para chegar, tingindo o céu de rosa e dourado. A porta da Catedral de Notre-Dame em Bangui se abre, empurrada por duas mãos firmes. A figura de Francisco está de pé, vigorosa. Muitos anos se passaram desde aquele 29 de novembro de 2015, o primeiro dia do Advento e a data de início do Jubileu Extraordinário da Misericórdia, que foi inaugurado, antecipadamente, em um lugar igualmente extraordinário, na capital da África Central. Pela primeira vez na história, a abertura da Porta Santa não se realiza na Basílica de São Pedro, no túmulo do Apóstolo, no centro do mundo cristão, mas em um lugar remoto, para muitos desconhecido.
Capital espiritual
A África Central é um dos países mais sangrentos e divididos do mundo. O Papa o escolheu justamente por esse motivo, para levar misericórdia e uma mensagem de paz a uma “terra que está sofrendo há vários anos com a guerra e o ódio, a incompreensão e a falta de paz. Mas nessa terra sofrida há também todos os países que estão passando através da cruz da guerra. Bangui se torna a capital espiritual da oração pela misericórdia do Pai. Todos nós pedimos paz, misericórdia, reconciliação, perdão, amor. Por Bangui, por toda a República Centro-Africana, por todo o mundo, pelos países que estão sofrendo com a guerra, pedimos paz!”, disse o Papa na praça da igreja, depois de sair de um papamóvel, desprovido de qualquer proteção contra possíveis perigos, onde o imã também concordou em se sentar.
Um gesto universal compreendido por todos
Uma tradição antiga é transferida para um país jovem. O significado de abrir a Porta Santa e cruzar o limiar está enraizado em um simbolismo ancestral que, em Bangui, se ramifica e dá novos frutos. Ele está revestido de futuro. O gesto do Papa Francisco foi revolucionário porque, em um lugar fechado, cheio de barreiras, ele abre uma porta para a esperança, convida as pessoas a entrarem para encontrar misericórdia e paz, para encontrar Cristo e serem transformadas. Ele traduz de forma cristã uma metáfora compreensível para todos, em qualquer lugar do mundo, de qualquer tradição, religião, experiência e história. Todos entendem que se trata de um rito de passagem fundamental e sagrado.
A linha de fronteira, o limes latim, ponto final, fechamento, é transformada em limen, limiar, abertura. Talvez não seja coincidência o fato de duas palavras opostas conterem a mesma raiz, mas é interessante lembrar o fato de que, na linguagem eclesiástica, a “visitatio ad limina apostolorum” é a visita dos peregrinos aos túmulos dos apóstolos Pedro e Paulo, que remonta aos primeiros séculos da Igreja, mais tarde estendida aos bispos. Tudo fala de Jubileu.
Portas Santas em toda parte
Naquele ano de Misericórdia, muitas Portas Santas foram abertas em todo o mundo, quase um sistema solar composto por milhares de estrelas brilhantes espalhadas pela Terra, mesmo nos lugares mais remotos. Foi uma grande oportunidade, um presente dado a todos, mesmo àqueles que, por vários motivos, não podiam se locomover e viajar. Foi um jubileu extraordinário que pôde ser vivenciado em todas as igrejas locais, permitindo que aqueles que quisessem vivenciar plenamente o evento, fazer a peregrinação e atravessar a Porta da Misericórdia em sua própria diocese.
Uma esperança que vem de Roma
O cardeal Dieudonné Nzapalainga, então arcebispo de Bangui, é um dos intérpretes nodais de seu país. Sua história é de fé e de uma árdua “luta pela paz”, lembrando o título de seu livro na versão italiana, publicado pela Livraria Editora Vaticana em 2022. O cardeal centro-africano compartilhou com a mídia vaticana, aos microfones de Jean Charles Putzolu, a memória daqueles dias e as consequências benéficas da visita do Papa à África Central.
Gostaria de levá-los de volta ao dia 29 de novembro de 2015, o primeiro domingo do Advento, quando o Papa Francisco abriu a Porta Santa do Jubileu da Misericórdia. Foi em Bangui, na República Centro-Africana, portanto, em seu país: uma tradição muito antiga chegando a um país jovem. Em sua opinião, qual foi o significado desse gesto para todos os centro-africanos?
É um gesto único na história não apenas da Igreja universal, mas também da nossa Igreja.
Porque nós, centro-africanos, diante da violência, do sofrimento e da morte, encontrando-nos vivendo em um estado de absurdo, sentimos a esperança que veio de Roma por meio do homem de Deus, o Papa, que veio para aplacar, para trazer paz, tranquilidade e perdão, para trazer reconciliação, convidando nós, centro-africanos, a abrir as portas de nossos corações, cheios de ódio, rancor e vingança, para que pudéssemos nos enfrentar. É por isso que ele mesmo disse para depormos nossas armas: “leve a justiça, leve o amor”. Acredito que seu gesto será sempre lembrado aqui na República Centro-Africana. Muçulmanos, protestantes, católicos, todos nós somos unânimes em dizer que sua chegada foi salutar.
