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“A Secretaria Geral do Sínodo deveria promover um processo de aplicação do Sínodo”

O padre Sérgio Leal assinala que será importante que as igrejas locais voltem às comissões e assembleias sinodais “agora já não para fazer um novo processo de escuta, mas para aplicarmos em discernimento comunitário”, refere.
Rui Saraiva – Portugal
Neste tempo de preparação para a segunda sessão da XVI Assembleia Geral do Sínodo dos bispos, o padre Sérgio Leal, especialista em sinodalidade, tem sido nossa companhia desde o início do processo, analisando o caminho percorrido.
Discernimento comunitário e a participação de todos
Segundo o sacerdote português, o Papa ao ter prolongado por dois anos a assembleia sinodal e ao dar tempo até 2025 para que decorra o trabalho dos vários grupos de estudo dos Dicastérios da Cúria Romana, dá um sinal claro de querer que a sinodalidade não se reduza a um evento, mas seja modo de ser Igreja. Com discernimento comunitário e a participação de todos.
“O Papa tem dado claros sinais daquilo que é o seu entendimento da sinodalidade. Uma sinodalidade que não se reduz a um evento ou a um encontro, mas que é processo e modo de ser Igreja. Este prolongar do Sínodo é dizer à Igreja que no seu modo de atuar deve estar permanentemente em Sínodo, o que não significa estar permanentemente em Roma numa assembleia ou em eventos sinodais, mas viver este estilo eclesial. Que implica um discernimento comunitário, a participação de todos, que reclama um ministério de presidência da comunidade, seja na paróquia, seja na diocese, capaz de liderar o processo sinodal ao jeito de Jesus Cristo que consegue envolver os doze (apóstolos) e também manter o claro sinal daquilo que é a sua missão de Filho enviado por Deus. Que é aquilo que acontece também na família: é chamada a viver em comunhão, em unidade e na partilha de vida quotidiana, mas os papéis não se podem confundir, o pai é pai, a mãe é mãe, os filhos têm a missão de ser filhos, mas partilham da mesma mesa e ideias. E sabemos como é tomada de decisão em família, cabe ao pai e à mãe tomar as decisões, mas também lhes cabe partilhá-las com os filhos. É esta Igreja sinodal que se constrói ao jeito da família e desta família que até podia ser laboratório de sinodalidade”, revelou.
Por um processo de aplicação do Sínodo
Para o padre Sérgio Leal, depois da segunda sessão da assembleia sinodal em Roma, a Secretaria Geral do Sínodo deveria promover um processo de aplicação do Sínodo.
“O pior que nos podia acontecer era que terminada a assembleia sinodal (em Roma) fazer-se a exortação pós-sinodal e ser de modo livre a aplicação do Sínodo. A Secretaria Geral do Sínodo deveria promover um processo de aplicação do Sínodo. Isto é, assim como houve uma fase de escuta inicial onde se envolveu todas as igrejas locais e as comunidades, deveria haver um momento posterior onde voltávamos aí. E creio que o exercício proposto pela Secretaria Geral do Sínodo deveria ser evidente: partirem da escuta que fizeram e dos desafios que foram lançados pela assembleia e voltar a essas comissões e assembleias sinodais, agora já não para fazer um novo processo de escuta, mas para aplicarmos em discernimento comunitário, até porque as comunidades foram exercitadas neste dinamismo sinodal, dizerem como é que podemos ser Igreja sinodal em missão aqui na comunidade em que estamos.
O sacerdote sublinha os diferentes ritmos de vivência e de entendimento do Sínodo nas comunidades. Recorda que nas várias ações de formação que fez nas dioceses de Portugal, muitas vezes, ouviu este comentário: “agora é que devíamos fazer a assembleia sinodal porque percebemos o que é a sinodalidade”.
