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Carlassare: Sudão do Sul, que a Páscoa nos dê coragem para fazer escolhas de paz e fraternidade

O país vive uma condição de extrema pobreza, mas o bispo de Rumbek reitera que é grande a solidariedade que vem da população humilde e simples. Explica que “a visita do Papa trouxe vários frutos” e espera que a Páscoa “liberte todos de todo pessimismo e medo”.
Massimiliano Menichetti
As imagens do Domingo de Ramos, em Rumbek, correram o mundo: o bispo da cidade carregando um menino nos ombros, ao redor a população jubilosa. Aqui, na cidade mais importante do Estado de Lagos, no Sudão do Sul, um dos países mais pobres do mundo, a Páscoa é um caminho de esperança não só para os cristãos. O Papa visitou o país africano, dilacerado pela violência e pela pobreza, em fevereiro do ano passado, invocando a paz, a justiça e a solidariedade. Hoje, explica o bispo de Rumbek, Christian Carlassare, “há uma grande participação na Via-Sacra que dura toda a manhã” e conta com a presença não só de cristãos.
Excelência, como se realiza essa oracão em Rumbek e como se preparam para a Páscoa?
Ela é feita pelas ruas da cidade com um grande número de pessoas e com os jovens cuidando das estações, fazendo uma espécie de representação dos personagens da Paixão do começo ao fim. Assim, Jesus com a cruz e todos os outros personagens abrem a procissão e, nas estações, eles retratam o que vai acontecer, enquanto os leitores leem as passagens bíblicas. E, realmente, todas as pessoas, mesmo as não cristãs, participam dessa representação com grande emoção, tanto que também vemos pessoas que batem no peito, choram e se lamentam por essa história de Jesus que se repete na vida dessas pessoas. Portanto, uma oração que também tem uma grande força de libertação porque as pessoas se identificam com ela e sentem que o sofrimento de um justo pode dar esperança a tantas outras. Depois, concluiremos com a Vigília e a Missa Pascal. Na Vigília Pascal, a bênção do fogo é muito bonita porque sempre tentamos abençoar o fogo novo, um fogo que não foi preparado de antemão, mas que nasce exatamente durante a liturgia por meio do método tradicional de esfregar gravetos até que a faísca do novo fogo comece. É isso que Deus é capaz de fazer por nós: onde há noite, ele traz luz, onde há morte, ele traz vida nova.
As imagens do Domingo de Ramos em Rumbek entraram no coração de muitas pessoas: uma procissão em que o senhor carrega um menino nos ombros…
Foi um gesto que nasceu espontaneamente. Na África, as pessoas gostam de representar e viver os eventos e geralmente no Domingo de Ramos, eles usam um burro na procissão, e o sacerdote montado no burro representa Cristo. Em Rumbek, no entanto, não temos burros, então, no ano passado, fizemos uma procissão simples, como estamos acostumados na Itália. Mas nunca antes me senti como um burro, chamado ao serviço para carregar os fardos como Jesus carregou os nossos, para carregar em minhas costas esta diocese e todas as pessoas que são feridas, descartadas ou escarnecidas. Assim, quando a freira encarregada da sacristia me disse que faltava o burro, eu lhe disse: “Não se preocupe, serei eu o burro”. Então, peguei um menino e o carreguei nos ombros até a catedral. Ninguém ficou surpreso com esse gesto porque é assim que se faz aqui, quando uma pessoa importante vem visitar o vilarejo – não há outro meio -, você a coloca nos ombros e a carrega. Isso é o que teriam feito com Jesus se a entrada em Jerusalém tivesse sido aqui: eles o teriam levantado, pelo menos os discípulos, e o teriam carregado até a cidade. Assim, para o povo, isso tinha um valor simbólico muito bonito: um menino carregado nos ombros, simbolizando a esperança de uma comunidade renovada.
Em fevereiro de 2023, o Papa fez uma peregrinação ecumênica. Confirmou na fé, falou de paz e reconciliação. Que frutos esta visita trouxe?