E o Papa de fato chegou. Ela se lembrou dessa mensagem, desse chamado para depor as armas. Havia uma enorme tensão até quase dois dias antes de sua chegada a Bangui. Houve mais tensão desde então? Essa mensagem foi ouvida? A mensagem do Papa foi ouvida e atendida? As armas ficaram em silêncio?
Acho que a mensagem foi ouvida. Passamos seis meses desde a partida do Papa como se estivéssemos em um país normal, algo impensável até dois dias antes de sua chegada. Sua chegada aliviou a pressão. Vimos muçulmanos saindo de seus enclaves para se juntarem a seus irmãos e irmãs católicos no estádio, para participar da grande celebração. As pessoas iam e vinham. O Km 5 [marco 5] era considerado um local onde havia muitas armas e, portanto, não se podia entrar. Mas fui até lá com os cristãos para acompanhar o Papa, dizendo aos muçulmanos: “vamos caminhar juntos!”
O Papa veio de Roma para a República Centro-Africana, os cristãos de Bangui deixaram nossos bairros para ir ao encontro de nossos irmãos, caminhando pela paz. Bem, nós marchamos e continuamos a fazê-lo desde aquele dia. Um líder rebelde nos disse que deveríamos conversar sobre espiritualidade com os imãs. Os imãs organizaram uma grande reunião para pedir aos líderes rebeldes que depusessem suas armas e muita coisa mudou desde então. Isso também foi resultado da visita do Papa.
Os imãs realizaram um grande encontro para pedir aos líderes rebeldes que deponham as armas e isso mudou muito. Esse também foi o resultado da visita do Papa, que nos deu um empurrão, nos fez recomeçar e agora estamos vendo os resultados. Hoje as armas não circulam mais como antes.
Em sua opinião, quais foram os outros frutos desse evento?
Foram os encontros entre jovens muçulmanos e jovens cristãos. Encontros bastante regulares entre mulheres muçulmanas e mulheres cristãs, e entre nós, líderes. Há pouco tempo, em março, uma mesquita a 250 quilômetros daqui foi vandalizada. O imã, o pastor protestante e eu falamos ao coração de nossos fiéis para desarmá-los e convidá-los a cooperar, respeitar, valorizar e respeitar o local. Esse, em minha opinião, é o fruto dessa passagem. Agora também pedimos que a justiça seja feita. Isso significa que aqueles que perderam suas casas devem poder recuperá-las, o que significa que aqueles que moram na casa do vizinho há muito tempo devem ter a gentileza de sair. E nós, líderes religiosos, trabalhamos com o coração. Há alguns que saem para deixar a casa para os proprietários sem passar pelos tribunais ou pelo Estado. Portanto, acho que isso também é proveitoso. Agora os corações estão dispostos e podemos conversar, podemos imaginar um futuro comum.
Quando o senhor diz que eles saem de casa, é porque eles realmente a devolvem ao seu legítimo proprietário, certo?
Exatamente isso.
Em um nível mais pessoal, Vossa Eminência, quais são suas lembranças mais fortes e talvez mais vívidas daquele período?
A lembrança mais vívida é a de entrar no quilômetro 5 dois dias antes: era impossível atravessar o posto de controle. Eu estava lá. Vi com meus próprios olhos: o Papa escolheu ir em um veículo não blindado, mas em campo aberto. Todos sabiam que havia muitas armas no local. Francisco teve a coragem de ir até lá e vimos que o imã também concordou em ir no papamóvel. Essa é a imagem mais forte. Quando saí para ir ao estádio, vi muçulmanos saindo em massa, arriscando suas vidas. Foi sua fé que os levou a sair. Um imã nos disse: ‘O Papa não veio para vocês, cristãos, mas para nós, muçulmanos. Estávamos no enclave, estávamos na escravidão. Ele nos libertou!”
Eminência, uma última pergunta: o senhor se tornou inseparável do Imã… entre cristãos e muçulmanos e também com os protestantes. Vocês realizam iniciativas juntos quase diariamente. Esse é outro fruto. É claro que é o resultado de seu trabalho, mas também é o resultado da visita do Papa…
A visita do papa nos confortou, incentivou e apoiou nesse trabalho. E fomos nós três que pedimos a ele que viesse à República Centro-Africana. Acho que todos nós somos gratos a ele. Esse é o fruto de sua passagem.
O Jubileu de 2025. Como estão se preparando para ele?
O Jubileu de 2025 é um momento importante para a Igreja. Bem, já estão sendo criados grupos aqui para refletir, orar, reunir-se e também para ver como, localmente, viveremos esse momento. Este ano celebraremos 130 anos de evangelização na República Centro-Africana e, ao mesmo tempo, estaremos caminhando para 2025, que está logo ali, e estamos trabalhando em ambos. Portanto, acho que há muito entusiasmo. Eu estava com um grupo de jovens que se encontrava na igreja em massa e dissemos uns aos outros: este é um momento importante porque é um momento de graça, mas também é um momento complicado e elevado. Não podemos deixar passar esse momento favorável.

O cardeal Dieudonné Nzapalainga

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