“Este processo sinodal conheceu diferentes ritmos em Portugal. Em virtude do meu estudo ser sobre a sinodalidade, eu tive a graça e o privilégio de percorrer várias dioceses do país, quer com padres, quer com assembleias diocesanas e percebi os diferentes ritmos e comunidades que me diziam ‘agora é que devíamos fazer a assembleia sinodal porque percebemos o que é a sinodalidade’. Portanto, há aqui diferentes ritmos neste processo sinodal. E eu creio que o maior erro pode ser o de achar que terminada a escuta diocesana dizer que isto agora é com Roma. Agora é com a Secretaria Geral do Sínodo. Este período não devia ter significado para nós dioceses, para a Conferência Episcopal, para as comunidades, esperar para ver o que Roma vai dizer. Nós fizemos uma escuta local, houve paróquias que não aderiram, certo, é compreensível, houve dioceses onde o trabalho de escuta sinodal não foi tão grande, também é percetível e compreensível, mas agora não deviam ter parado isso.  Se há uma síntese que tiveram que enviar para a Conferência Episcopal, então que isso seja a base de trabalho. Há uma síntese nacional então que seja a base de trabalho para a Conferência Episcopal em Portugal. Isto é, fazer deste tempo de Sínodo, um tempo de Sínodo aqui. Roma está a trabalhar, aguardamos os seus ecos, como o Relatório de Síntese (da primeira sessão) que é um bom Relatório com questões em aberto e propostas que deviam voltar às comunidades e não apenas para respondermos outra vez ao Sínodo, mas para respondermos aqui à nossa realidade concreta. E tanto mais necessitamos, quanto mais temos, tantas vezes, um discurso pessimista sobre a pastoral em Portugal, quando dizemos que a evangelização encontra tantas dificuldades e que a secularização invadiu a Igreja. Mas temos ainda capacidade de mobilização como vimos com a Jornada Mundial da Juventude, que podia ter sido um laboratório de sinodalidade, não só a Jornada em si, mas o caminho que fizéssemos depois com os jovens, com as famílias de acolhimento, de voltarmos a envolver essa gente agora para o processo sinodal”, declarou o sacerdote.
É tão importante uma Rede Sinodal
Viver o Sínodo é partilhar as experiências em Igreja, criar sinergias e pontos de comunicação e encontro. O padre Sérgio Leal sublinha a importância da existência de uma rede sinodal, numa clara alusão à recentemente criada Rede Sinodal em Portugal que nasceu a 6 de janeiro de 2024, na Epifania do Senhor, para manifestar a esperança no caminho sinodal. E uma rede serve para que não tenhamos que fazer todos a mesma coisa, mas possamos fazer a mesma coisa juntos”, disse o sacerdote.
“Daí que seja tão importante uma Rede Sinodal para que também não tenhamos que fazer todos a mesma coisa, mas possamos fazer a mesma coisa juntos, que possamos partilhar experiências. Quão bom seria que as várias dioceses, tendo esta oportunidade de uma Rede Sinodal pudessem partilhar as boas práticas que vão acontecendo, os sinais positivos dos eventos sinodais que foram realizando. Também as dificuldades, porque ajudaria a perceber que afinal não estamos sozinhos: houve um evento sinodal onde envolveram a catequese da adolescência, a pastoral juvenil a pastoral familiar e resultou bem, porque não perceber como é que pode ser feito aqui? E esta partilha de experiências seria uma riqueza. Nós não nos podemos esquecer que a partilha é muito evangélica e deveríamos exercitá-la nesta dimensão pastoral”, sublinhou.
O padre Sérgio Leal no passado mês de fevereiro concluiu o seu doutoramento em Teologia Pastoral, em Roma, com uma tese intitulada “Pastores para uma Igreja em saída”. Um trabalho que centralizou o seu objeto de estudo no exercício do ministério pastoral numa Igreja sinodal.
As sínteses nacionais estão a chegar à Secretaria Geral do Sínodo e serão um contributo essencial para a elaboração do Instrumentum Laboris, o documento de trabalho para a segunda sessão da XVI Assembleia Geral do Sínodo dos bispos do próximo mês de outubro.
Laudetur Iesus Christus