Creio que os frutos da visita do Papa foram realmente muitos ​​e se fizeram ouvir especialmente nos dias da sua visita e nos meses que se seguiram, mas ainda permanecem impressos no coração dos fiéis e de muitos da população de Sudão do Sul hoje. Obviamente, aqueles gestos, aqueles fatos para os quais o Papa pediu não apenas palavras, continuam sendo uma advertência aberta que pede o compromisso de todos. Por isso, hoje penso que os frutos mais importantes daquela visita somos nós, o povo do Sudão do Sul, as pessoas de boa vontade que ouviram as palavras do Papa, que continuam rezando pela paz e não só rezando, mas sobretudo cultivando-a nas próprias famílias e comunidades, a ponto de contagiar todo o país para que a paz seja possível, apesar de tudo. Podemos ver isto, porque não obstante as grandes injustiças que ainda persistem, apesar de muitas pessoas estarem deslocadas, apesar da crise econômica em que os pobres são cada vez mais pobres, no sentido de que o valor do dinheiro é tão baixo que até o trabalho já não vale quase nada e por isso as pessoas lutam para ter acesso aos serviços, aos cuidados de saúde, à escola, apesar de tanta pobreza, as pessoas ainda não desanimam e não cedem à violência ou à injustiça, mas tentam viver e sobreviver baseadas sobretudo na solidariedade um com o outro. Penso que esta população, tão unida e tão cheia de esperança, é aquela que poderá, um dia, dar vida a um país não arruinado pelos potentados, por quem detém o poder, especialmente o das armas, ou o poder econômico, mas um país que nasce da solidariedade que vem da população humilde e simples.
Como a Igreja está contribuindo para o processo de reconstrução e reconciliação no país?
A Igreja está ao lado do povo que sofre, infunde coragem, esperança: não uma esperança vã, mas a certeza de que o Senhor está presente e acompanha. Ele que foi esmagado e crucificado ressuscitou e é o princípio da nossa ressurreição. A fé, portanto, não é um acessório, mas um dom muito importante para o povo e para todo caminho de salvação. Por isso, a Igreja, na pregação e na celebração, acrescenta também o serviço que se torna uma ação importante para reerguer, mobilizar e tornar as pessoas protagonistas de uma transformação humana e social. Não falamos apenas de caridade para com os mais pobres, da prestação de serviços essenciais, mas também da promoção de atividades econômicas para tornar as pessoas mais autônomas: estamos também pensando nos pequenos projetos agrícolas que tentamos desenvolver em todas as nossas paróquias. Formar pessoas no sentido cívico, na justiça, na paz; e não esqueçamos a educação na escola católica, onde cultivamos a formação humana integral através da valorização de cada criança, menino ou jovem que se encontra nas nossas instituições. Isto é muito importante, pois o jovem que se sente deixado de lado e talvez manipulado pelos interesses de poucos, encontra a possibilidade de expressar toda a sua riqueza e todos os seus sonhos para o futuro e tenta realizá-los.
O país é rico em petróleo e ainda assim está entre os mais pobres do mundo. Quais são os passos a serem dados para consolidar a paz e devolver ao povo o que lhe pertence?
Não é garantido que onde há recursos também haja riqueza. Infelizmente, na maioria das vezes as pessoas sofrem mais com a pobreza por causa da má distribuição das riquezas. O Sudão do Sul não é pobre porque lhe falta riqueza, mas porque lhe falta paz. A guerra no Sudão acentuou a crise econômica porque o governo do Sudão do Sul dependia quase exclusivamente da exploração de petróleo: agora o oleoduto que atravessa o Sudão está parcialmente danificado e o governo do Sudão não consegue garantir os pagamentos ao Sudão do Sul conforme acordos no passado. Então a moeda local perde valor a cada dia em relação ao dólar, o custo de vida é muito, muito alto e não há harmonização de salários num país onde há falta de trabalho, e onde há possibilidade de trabalho, porém parece que não seja útil trabalhar porque não se ganha o que precisa para viver. E assim as pessoas se veem vivendo o dia a dia, aproveitando os recursos que encontram. Para consolidar a paz – parece um paradoxo – é necessária a paz; a luta contra o crime e a corrupção – que é uma forma de crime – e o apoio às empresas e à construção de uma economia sustentável a partir de pequenas atividades econômicas: desde a agricultura, pecuária, pesca… Não só a exploração dos recursos que são utilizados e consumidos, mas também trabalhos que geram outros tipos de recursos através da própria empresa.
Qual é a sua oração, suas felicitações para esta Páscoa no Sudão do Sul?
Felicitações de Páscoa: que seja um encontro com Cristo ressuscitado, que nos liberte de todo pessimismo e medo, que nos dê a coragem de fazer escolhas de paz e de fraternidade. Feliz Páscoa!

