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Cardeal Cantalamessa – Pregação da Sexta-feira Santa de 2024

“A verdadeira onipotência de Deus é a total impotência do Calvário. É necessário pouca força para pôr-se em evidência; é necessário muita, ao contrário, para pôr-se de lado, para se cancelar. Deus é esta força ilimitada de escondimento de si!”
Fr. Raniero Card. Cantalamessa, OFMCap
“QUANDO TIVERDES LEVANTADO O FILHO DO HOMEM,
ENTÃO SABEREIS QUE EU SOU”
Homilia para a Sexta-feira Santa de 2024
“Quando tiverdes levantado o Filho de Homem, então sabereis que ‘Eu Sou’” (Jo 8,28). É a palavra que Jesus pronunciou ao término de uma calorosa disputa com seus oponentes. Há um intensificar-se em relação aos precedentes “EU SOU”. Jesus não diz mais: “Eu sou isto ou aquilo: o pão da vida, a luz do mundo, a ressurreição e a vida… Diz simplesmente “Eu Sou”, sem especificação. Isso dá à sua declaração um alcance absoluto, metafísico. Remete intencionalmente às palavras de Êxodo 3,14 e Isaías 43,10-12, nas quais Deus mesmo proclama o seu divino “EU SOU”.
A novidade inaudita desta palavra de Cristo só se descobre se prestamos atenção ao que precede a autoafirmação de Cristo: “Quando tiverdes levantado o Filho de Homem”, então sabereis que EU SOU”. É como dizer: O que eu sou – e, por isso, “o que Deus é” – será conhecido somente a partir da cruz. A expressão “ser levantado”, no Evangelho de João, como sabemos, refere-se ao evento da cruz!
Estamos diante de uma total inversão da ideia humana de Deus e, em parte, também daquela do Antigo Testamento. Jesus não veio para retocar e aperfeiçoar a ideia que os homens fizeram de Deus, mas, em certo sentido, para invertê-la e revelar o verdadeiro rosto de Deus. É o que o Apóstolo Paulo, por primeiro, entendeu quando escreve:

“De fato, pela sabedoria de Deus, o mundo não foi capaz de reconhecer a Deus por meio da sabedoria, mas, por meio da loucura da pregação, Deus quis salvar os que creem. Com efeito, enquanto os judeus pedem sinais e os gregos buscam sabedoria, nós pregamos Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os gentios. Para os que são chamados, porém, tanto judeus como gregos, Cristo é poder de Deus e sabedoria de Deus (1Cor 1,21-24).”