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O Papa: muitos conflitos abertos, não ceder à lógica das armas

Francisco divulgou uma carta por ocasião dos 80 anos do voto de Pio XII e da cidade de Roma a Maria Salus Populi Romani durante a fúria da II Guerra Mundial. O Pontífice pede que o aniversário seja uma oportunidade para “meditar em torno do terrível flagelo da guerra”. Olhando para a Ucrânia, Oriente Médio, Sudão e Mianmar, exorta a ouvir os “gritos de terror e de sofrimento” que questionam a consciência de todos e a “trabalhar pela paz na Europa e no mundo”.
Mariangela Jaguraba- Vatican News
O Papa Francisco enviou uma carta ao vice-gerente da Diocese de Roma, dom Baldassarre Reina, por ocasião dos 80 anos do voto de Pio XII e da cidade de Roma ao ícone de Nossa Senhora conhecido como “Salus Populi Romani” durante a II Guerra Mundial.
O Pontífice une-se espiritualmente a toda a comunidade diocesana que celebra pela primeira vez a memória litúrgica da Salus Populi Romani, e recorda o voto que o povo de Roma e seu Pastor, Papa Pio XII, fez a Nossa Senhora em 4 de junho de 1944 para implorar a salvação da cidade, quando o confronto direto entre o exército alemão e os aliados anglo-americanos estava prestes a acontecer”, escreve o Papa no texto.
“A devoção ao antigo ícone conservado na Basílica de Santa Maria Maior está viva há séculos no coração dos romanos, que recorriam a ele para fazer súplicas e invocações, especialmente durante pragas, desastres naturais e guerras”, escreve ainda Francisco. “Os eventos marcantes da vida religiosa e civil de Roma eram registrados em frente a essa imagem. Portanto, não é de surpreender que o povo romano desejou confiar-se mais uma vez a Maria Salus Populi Romani enquanto a Urbe vivia o pesadelo da devastação nazista”, ressalta ainda o Papa.

Pio XII com os cidadãos romanos após o bombardeio do bairro de São Lourenço

Não ceder à lógica das armas
De acordo com Francisco, “oitenta anos depois, a lembrança desse acontecimento tão cheio de significado quer ser uma ocasião para rezar por aqueles que perderam a vida na II Guerra Mundial e para fazer uma meditação renovada sobre o tremendo flagelo da guerra”.
Muitos conflitos em diferentes partes do mundo ainda estão abertos hoje. Penso em particular na martirizada Ucrânia, na Palestina e Israel, no Sudão e Mianmar, onde as armas ainda fazem barulho e mais sangue humano continua sendo derramado.

“Esses são dramas que afetam inúmeras vítimas inocentes, cujos gritos de terror e sofrimento questionam a consciência de todos: não podemos e não devemos ceder à lógica das armas!”

O apelo de Paulo VI à ONU
O Pontífice recorda que “vinte anos após o fim da II Guerra Mundial, em 1965, o Papa São Paulo VI, falando na ONU, perguntou: ‘Será que o mundo chegará a mudar a mentalidade particularista e bélica que até agora teceu grande parte de sua história?'” Segundo Francisco, “essa pergunta, que ainda aguarda uma resposta, estimula todos a trabalhar concretamente pela paz na Europa e em todo o mundo”.

“A paz é um dom de Deus que também deve encontrar hoje corações dispostos a acolhê-lo e trabalhar para serem construtores da reconciliação e testemunhas da esperança.”

Ser construtor de paz
Francisco espera “que as iniciativas promovidas para comemorar o voto popular à Mãe de Deus, nos quatro lugares que foram protagonistas daquele acontecimento, possam reavivar nos romanos a intenção de serem construtores de uma verdadeira paz em todos os lugares, relançando a fraternidade como condição essencial para recompor conflitos e hostilidade”. “Pode ser construtor de paz”, ressalta o Papa, “quem a possui dentro de si e, com coragem e mansidão, se compromete em criar vínculos, em estabelecer relações entre as pessoas, em apaziguar as tensões na família, no trabalho, na escola, entre os amigos”.
O Pontífice conclui a carta, pedindo a Nossa Senhora Medianeira para que “obtenha para toda a humanidade o dom da concórdia e da paz” e confia “todos os habitantes de Roma, especialmente os idosos, os doentes, as pessoas sozinhas e em dificuldade, à intercessão materna da Salus Populi Romani”.

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Indonésia. Ilha de Flores ainda é uma “terra prometida” de vocações

“Em junho e julho estão programadas várias ordenações diaconais entre os vários institutos missionários. No domingo, 2 de junho, 48 foram ordenados diáconos Verbitas, que serão seguidos por outros 8 diáconos Carmelitas no dia 7 de junho, e 27 interdiocesanos (Dioceses de Maumere, Ende, Ruteng, Larantuka e Denpasar) no domingo, 9 de junho. A esses se seguirão as ordenações de cinco diáconos Camilianos no próximo dia 14 de julho, na festa de nosso fundador, São Camilo de Lellis”, conta Pe. Galvani
Vatican News

 

Em 1924 os vigários e prefeitos apostólicos encontraram-se pela primeira vez, para definir uma orientação comum sobre diversas questões da vida da Igreja e sobre a relação com as …