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O Papa: muitos conflitos abertos, não ceder à lógica das armas

Francisco divulgou uma carta por ocasião dos 80 anos do voto de Pio XII e da cidade de Roma a Maria Salus Populi Romani durante a fúria da II Guerra Mundial. O Pontífice pede que o aniversário seja uma oportunidade para “meditar em torno do terrível flagelo da guerra”. Olhando para a Ucrânia, Oriente Médio, Sudão e Mianmar, exorta a ouvir os “gritos de terror e de sofrimento” que questionam a consciência de todos e a “trabalhar pela paz na Europa e no mundo”.
Mariangela Jaguraba- Vatican News
O Papa Francisco enviou uma carta ao vice-gerente da Diocese de Roma, dom Baldassarre Reina, por ocasião dos 80 anos do voto de Pio XII e da cidade de Roma ao ícone de Nossa Senhora conhecido como “Salus Populi Romani” durante a II Guerra Mundial.
O Pontífice une-se espiritualmente a toda a comunidade diocesana que celebra pela primeira vez a memória litúrgica da Salus Populi Romani, e recorda o voto que o povo de Roma e seu Pastor, Papa Pio XII, fez a Nossa Senhora em 4 de junho de 1944 para implorar a salvação da cidade, quando o confronto direto entre o exército alemão e os aliados anglo-americanos estava prestes a acontecer”, escreve o Papa no texto.
“A devoção ao antigo ícone conservado na Basílica de Santa Maria Maior está viva há séculos no coração dos romanos, que recorriam a ele para fazer súplicas e invocações, especialmente durante pragas, desastres naturais e guerras”, escreve ainda Francisco. “Os eventos marcantes da vida religiosa e civil de Roma eram registrados em frente a essa imagem. Portanto, não é de surpreender que o povo romano desejou confiar-se mais uma vez a Maria Salus Populi Romani enquanto a Urbe vivia o pesadelo da devastação nazista”, ressalta ainda o Papa.

Pio XII com os cidadãos romanos após o bombardeio do bairro de São Lourenço

Não ceder à lógica das armas
De acordo com Francisco, “oitenta anos depois, a lembrança desse acontecimento tão cheio de significado quer ser uma ocasião para rezar por aqueles que perderam a vida na II Guerra Mundial e para fazer uma meditação renovada sobre o tremendo flagelo da guerra”.
Muitos conflitos em diferentes partes do mundo ainda estão abertos hoje. Penso em particular na martirizada Ucrânia, na Palestina e Israel, no Sudão e Mianmar, onde as armas ainda fazem barulho e mais sangue humano continua sendo derramado.

“Esses são dramas que afetam inúmeras vítimas inocentes, cujos gritos de terror e sofrimento questionam a consciência de todos: não podemos e não devemos ceder à lógica das armas!”

O apelo de Paulo VI à ONU
O Pontífice recorda que “vinte anos após o fim da II Guerra Mundial, em 1965, o Papa São Paulo VI, falando na ONU, perguntou: ‘Será que o mundo chegará a mudar a mentalidade particularista e bélica que até agora teceu grande parte de sua história?'” Segundo Francisco, “essa pergunta, que ainda aguarda uma resposta, estimula todos a trabalhar concretamente pela paz na Europa e em todo o mundo”.

“A paz é um dom de Deus que também deve encontrar hoje corações dispostos a acolhê-lo e trabalhar para serem construtores da reconciliação e testemunhas da esperança.”

Ser construtor de paz
Francisco espera “que as iniciativas promovidas para comemorar o voto popular à Mãe de Deus, nos quatro lugares que foram protagonistas daquele acontecimento, possam reavivar nos romanos a intenção de serem construtores de uma verdadeira paz em todos os lugares, relançando a fraternidade como condição essencial para recompor conflitos e hostilidade”. “Pode ser construtor de paz”, ressalta o Papa, “quem a possui dentro de si e, com coragem e mansidão, se compromete em criar vínculos, em estabelecer relações entre as pessoas, em apaziguar as tensões na família, no trabalho, na escola, entre os amigos”.
O Pontífice conclui a carta, pedindo a Nossa Senhora Medianeira para que “obtenha para toda a humanidade o dom da concórdia e da paz” e confia “todos os habitantes de Roma, especialmente os idosos, os doentes, as pessoas sozinhas e em dificuldade, à intercessão materna da Salus Populi Romani”.