Entendida sob esta luz, a palavra de Cristo assume um alcance universal que interpela quem a lê, em qualquer época e situação, inclusive a nossa. Essa inversão da ideia de Deus, de fato, sempre deve ser operada. A ideia de Deus que Jesus veio mudar, infelizmente, todos nós a trazemos dentro, em nosso inconsciente. Pode-se falar de um Deus único, puro espírito, ente supremo, e assim por diante. Mas como conseguir vê-lo no aniquilamento da sua morte na cruz?
Deus é onipotente, certo; mas de que força se trata? Diante das criaturas humanas, Deus se encontra desprovido de toda capacidade, não somente constritiva, mas também defensiva. Não pode intervir com autoridade para se impor a eles. Não pode fazer outra coisa senão respeitar, em medida infinita, a livre escolha dos homens. Eis, então, que o Pai revela o verdadeiro rosto da sua onipotência no seu Filho, que se põe de joelhos diante dos discípulos para lavar-lhes os pés; nele que, reduzido à mais radical impotência sobre a cruz, continua a amar e perdoar, sem jamais condenar.
A verdadeira onipotência de Deus é a total impotência do Calvário. É necessário pouca força para pôr-se em evidência; é necessário muita, ao contrário, para pôr-se de lado, para se cancelar. Deus é esta força ilimitada de escondimento de si! Exinanivit semetipsum: esvaziou-se (Fl 2,7). À nossa “vontade de potência”, ele opôs a sua impotência voluntária.
Que lição para nós que, mais ou menos conscientemente, queremos sempre nos colocar em evidência! Que lição, sobretudo para os poderosos da terra! Para aqueles que não pensam em servir nem mesmo remotamente, mas só no poder pelo poder; aqueles – diz Jesus no Evangelho – que “dominam os povos” e, além do mais, “se fazem chamar benfeitores” (cf. Mt 20,25; Lc 22,25).
*   *   *
Mas o triunfo de Cristo na sua ressurreição não inverte esta visão, reafirmando a onipotência invencível de Deus? Sim, mas em sentido bem diverso daquele que estamos habituados a pensar. Bem diverso dos “triunfos” que se celebravam ao retorno do imperador de campanhas vitoriosas, ao longo de uma estrada que ainda hoje, em Roma, leva o nome de “Via Triunfal”.
Houve um triunfo, claro, no caso de Cristo, e um triunfo definitivo e irreversível! Mas como se manifesta este triunfo? A ressurreição acontece no mistério, sem testemunhos. A sua morte –ouvimos pela narrativa da Paixão – fora vista por uma grande multidão e envolvera as máximas autoridades religiosas e políticas. Ressuscitado, Jesus aparece apenas a poucos discípulos, fora dos holofotes. Com isso, quis dizer-nos que, após ter sofrido, não é preciso esperar um triunfo exterior, visível, como uma glória terrena. O triunfo se dá no invisível e é de ordem infinitamente superior, porque é eterno! Os mártires de ontem e hoje são o exemplo disso.
O Ressuscitado se manifesta mediante suas aparições, de modo suficiente para fornecer um fundamento solidíssimo à fé, para quem não se recusa, a priori, em crer; mas não é uma revanche que humilha os seus adversários. Não aparece no meio deles para demonstrar que erraram e para zombar da sua ira impotente.
Toda vingança seria incompatível com o amor que Cristo quis testemunhar aos homens com a sua paixão. Ele se comporta humildemente na glória da ressurreição, como no aniquilamento do Calvário. A preocupação de Jesus ressuscitado não é confundir os seus inimigos, mas de logo ir tranquilizar os seus discípulos desolados e, antes deles, as mulheres que jamais deixaram de crer nele.
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No passado, falava-se de bom grado do “triunfo da Santa Igreja”. Rezava-se por isso e com satisfação se recordavam seus momentos e razões históricas. Porém, que tipo de triunfo se tinha em mente? Hoje nos damos conta do quanto aquele tipo de triunfo era diverso daquele de Jesus. Mas não julguemos o passado. Corre-se sempre o risco de sermos injustos, quando se julga o passado com a mentalidade do presente.
Acolhamos antes o convite que Jesus dirige ao mundo do alto da sua cruz: “Vinde a mim, todos vós que estais cansados e carregados de fardos, e eu vos darei descanso” (Mt 11,28). Seria o caso de quase pensar em uma ironia, em uma brincadeira! Alguém que não tem, ele mesmo, uma pedra sobre a qual repousar a cabeça, alguém que foi rejeitado pelos seus, condenado à morte, alguém que “quase escondíamos o rosto diante dele” (cf.  Is 53,3), volta-se à humanidade inteira, de todos os lugares e todos os tempos, e diz “Vinde a mim, todos vós, e vos darei descanso!”.
Vem tu, que és idoso, doente e sozinho; tu, que o mundo deixa morrer na miséria, na fome, ou sob as bombas; tu, que por tua fé em mim, ou por tua luta pela liberdade, definhas em uma cela de prisão; venha, você mulher vítima de violência. Enfim, todos, ninguém excluído: Vinde a mim e eu vos darei descanso! Não prometi solenemente: “Quando eu for elevado da terra, atrairei todos a mim” (Jo 12,32)?
“Mas que descanso tu podes nos dar, ó homem da cruz, tu, mais abandonado e cansado do que aqueles que queres consolar?”. “Vinde a mim, porque EU SOU! Eu sou Deus! Renunciei à vossa ideia de onipotência, mas conservo intacta a minha onipotência, que é a onipotência do amor. Está escrito: “A fraqueza de Deus é mais forte que os homens” (1Cor 1,25). Eu posso dar descanso, mesmo sem tirar a fadiga e o cansaço neste mundo. Perguntai-o a quem fez tal experiência!
Sim, ó Senhor crucificado, com o coração cheio de gratidão, no dia em que comemoramos a tua paixão, nós proclamamos em alta voz com o teu apóstolo Paulo:

“Quem nos separará do amor de Cristo? Tribulação, angústia, perseguição, fome, nudez, perigo, espada? […] Tenho certeza de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem o presente, nem o futuro, nem as potestades, nem a altura, nem a profundeza, nem outra criatura qualquer será capaz de nos separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor (Rm 8,35-39).”

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Tradução de Fr. Ricardo Farias

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O Papa: muitos conflitos abertos, não ceder à lógica das armas

Francisco divulgou uma carta por ocasião dos 80 anos do voto de Pio XII e da cidade de Roma a Maria Salus Populi Romani durante a fúria da II Guerra Mundial. O Pontífice pede que o aniversário seja uma oportunidade para “meditar em torno do terrível flagelo da guerra”. Olhando para a Ucrânia, Oriente Médio, Sudão e Mianmar, exorta a ouvir os “gritos de terror e de sofrimento” que questionam a consciência de todos e a “trabalhar pela paz na Europa e no mundo”.
Mariangela Jaguraba- Vatican News
O Papa Francisco enviou uma carta ao vice-gerente da Diocese de Roma, dom Baldassarre Reina, por ocasião dos 80 anos do voto de Pio XII e da cidade de Roma ao ícone de Nossa Senhora conhecido como “Salus Populi Romani” durante a II Guerra Mundial.
O Pontífice une-se espiritualmente a toda a comunidade diocesana que celebra pela primeira vez a memória litúrgica da Salus Populi Romani, e recorda o voto que o povo de Roma e seu Pastor, Papa Pio XII, fez a Nossa Senhora em 4 de junho de 1944 para implorar a salvação da cidade, quando o confronto direto entre o exército alemão e os aliados anglo-americanos estava prestes a acontecer”, escreve o Papa no texto.
“A devoção ao antigo ícone conservado na Basílica de Santa Maria Maior está viva há séculos no coração dos romanos, que recorriam a ele para fazer súplicas e invocações, especialmente durante pragas, desastres naturais e guerras”, escreve ainda Francisco. “Os eventos marcantes da vida religiosa e civil de Roma eram registrados em frente a essa imagem. Portanto, não é de surpreender que o povo romano desejou confiar-se mais uma vez a Maria Salus Populi Romani enquanto a Urbe vivia o pesadelo da devastação nazista”, ressalta ainda o Papa.

Pio XII com os cidadãos romanos após o bombardeio do bairro de São Lourenço

Não ceder à lógica das armas
De acordo com Francisco, “oitenta anos depois, a lembrança desse acontecimento tão cheio de significado quer ser uma ocasião para rezar por aqueles que perderam a vida na II Guerra Mundial e para fazer uma meditação renovada sobre o tremendo flagelo da guerra”.
Muitos conflitos em diferentes partes do mundo ainda estão abertos hoje. Penso em particular na martirizada Ucrânia, na Palestina e Israel, no Sudão e Mianmar, onde as armas ainda fazem barulho e mais sangue humano continua sendo derramado.

“Esses são dramas que afetam inúmeras vítimas inocentes, cujos gritos de terror e sofrimento questionam a consciência de todos: não podemos e não devemos ceder à lógica das armas!”