“Nesta época de final de ano letivo, estamos obtendo bons resultados vocacionais. Nós, Camilianos, tentamos nos manter em forma tanto quanto possível com muitas pequenas coisas boas para fazer, não apenas no campo vocacional, mas também com nossas iniciativas sociais e de caridade.”
É o que conta à agência missionária Fides o padre Luigi Galvani, pioneiro na Diocese de Maumere, na Indonésia, onde os Missionários Camilianos estão presentes em três dioceses com 4 seminários, dois centros sociais onde coordenam um programa de nutrição para 160 crianças pobres, apoio à distância para cerca de 20 estudantes merecedores, um projeto de “casas especiais” para libertar os doentes mentais de situações de opressão e, por fim, um modesto projeto de produção de água mineral e do sorvete “São Camilo”.
Ordenações diaconais entre os vários institutos missionários
“Em junho e julho – explica ele – estão programadas várias ordenações diaconais entre os vários institutos missionários. No domingo, 2 de junho, 48 foram ordenados diáconos Verbitas, que serão seguidos por outros 8 diáconos Carmelitas no dia 7 de junho, e 27 interdiocesanos (Dioceses de Maumere, Ende, Ruteng, Larantuka e Denpasar) no domingo, 9 de junho. A esses se seguirão as ordenações de cinco diáconos Camilianos no próximo dia 14 de julho, na festa de nosso fundador, São Camilo de Lellis”.
A mais católica das 17.000 ilhas do arquipélago indonésio

Em algumas áreas do país, que o Papa visitará em setembro, membros do clero local e de ordens religiosas masculinas e femininas moram por alguns dias em famílias católicas, …

“Nos próximos meses, haverá também as profissões religiosas de numerosos noviços e noviças dos vários institutos masculinos e femininos presentes na Diocese de Maumere, que, no momento, atingiram o número de 62 comunidades religiosas”.
“Todos esses resultados vocacionais encorajadores – conclui o missionário – certamente recompensam o empenho dos vários promotores, mas também são um testemunho da fé e do espírito missionário de centenas e centenas de famílias na ilha de Flores, que continua sendo a mais católica das 17.000 ilhas do arquipélago indonésio. Talvez seja também por isso que Flores é chamada de “terra prometida” de vocações.
(com Fides)

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África Central, quando uma Porta Santa se abriu para o mundo