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Indonésia. Ilha de Flores ainda é uma “terra prometida” de vocações

“Em junho e julho estão programadas várias ordenações diaconais entre os vários institutos missionários. No domingo, 2 de junho, 48 foram ordenados diáconos Verbitas, que serão seguidos por outros 8 diáconos Carmelitas no dia 7 de junho, e 27 interdiocesanos (Dioceses de Maumere, Ende, Ruteng, Larantuka e Denpasar) no domingo, 9 de junho. A esses se seguirão as ordenações de cinco diáconos Camilianos no próximo dia 14 de julho, na festa de nosso fundador, São Camilo de Lellis”, conta Pe. Galvani
Vatican News

 

Em 1924 os vigários e prefeitos apostólicos encontraram-se pela primeira vez, para definir uma orientação comum sobre diversas questões da vida da Igreja e sobre a relação com as …

“Nesta época de final de ano letivo, estamos obtendo bons resultados vocacionais. Nós, Camilianos, tentamos nos manter em forma tanto quanto possível com muitas pequenas coisas boas para fazer, não apenas no campo vocacional, mas também com nossas iniciativas sociais e de caridade.”
É o que conta à agência missionária Fides o padre Luigi Galvani, pioneiro na Diocese de Maumere, na Indonésia, onde os Missionários Camilianos estão presentes em três dioceses com 4 seminários, dois centros sociais onde coordenam um programa de nutrição para 160 crianças pobres, apoio à distância para cerca de 20 estudantes merecedores, um projeto de “casas especiais” para libertar os doentes mentais de situações de opressão e, por fim, um modesto projeto de produção de água mineral e do sorvete “São Camilo”.
Ordenações diaconais entre os vários institutos missionários
“Em junho e julho – explica ele – estão programadas várias ordenações diaconais entre os vários institutos missionários. No domingo, 2 de junho, 48 foram ordenados diáconos Verbitas, que serão seguidos por outros 8 diáconos Carmelitas no dia 7 de junho, e 27 interdiocesanos (Dioceses de Maumere, Ende, Ruteng, Larantuka e Denpasar) no domingo, 9 de junho. A esses se seguirão as ordenações de cinco diáconos Camilianos no próximo dia 14 de julho, na festa de nosso fundador, São Camilo de Lellis”.
A mais católica das 17.000 ilhas do arquipélago indonésio

Em algumas áreas do país, que o Papa visitará em setembro, membros do clero local e de ordens religiosas masculinas e femininas moram por alguns dias em famílias católicas, …

“Nos próximos meses, haverá também as profissões religiosas de numerosos noviços e noviças dos vários institutos masculinos e femininos presentes na Diocese de Maumere, que, no momento, atingiram o número de 62 comunidades religiosas”.
“Todos esses resultados vocacionais encorajadores – conclui o missionário – certamente recompensam o empenho dos vários promotores, mas também são um testemunho da fé e do espírito missionário de centenas e centenas de famílias na ilha de Flores, que continua sendo a mais católica das 17.000 ilhas do arquipélago indonésio. Talvez seja também por isso que Flores é chamada de “terra prometida” de vocações.
(com Fides)

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África Central, quando uma Porta Santa se abriu para o mundo