O apelo de Paulo VI à ONU
O Pontífice recorda que “vinte anos após o fim da II Guerra Mundial, em 1965, o Papa São Paulo VI, falando na ONU, perguntou: ‘Será que o mundo chegará a mudar a mentalidade particularista e bélica que até agora teceu grande parte de sua história?'” Segundo Francisco, “essa pergunta, que ainda aguarda uma resposta, estimula todos a trabalhar concretamente pela paz na Europa e em todo o mundo”.

“A paz é um dom de Deus que também deve encontrar hoje corações dispostos a acolhê-lo e trabalhar para serem construtores da reconciliação e testemunhas da esperança.”

Ser construtor de paz
Francisco espera “que as iniciativas promovidas para comemorar o voto popular à Mãe de Deus, nos quatro lugares que foram protagonistas daquele acontecimento, possam reavivar nos romanos a intenção de serem construtores de uma verdadeira paz em todos os lugares, relançando a fraternidade como condição essencial para recompor conflitos e hostilidade”. “Pode ser construtor de paz”, ressalta o Papa, “quem a possui dentro de si e, com coragem e mansidão, se compromete em criar vínculos, em estabelecer relações entre as pessoas, em apaziguar as tensões na família, no trabalho, na escola, entre os amigos”.
O Pontífice conclui a carta, pedindo a Nossa Senhora Medianeira para que “obtenha para toda a humanidade o dom da concórdia e da paz” e confia “todos os habitantes de Roma, especialmente os idosos, os doentes, as pessoas sozinhas e em dificuldade, à intercessão materna da Salus Populi Romani”.

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Indonésia. Ilha de Flores ainda é uma “terra prometida” de vocações

“Em junho e julho estão programadas várias ordenações diaconais entre os vários institutos missionários. No domingo, 2 de junho, 48 foram ordenados diáconos Verbitas, que serão seguidos por outros 8 diáconos Carmelitas no dia 7 de junho, e 27 interdiocesanos (Dioceses de Maumere, Ende, Ruteng, Larantuka e Denpasar) no domingo, 9 de junho. A esses se seguirão as ordenações de cinco diáconos Camilianos no próximo dia 14 de julho, na festa de nosso fundador, São Camilo de Lellis”, conta Pe. Galvani
Vatican News

 

Em 1924 os vigários e prefeitos apostólicos encontraram-se pela primeira vez, para definir uma orientação comum sobre diversas questões da vida da Igreja e sobre a relação com as …

“Nesta época de final de ano letivo, estamos obtendo bons resultados vocacionais. Nós, Camilianos, tentamos nos manter em forma tanto quanto possível com muitas pequenas coisas boas para fazer, não apenas no campo vocacional, mas também com nossas iniciativas sociais e de caridade.”
É o que conta à agência missionária Fides o padre Luigi Galvani, pioneiro na Diocese de Maumere, na Indonésia, onde os Missionários Camilianos estão presentes em três dioceses com 4 seminários, dois centros sociais onde coordenam um programa de nutrição para 160 crianças pobres, apoio à distância para cerca de 20 estudantes merecedores, um projeto de “casas especiais” para libertar os doentes mentais de situações de opressão e, por fim, um modesto projeto de produção de água mineral e do sorvete “São Camilo”.
Ordenações diaconais entre os vários institutos missionários
“Em junho e julho – explica ele – estão programadas várias ordenações diaconais entre os vários institutos missionários. No domingo, 2 de junho, 48 foram ordenados diáconos Verbitas, que serão seguidos por outros 8 diáconos Carmelitas no dia 7 de junho, e 27 interdiocesanos (Dioceses de Maumere, Ende, Ruteng, Larantuka e Denpasar) no domingo, 9 de junho. A esses se seguirão as ordenações de cinco diáconos Camilianos no próximo dia 14 de julho, na festa de nosso fundador, São Camilo de Lellis”.
A mais católica das 17.000 ilhas do arquipélago indonésio