O Jubileu Extraordinário da Misericórdia, em 2015, foi aberto em um lugar sem precedentes, longe do coração cristão do mundo, a Basílica de São Pedro, mas dentro do coração do Papa Francisco, em Bangui. O cardeal Dieudonné Nzapalainga, então arcebispo da capital da África Central, revive aquele dia memorável e o significado benéfico que a visita do Pontífice produziu ao longo do tempo.
Maria Milvia Morciano e Jean Charles Putzolu – Vatican News
É tarde e a noite se prepara lentamente para chegar, tingindo o céu de rosa e dourado. A porta da Catedral de Notre-Dame em Bangui se abre, empurrada por duas mãos firmes. A figura de Francisco está de pé, vigorosa. Muitos anos se passaram desde aquele 29 de novembro de 2015, o primeiro dia do Advento e a data de início do Jubileu Extraordinário da Misericórdia, que foi inaugurado, antecipadamente, em um lugar igualmente extraordinário, na capital da África Central. Pela primeira vez na história, a abertura da Porta Santa não se realiza na Basílica de São Pedro, no túmulo do Apóstolo, no centro do mundo cristão, mas em um lugar remoto, para muitos desconhecido.
Capital espiritual
A África Central é um dos países mais sangrentos e divididos do mundo. O Papa o escolheu justamente por esse motivo, para levar misericórdia e uma mensagem de paz a uma “terra que está sofrendo há vários anos com a guerra e o ódio, a incompreensão e a falta de paz. Mas nessa terra sofrida há também todos os países que estão passando através da cruz da guerra. Bangui se torna a capital espiritual da oração pela misericórdia do Pai. Todos nós pedimos paz, misericórdia, reconciliação, perdão, amor. Por Bangui, por toda a República Centro-Africana, por todo o mundo, pelos países que estão sofrendo com a guerra, pedimos paz!”, disse o Papa na praça da igreja, depois de sair de um papamóvel, desprovido de qualquer proteção contra possíveis perigos, onde o imã também concordou em se sentar.
Um gesto universal compreendido por todos
Uma tradição antiga é transferida para um país jovem. O significado de abrir a Porta Santa e cruzar o limiar está enraizado em um simbolismo ancestral que, em Bangui, se ramifica e dá novos frutos. Ele está revestido de futuro. O gesto do Papa Francisco foi revolucionário porque, em um lugar fechado, cheio de barreiras, ele abre uma porta para a esperança, convida as pessoas a entrarem para encontrar misericórdia e paz, para encontrar Cristo e serem transformadas. Ele traduz de forma cristã uma metáfora compreensível para todos, em qualquer lugar do mundo, de qualquer tradição, religião, experiência e história. Todos entendem que se trata de um rito de passagem fundamental e sagrado.
A linha de fronteira, o limes latim, ponto final, fechamento, é transformada em limen, limiar, abertura. Talvez não seja coincidência o fato de duas palavras opostas conterem a mesma raiz, mas é interessante lembrar o fato de que, na linguagem eclesiástica, a “visitatio ad limina apostolorum” é a visita dos peregrinos aos túmulos dos apóstolos Pedro e Paulo, que remonta aos primeiros séculos da Igreja, mais tarde estendida aos bispos. Tudo fala de Jubileu.
Portas Santas em toda parte
Naquele ano de Misericórdia, muitas Portas Santas foram abertas em todo o mundo, quase um sistema solar composto por milhares de estrelas brilhantes espalhadas pela Terra, mesmo nos lugares mais remotos. Foi uma grande oportunidade, um presente dado a todos, mesmo àqueles que, por vários motivos, não podiam se locomover e viajar. Foi um jubileu extraordinário que pôde ser vivenciado em todas as igrejas locais, permitindo que aqueles que quisessem vivenciar plenamente o evento, fazer a peregrinação e atravessar a Porta da Misericórdia em sua própria diocese.
Uma esperança que vem de Roma
O cardeal Dieudonné Nzapalainga, então arcebispo de Bangui, é um dos intérpretes nodais de seu país. Sua história é de fé e de uma árdua “luta pela paz”, lembrando o título de seu livro na versão italiana, publicado pela Livraria Editora Vaticana em 2022. O cardeal centro-africano compartilhou com a mídia vaticana, aos microfones de Jean Charles Putzolu, a memória daqueles dias e as consequências benéficas da visita do Papa à África Central.
Gostaria de levá-los de volta ao dia 29 de novembro de 2015, o primeiro domingo do Advento, quando o Papa Francisco abriu a Porta Santa do Jubileu da Misericórdia. Foi em Bangui, na República Centro-Africana, portanto, em seu país: uma tradição muito antiga chegando a um país jovem. Em sua opinião, qual foi o significado desse gesto para todos os centro-africanos?
É um gesto único na história não apenas da Igreja universal, mas também da nossa Igreja.
Porque nós, centro-africanos, diante da violência, do sofrimento e da morte, encontrando-nos vivendo em um estado de absurdo, sentimos a esperança que veio de Roma por meio do homem de Deus, o Papa, que veio para aplacar, para trazer paz, tranquilidade e perdão, para trazer reconciliação, convidando nós, centro-africanos, a abrir as portas de nossos corações, cheios de ódio, rancor e vingança, para que pudéssemos nos enfrentar. É por isso que ele mesmo disse para depormos nossas armas: “leve a justiça, leve o amor”. Acredito que seu gesto será sempre lembrado aqui na República Centro-Africana. Muçulmanos, protestantes, católicos, todos nós somos unânimes em dizer que sua chegada foi salutar.