O Jubileu Extraordinário da Misericórdia, em 2015, foi aberto em um lugar sem precedentes, longe do coração cristão do mundo, a Basílica de São Pedro, mas dentro do coração do Papa Francisco, em Bangui. O cardeal Dieudonné Nzapalainga, então arcebispo da capital da África Central, revive aquele dia memorável e o significado benéfico que a visita do Pontífice produziu ao longo do tempo.
Maria Milvia Morciano e Jean Charles Putzolu – Vatican News
É tarde e a noite se prepara lentamente para chegar, tingindo o céu de rosa e dourado. A porta da Catedral de Notre-Dame em Bangui se abre, empurrada por duas mãos firmes. A figura de Francisco está de pé, vigorosa. Muitos anos se passaram desde aquele 29 de novembro de 2015, o primeiro dia do Advento e a data de início do Jubileu Extraordinário da Misericórdia, que foi inaugurado, antecipadamente, em um lugar igualmente extraordinário, na capital da África Central. Pela primeira vez na história, a abertura da Porta Santa não se realiza na Basílica de São Pedro, no túmulo do Apóstolo, no centro do mundo cristão, mas em um lugar remoto, para muitos desconhecido.
Capital espiritual
A África Central é um dos países mais sangrentos e divididos do mundo. O Papa o escolheu justamente por esse motivo, para levar misericórdia e uma mensagem de paz a uma “terra que está sofrendo há vários anos com a guerra e o ódio, a incompreensão e a falta de paz. Mas nessa terra sofrida há também todos os países que estão passando através da cruz da guerra. Bangui se torna a capital espiritual da oração pela misericórdia do Pai. Todos nós pedimos paz, misericórdia, reconciliação, perdão, amor. Por Bangui, por toda a República Centro-Africana, por todo o mundo, pelos países que estão sofrendo com a guerra, pedimos paz!”, disse o Papa na praça da igreja, depois de sair de um papamóvel, desprovido de qualquer proteção contra possíveis perigos, onde o imã também concordou em se sentar.
Um gesto universal compreendido por todos
Uma tradição antiga é transferida para um país jovem. O significado de abrir a Porta Santa e cruzar o limiar está enraizado em um simbolismo ancestral que, em Bangui, se ramifica e dá novos frutos. Ele está revestido de futuro. O gesto do Papa Francisco foi revolucionário porque, em um lugar fechado, cheio de barreiras, ele abre uma porta para a esperança, convida as pessoas a entrarem para encontrar misericórdia e paz, para encontrar Cristo e serem transformadas. Ele traduz de forma cristã uma metáfora compreensível para todos, em qualquer lugar do mundo, de qualquer tradição, religião, experiência e história. Todos entendem que se trata de um rito de passagem fundamental e sagrado.
A linha de fronteira, o limes latim, ponto final, fechamento, é transformada em limen, limiar, abertura. Talvez não seja coincidência o fato de duas palavras opostas conterem a mesma raiz, mas é interessante lembrar o fato de que, na linguagem eclesiástica, a “visitatio ad limina apostolorum” é a visita dos peregrinos aos túmulos dos apóstolos Pedro e Paulo, que remonta aos primeiros séculos da Igreja, mais tarde estendida aos bispos. Tudo fala de Jubileu.
Portas Santas em toda parte
Naquele ano de Misericórdia, muitas Portas Santas foram abertas em todo o mundo, quase um sistema solar composto por milhares de estrelas brilhantes espalhadas pela Terra, mesmo nos lugares mais remotos. Foi uma grande oportunidade, um presente dado a todos, mesmo àqueles que, por vários motivos, não podiam se locomover e viajar. Foi um jubileu extraordinário que pôde ser vivenciado em todas as igrejas locais, permitindo que aqueles que quisessem vivenciar plenamente o evento, fazer a peregrinação e atravessar a Porta da Misericórdia em sua própria diocese.
Uma esperança que vem de Roma
O cardeal Dieudonné Nzapalainga, então arcebispo de Bangui, é um dos intérpretes nodais de seu país. Sua história é de fé e de uma árdua “luta pela paz”, lembrando o título de seu livro na versão italiana, publicado pela Livraria Editora Vaticana em 2022. O cardeal centro-africano compartilhou com a mídia vaticana, aos microfones de Jean Charles Putzolu, a memória daqueles dias e as consequências benéficas da visita do Papa à África Central.
Gostaria de levá-los de volta ao dia 29 de novembro de 2015, o primeiro domingo do Advento, quando o Papa Francisco abriu a Porta Santa do Jubileu da Misericórdia. Foi em Bangui, na República Centro-Africana, portanto, em seu país: uma tradição muito antiga chegando a um país jovem. Em sua opinião, qual foi o significado desse gesto para todos os centro-africanos?
É um gesto único na história não apenas da Igreja universal, mas também da nossa Igreja.
Porque nós, centro-africanos, diante da violência, do sofrimento e da morte, encontrando-nos vivendo em um estado de absurdo, sentimos a esperança que veio de Roma por meio do homem de Deus, o Papa, que veio para aplacar, para trazer paz, tranquilidade e perdão, para trazer reconciliação, convidando nós, centro-africanos, a abrir as portas de nossos corações, cheios de ódio, rancor e vingança, para que pudéssemos nos enfrentar. É por isso que ele mesmo disse para depormos nossas armas: “leve a justiça, leve o amor”. Acredito que seu gesto será sempre lembrado aqui na República Centro-Africana. Muçulmanos, protestantes, católicos, todos nós somos unânimes em dizer que sua chegada foi salutar.