Em algumas áreas do país, que o Papa visitará em setembro, membros do clero local e de ordens religiosas masculinas e femininas moram por alguns dias em famílias católicas, …

“Nos próximos meses, haverá também as profissões religiosas de numerosos noviços e noviças dos vários institutos masculinos e femininos presentes na Diocese de Maumere, que, no momento, atingiram o número de 62 comunidades religiosas”.
“Todos esses resultados vocacionais encorajadores – conclui o missionário – certamente recompensam o empenho dos vários promotores, mas também são um testemunho da fé e do espírito missionário de centenas e centenas de famílias na ilha de Flores, que continua sendo a mais católica das 17.000 ilhas do arquipélago indonésio. Talvez seja também por isso que Flores é chamada de “terra prometida” de vocações.
(com Fides)

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África Central, quando uma Porta Santa se abriu para o mundo

O Jubileu Extraordinário da Misericórdia, em 2015, foi aberto em um lugar sem precedentes, longe do coração cristão do mundo, a Basílica de São Pedro, mas dentro do coração do Papa Francisco, em Bangui. O cardeal Dieudonné Nzapalainga, então arcebispo da capital da África Central, revive aquele dia memorável e o significado benéfico que a visita do Pontífice produziu ao longo do tempo.
Maria Milvia Morciano e Jean Charles Putzolu – Vatican News
É tarde e a noite se prepara lentamente para chegar, tingindo o céu de rosa e dourado. A porta da Catedral de Notre-Dame em Bangui se abre, empurrada por duas mãos firmes. A figura de Francisco está de pé, vigorosa. Muitos anos se passaram desde aquele 29 de novembro de 2015, o primeiro dia do Advento e a data de início do Jubileu Extraordinário da Misericórdia, que foi inaugurado, antecipadamente, em um lugar igualmente extraordinário, na capital da África Central. Pela primeira vez na história, a abertura da Porta Santa não se realiza na Basílica de São Pedro, no túmulo do Apóstolo, no centro do mundo cristão, mas em um lugar remoto, para muitos desconhecido.
Capital espiritual
A África Central é um dos países mais sangrentos e divididos do mundo. O Papa o escolheu justamente por esse motivo, para levar misericórdia e uma mensagem de paz a uma “terra que está sofrendo há vários anos com a guerra e o ódio, a incompreensão e a falta de paz. Mas nessa terra sofrida há também todos os países que estão passando através da cruz da guerra. Bangui se torna a capital espiritual da oração pela misericórdia do Pai. Todos nós pedimos paz, misericórdia, reconciliação, perdão, amor. Por Bangui, por toda a República Centro-Africana, por todo o mundo, pelos países que estão sofrendo com a guerra, pedimos paz!”, disse o Papa na praça da igreja, depois de sair de um papamóvel, desprovido de qualquer proteção contra possíveis perigos, onde o imã também concordou em se sentar.
Um gesto universal compreendido por todos
Uma tradição antiga é transferida para um país jovem. O significado de abrir a Porta Santa e cruzar o limiar está enraizado em um simbolismo ancestral que, em Bangui, se ramifica e dá novos frutos. Ele está revestido de futuro. O gesto do Papa Francisco foi revolucionário porque, em um lugar fechado, cheio de barreiras, ele abre uma porta para a esperança, convida as pessoas a entrarem para encontrar misericórdia e paz, para encontrar Cristo e serem transformadas. Ele traduz de forma cristã uma metáfora compreensível para todos, em qualquer lugar do mundo, de qualquer tradição, religião, experiência e história. Todos entendem que se trata de um rito de passagem fundamental e sagrado.