E o Papa de fato chegou. Ela se lembrou dessa mensagem, desse chamado para depor as armas. Havia uma enorme tensão até quase dois dias antes de sua chegada a Bangui. Houve mais tensão desde então? Essa mensagem foi ouvida? A mensagem do Papa foi ouvida e atendida? As armas ficaram em silêncio?
Acho que a mensagem foi ouvida. Passamos seis meses desde a partida do Papa como se estivéssemos em um país normal, algo impensável até dois dias antes de sua chegada. Sua chegada aliviou a pressão. Vimos muçulmanos saindo de seus enclaves para se juntarem a seus irmãos e irmãs católicos no estádio, para participar da grande celebração. As pessoas iam e vinham. O Km 5 [marco 5] era considerado um local onde havia muitas armas e, portanto, não se podia entrar. Mas fui até lá com os cristãos para acompanhar o Papa, dizendo aos muçulmanos: “vamos caminhar juntos!”
O Papa veio de Roma para a República Centro-Africana, os cristãos de Bangui deixaram nossos bairros para ir ao encontro de nossos irmãos, caminhando pela paz. Bem, nós marchamos e continuamos a fazê-lo desde aquele dia. Um líder rebelde nos disse que deveríamos conversar sobre espiritualidade com os imãs. Os imãs organizaram uma grande reunião para pedir aos líderes rebeldes que depusessem suas armas e muita coisa mudou desde então. Isso também foi resultado da visita do Papa.
Os imãs realizaram um grande encontro para pedir aos líderes rebeldes que deponham as armas e isso mudou muito. Esse também foi o resultado da visita do Papa, que nos deu um empurrão, nos fez recomeçar e agora estamos vendo os resultados. Hoje as armas não circulam mais como antes.
Em sua opinião, quais foram os outros frutos desse evento?
Foram os encontros entre jovens muçulmanos e jovens cristãos. Encontros bastante regulares entre mulheres muçulmanas e mulheres cristãs, e entre nós, líderes. Há pouco tempo, em março, uma mesquita a 250 quilômetros daqui foi vandalizada. O imã, o pastor protestante e eu falamos ao coração de nossos fiéis para desarmá-los e convidá-los a cooperar, respeitar, valorizar e respeitar o local. Esse, em minha opinião, é o fruto dessa passagem. Agora também pedimos que a justiça seja feita. Isso significa que aqueles que perderam suas casas devem poder recuperá-las, o que significa que aqueles que moram na casa do vizinho há muito tempo devem ter a gentileza de sair. E nós, líderes religiosos, trabalhamos com o coração. Há alguns que saem para deixar a casa para os proprietários sem passar pelos tribunais ou pelo Estado. Portanto, acho que isso também é proveitoso. Agora os corações estão dispostos e podemos conversar, podemos imaginar um futuro comum.
Quando o senhor diz que eles saem de casa, é porque eles realmente a devolvem ao seu legítimo proprietário, certo?
Exatamente isso.
Em um nível mais pessoal, Vossa Eminência, quais são suas lembranças mais fortes e talvez mais vívidas daquele período?
A lembrança mais vívida é a de entrar no quilômetro 5 dois dias antes: era impossível atravessar o posto de controle. Eu estava lá. Vi com meus próprios olhos: o Papa escolheu ir em um veículo não blindado, mas em campo aberto. Todos sabiam que havia muitas armas no local. Francisco teve a coragem de ir até lá e vimos que o imã também concordou em ir no papamóvel. Essa é a imagem mais forte. Quando saí para ir ao estádio, vi muçulmanos saindo em massa, arriscando suas vidas. Foi sua fé que os levou a sair. Um imã nos disse: ‘O Papa não veio para vocês, cristãos, mas para nós, muçulmanos. Estávamos no enclave, estávamos na escravidão. Ele nos libertou!”
Eminência, uma última pergunta: o senhor se tornou inseparável do Imã… entre cristãos e muçulmanos e também com os protestantes. Vocês realizam iniciativas juntos quase diariamente. Esse é outro fruto. É claro que é o resultado de seu trabalho, mas também é o resultado da visita do Papa…
A visita do papa nos confortou, incentivou e apoiou nesse trabalho. E fomos nós três que pedimos a ele que viesse à República Centro-Africana. Acho que todos nós somos gratos a ele. Esse é o fruto de sua passagem.
O Jubileu de 2025. Como estão se preparando para ele?
O Jubileu de 2025 é um momento importante para a Igreja. Bem, já estão sendo criados grupos aqui para refletir, orar, reunir-se e também para ver como, localmente, viveremos esse momento. Este ano celebraremos 130 anos de evangelização na República Centro-Africana e, ao mesmo tempo, estaremos caminhando para 2025, que está logo ali, e estamos trabalhando em ambos. Portanto, acho que há muito entusiasmo. Eu estava com um grupo de jovens que se encontrava na igreja em massa e dissemos uns aos outros: este é um momento importante porque é um momento de graça, mas também é um momento complicado e elevado. Não podemos deixar passar esse momento favorável.

O cardeal Dieudonné Nzapalainga

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