E o Papa de fato chegou. Ela se lembrou dessa mensagem, desse chamado para depor as armas. Havia uma enorme tensão até quase dois dias antes de sua chegada a Bangui. Houve mais tensão desde então? Essa mensagem foi ouvida? A mensagem do Papa foi ouvida e atendida? As armas ficaram em silêncio?
Acho que a mensagem foi ouvida. Passamos seis meses desde a partida do Papa como se estivéssemos em um país normal, algo impensável até dois dias antes de sua chegada. Sua chegada aliviou a pressão. Vimos muçulmanos saindo de seus enclaves para se juntarem a seus irmãos e irmãs católicos no estádio, para participar da grande celebração. As pessoas iam e vinham. O Km 5 [marco 5] era considerado um local onde havia muitas armas e, portanto, não se podia entrar. Mas fui até lá com os cristãos para acompanhar o Papa, dizendo aos muçulmanos: “vamos caminhar juntos!”
O Papa veio de Roma para a República Centro-Africana, os cristãos de Bangui deixaram nossos bairros para ir ao encontro de nossos irmãos, caminhando pela paz. Bem, nós marchamos e continuamos a fazê-lo desde aquele dia. Um líder rebelde nos disse que deveríamos conversar sobre espiritualidade com os imãs. Os imãs organizaram uma grande reunião para pedir aos líderes rebeldes que depusessem suas armas e muita coisa mudou desde então. Isso também foi resultado da visita do Papa.
Os imãs realizaram um grande encontro para pedir aos líderes rebeldes que deponham as armas e isso mudou muito. Esse também foi o resultado da visita do Papa, que nos deu um empurrão, nos fez recomeçar e agora estamos vendo os resultados. Hoje as armas não circulam mais como antes.
Em sua opinião, quais foram os outros frutos desse evento?
Foram os encontros entre jovens muçulmanos e jovens cristãos. Encontros bastante regulares entre mulheres muçulmanas e mulheres cristãs, e entre nós, líderes. Há pouco tempo, em março, uma mesquita a 250 quilômetros daqui foi vandalizada. O imã, o pastor protestante e eu falamos ao coração de nossos fiéis para desarmá-los e convidá-los a cooperar, respeitar, valorizar e respeitar o local. Esse, em minha opinião, é o fruto dessa passagem. Agora também pedimos que a justiça seja feita. Isso significa que aqueles que perderam suas casas devem poder recuperá-las, o que significa que aqueles que moram na casa do vizinho há muito tempo devem ter a gentileza de sair. E nós, líderes religiosos, trabalhamos com o coração. Há alguns que saem para deixar a casa para os proprietários sem passar pelos tribunais ou pelo Estado. Portanto, acho que isso também é proveitoso. Agora os corações estão dispostos e podemos conversar, podemos imaginar um futuro comum.
Quando o senhor diz que eles saem de casa, é porque eles realmente a devolvem ao seu legítimo proprietário, certo?
Exatamente isso.
Em um nível mais pessoal, Vossa Eminência, quais são suas lembranças mais fortes e talvez mais vívidas daquele período?
A lembrança mais vívida é a de entrar no quilômetro 5 dois dias antes: era impossível atravessar o posto de controle. Eu estava lá. Vi com meus próprios olhos: o Papa escolheu ir em um veículo não blindado, mas em campo aberto. Todos sabiam que havia muitas armas no local. Francisco teve a coragem de ir até lá e vimos que o imã também concordou em ir no papamóvel. Essa é a imagem mais forte. Quando saí para ir ao estádio, vi muçulmanos saindo em massa, arriscando suas vidas. Foi sua fé que os levou a sair. Um imã nos disse: ‘O Papa não veio para vocês, cristãos, mas para nós, muçulmanos. Estávamos no enclave, estávamos na escravidão. Ele nos libertou!”
Eminência, uma última pergunta: o senhor se tornou inseparável do Imã… entre cristãos e muçulmanos e também com os protestantes. Vocês realizam iniciativas juntos quase diariamente. Esse é outro fruto. É claro que é o resultado de seu trabalho, mas também é o resultado da visita do Papa…
A visita do papa nos confortou, incentivou e apoiou nesse trabalho. E fomos nós três que pedimos a ele que viesse à República Centro-Africana. Acho que todos nós somos gratos a ele. Esse é o fruto de sua passagem.
O Jubileu de 2025. Como estão se preparando para ele?
O Jubileu de 2025 é um momento importante para a Igreja. Bem, já estão sendo criados grupos aqui para refletir, orar, reunir-se e também para ver como, localmente, viveremos esse momento. Este ano celebraremos 130 anos de evangelização na República Centro-Africana e, ao mesmo tempo, estaremos caminhando para 2025, que está logo ali, e estamos trabalhando em ambos. Portanto, acho que há muito entusiasmo. Eu estava com um grupo de jovens que se encontrava na igreja em massa e dissemos uns aos outros: este é um momento importante porque é um momento de graça, mas também é um momento complicado e elevado. Não podemos deixar passar esse momento favorável.

O cardeal Dieudonné Nzapalainga

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