A linha de fronteira, o limes latim, ponto final, fechamento, é transformada em limen, limiar, abertura. Talvez não seja coincidência o fato de duas palavras opostas conterem a mesma raiz, mas é interessante lembrar o fato de que, na linguagem eclesiástica, a “visitatio ad limina apostolorum” é a visita dos peregrinos aos túmulos dos apóstolos Pedro e Paulo, que remonta aos primeiros séculos da Igreja, mais tarde estendida aos bispos. Tudo fala de Jubileu.
Portas Santas em toda parte
Naquele ano de Misericórdia, muitas Portas Santas foram abertas em todo o mundo, quase um sistema solar composto por milhares de estrelas brilhantes espalhadas pela Terra, mesmo nos lugares mais remotos. Foi uma grande oportunidade, um presente dado a todos, mesmo àqueles que, por vários motivos, não podiam se locomover e viajar. Foi um jubileu extraordinário que pôde ser vivenciado em todas as igrejas locais, permitindo que aqueles que quisessem vivenciar plenamente o evento, fazer a peregrinação e atravessar a Porta da Misericórdia em sua própria diocese.
Uma esperança que vem de Roma
O cardeal Dieudonné Nzapalainga, então arcebispo de Bangui, é um dos intérpretes nodais de seu país. Sua história é de fé e de uma árdua “luta pela paz”, lembrando o título de seu livro na versão italiana, publicado pela Livraria Editora Vaticana em 2022. O cardeal centro-africano compartilhou com a mídia vaticana, aos microfones de Jean Charles Putzolu, a memória daqueles dias e as consequências benéficas da visita do Papa à África Central.
Gostaria de levá-los de volta ao dia 29 de novembro de 2015, o primeiro domingo do Advento, quando o Papa Francisco abriu a Porta Santa do Jubileu da Misericórdia. Foi em Bangui, na República Centro-Africana, portanto, em seu país: uma tradição muito antiga chegando a um país jovem. Em sua opinião, qual foi o significado desse gesto para todos os centro-africanos?
É um gesto único na história não apenas da Igreja universal, mas também da nossa Igreja.
Porque nós, centro-africanos, diante da violência, do sofrimento e da morte, encontrando-nos vivendo em um estado de absurdo, sentimos a esperança que veio de Roma por meio do homem de Deus, o Papa, que veio para aplacar, para trazer paz, tranquilidade e perdão, para trazer reconciliação, convidando nós, centro-africanos, a abrir as portas de nossos corações, cheios de ódio, rancor e vingança, para que pudéssemos nos enfrentar. É por isso que ele mesmo disse para depormos nossas armas: “leve a justiça, leve o amor”. Acredito que seu gesto será sempre lembrado aqui na República Centro-Africana. Muçulmanos, protestantes, católicos, todos nós somos unânimes em dizer que sua chegada foi salutar.
E o Papa de fato chegou. Ela se lembrou dessa mensagem, desse chamado para depor as armas. Havia uma enorme tensão até quase dois dias antes de sua chegada a Bangui. Houve mais tensão desde então? Essa mensagem foi ouvida? A mensagem do Papa foi ouvida e atendida? As armas ficaram em silêncio?
Acho que a mensagem foi ouvida. Passamos seis meses desde a partida do Papa como se estivéssemos em um país normal, algo impensável até dois dias antes de sua chegada. Sua chegada aliviou a pressão. Vimos muçulmanos saindo de seus enclaves para se juntarem a seus irmãos e irmãs católicos no estádio, para participar da grande celebração. As pessoas iam e vinham. O Km 5 [marco 5] era considerado um local onde havia muitas armas e, portanto, não se podia entrar. Mas fui até lá com os cristãos para acompanhar o Papa, dizendo aos muçulmanos: “vamos caminhar juntos!”
O Papa veio de Roma para a República Centro-Africana, os cristãos de Bangui deixaram nossos bairros para ir ao encontro de nossos irmãos, caminhando pela paz. Bem, nós marchamos e continuamos a fazê-lo desde aquele dia. Um líder rebelde nos disse que deveríamos conversar sobre espiritualidade com os imãs. Os imãs organizaram uma grande reunião para pedir aos líderes rebeldes que depusessem suas armas e muita coisa mudou desde então. Isso também foi resultado da visita do Papa.
Os imãs realizaram um grande encontro para pedir aos líderes rebeldes que deponham as armas e isso mudou muito. Esse também foi o resultado da visita do Papa, que nos deu um empurrão, nos fez recomeçar e agora estamos vendo os resultados. Hoje as armas não circulam mais como antes.
Em sua opinião, quais foram os outros frutos desse evento?
Foram os encontros entre jovens muçulmanos e jovens cristãos. Encontros bastante regulares entre mulheres muçulmanas e mulheres cristãs, e entre nós, líderes. Há pouco tempo, em março, uma mesquita a 250 quilômetros daqui foi vandalizada. O imã, o pastor protestante e eu falamos ao coração de nossos fiéis para desarmá-los e convidá-los a cooperar, respeitar, valorizar e respeitar o local. Esse, em minha opinião, é o fruto dessa passagem. Agora também pedimos que a justiça seja feita. Isso significa que aqueles que perderam suas casas devem poder recuperá-las, o que significa que aqueles que moram na casa do vizinho há muito tempo devem ter a gentileza de sair. E nós, líderes religiosos, trabalhamos com o coração. Há alguns que saem para deixar a casa para os proprietários sem passar pelos tribunais ou pelo Estado. Portanto, acho que isso também é proveitoso. Agora os corações estão dispostos e podemos conversar, podemos imaginar um futuro comum.
Quando o senhor diz que eles saem de casa, é porque eles realmente a devolvem ao seu legítimo proprietário, certo?
Exatamente isso.
Em um nível mais pessoal, Vossa Eminência, quais são suas lembranças mais fortes e talvez mais vívidas daquele período?
A lembrança mais vívida é a de entrar no quilômetro 5 dois dias antes: era impossível atravessar o posto de controle. Eu estava lá. Vi com meus próprios olhos: o Papa escolheu ir em um veículo não blindado, mas em campo aberto. Todos sabiam que havia muitas armas no local. Francisco teve a coragem de ir até lá e vimos que o imã também concordou em ir no papamóvel. Essa é a imagem mais forte. Quando saí para ir ao estádio, vi muçulmanos saindo em massa, arriscando suas vidas. Foi sua fé que os levou a sair. Um imã nos disse: ‘O Papa não veio para vocês, cristãos, mas para nós, muçulmanos. Estávamos no enclave, estávamos na escravidão. Ele nos libertou!”
Eminência, uma última pergunta: o senhor se tornou inseparável do Imã… entre cristãos e muçulmanos e também com os protestantes. Vocês realizam iniciativas juntos quase diariamente. Esse é outro fruto. É claro que é o resultado de seu trabalho, mas também é o resultado da visita do Papa…
A visita do papa nos confortou, incentivou e apoiou nesse trabalho. E fomos nós três que pedimos a ele que viesse à República Centro-Africana. Acho que todos nós somos gratos a ele. Esse é o fruto de sua passagem.
O Jubileu de 2025. Como estão se preparando para ele?
O Jubileu de 2025 é um momento importante para a Igreja. Bem, já estão sendo criados grupos aqui para refletir, orar, reunir-se e também para ver como, localmente, viveremos esse momento. Este ano celebraremos 130 anos de evangelização na República Centro-Africana e, ao mesmo tempo, estaremos caminhando para 2025, que está logo ali, e estamos trabalhando em ambos. Portanto, acho que há muito entusiasmo. Eu estava com um grupo de jovens que se encontrava na igreja em massa e dissemos uns aos outros: este é um momento importante porque é um momento de graça, mas também é um momento complicado e elevado. Não podemos deixar passar esse momento favorável.

O cardeal Dieudonné Nzapalainga

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