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Dom Gallagher: são necessárias negociações para acabar com as guerras

Secretário do Vaticano para as Relações com os Estados concede entrevista ao principal telejornal da Itália, o TG1 da empresa pública da RAI, e fala sobre o atentado em Moscou, o futuro da Europa e do mundo, a guerra na Ucrânia e no Oriente Médio. Um pensamento também para a princesa Kate. E sobre a saúde do Papa: “Francisco está forte e determinado, consegue sempre surpreender”.
Vatican News
O “terrível” atentado em Moscou, a instabilidade geral na Europa e no mundo, a insistência em “trabalhar pela paz e tentar promover a paz” na Ucrânia por meio de negociações e com uma defesa que não é feita apenas com armas, mas com entendimentos. Em seguida, o medo de uma escalada nuclear, “uma nova ordem mundial” após o fim dos conflitos. Depois, um olhar para a Terra Santa com a esperança na “solução de dois povos, dois Estados” e a tristeza pela situação “catastrófica” em Gaza, a necessidade de renovar a liderança palestina e a questão dos reféns israelenses. Além disso, um pensamento à princesa Kate e uma menção à saúde do Papa Francisco, que aparece “forte” e “muito determinado”, mas que provavelmente está atualmente “tentando equilibrar os seus esforços” para as celebrações da Semana Santa, e ainda assim “sempre consegue nos surpreender”.

Trata-se de uma ampla entrevista que foi ao ar na noite desta segunda-feira, 26 de março, no principal telejornal da Itália, o TG1 da empresa pública da RAI, com dom Paul Richard Gallagher, secretário do Vaticano para as Relações com os Estados e Organizações Internacionais. Ao retornar de uma viagem a Montenegro e, antes disso, à Jordânia, o arcebispo britânico comenta os acontecimentos internacionais atuais, expressando o ponto de vista da Santa Sé.
O atentado em Moscou
A conversa com o vaticanista Ignazio Ingrao começa com o recente atentado em Moscou: “uma coisa terrível” que “deve nos fazer refletir”, porque “podemos ver que há elementos em nossas sociedades que só querem destruir e fazer sofrer”, enfatiza. Ele aponta para o risco real do massacre de Moscou inflamar ainda mais a situação mundial: “um país que sofre um trauma como esse também pode reagir com muita força, como Israel reagiu depois de 7 de outubro”.
Toda essa instabilidade, para Gallagher, é “fruto de uma dissolução de uma ordem que pensávamos ter estabelecido após as duas guerras mundiais, após a Guerra Fria, em que os Estados resolviam seus conflitos negociando uns com os outros, conversando, negociando, dialogando”. Hoje, parece não haver mais essa “atenção à lei”, mas sim “uma falta de confiança nas nossas instituições”, a começar pela ONU, OSCE e a própria Europa, “pilares do nosso mundo por tantas décadas” que, no entanto, “agora não podem ou não parecem capazes de lidar com esses sérios desafios”.
Guerra na Ucrânia
Ele volta o seu olhar, então, para a Ucrânia e para o recente apelo do Papa Francisco por negociações. “O Papa”, esclarece, “sempre disse que as guerras terminam na mesa de negociações. Acredito que o Papa quis incentivar o lado ucraniano a dialogar para o bem do país. Ao mesmo tempo, acredito que a Santa Sé sempre foi muito clara com o lado russo, pedindo que eles também enviassem sinais nessa direção, começando por parar de disparar mísseis em território ucraniano. E o conflito, os armamentos e todos os conflitos cotidianos devem parar”.
A defesa não é apenas uma questão de armas
Ainda lembrando o pensamento do Papa, dom Gallagher, respondendo a uma pergunta sobre o relançamento do projeto de defesa europeu, afirma que “a Europa deve assumir a responsabilidade por sua defesa”, mas ao mesmo tempo “a defesa não é apenas uma questão de armas”, mas sim “uma defesa integral” que “é feita por meio de instituições, promovendo acordos entre os povos”.
O medo do nuclear e uma nova ordem mundial após os conflitos
Nesse sentido, o secretário de Relações com os Estados reitera que “devemos fazer tudo para evitar uma derrota da Ucrânia”, porque isso “mudaria radicalmente as coisas”. O que a Igreja, a Santa Sé e o Papa insistem em fazer é “trabalhar pela paz e tentar promover a paz. Não se pode pensar em chegar a uma solução por meio da vitória ou da derrota”.
O prelado não deixa de reiterar o medo de uma escalada nuclear: “isso nos faz perceber que devemos construir um mundo sem armas nucleares e que, na realidade, a posse dessas armas nos torna mais vulneráveis e não garante a segurança”. Embora o ataque nuclear continue sendo uma possibilidade dramática, para Gallagher é “inevitável” que, quando os conflitos terminarem, “haverá uma nova ordem mundial”: não apenas uma divisão entre Ocidente e Oriente, mas “mais grupos aliados no mundo”.
A solução de dois Estados para Israel e Palestina
Na entrevista, é dado amplo espaço para a guerra no Oriente Médio, começando com a situação “desastrosa”, “catastrófica” e “terrível” em Gaza. Como o secretário de Estado, cardeal Pietro Parolin, em outras ocasiões, dom Gallagher reitera a solução de “dois povos, dois Estados” para o futuro de Israel e da Palestina. Uma solução que exige “esforços” e “sacrifícios” e que parecia “arquivada”, mas agora se fala muito mais sobre ela na comunidade internacional. Isso “nos dá alguma esperança”, diz o prelado: “a Santa Sé sempre continuou a insistir nessa solução, mas para muitos ela não era mais considerada possível. Agora vemos as grandes dificuldades na Cisjordânia, o problema do futuro da própria Gaza, mas pelo menos as pessoas agora veem que uma solução política deve ser buscada”.
Falando da Cisjordânia, ainda há o “enorme problema” dos colonos israelenses, talvez “o maior problema a ser resolvido” no futuro para acabar com o conflito. Não há “soluções mágicas”, dado o “grande número de pessoas” espalhadas pelo território e as relações “agravadas”; aqui também o caminho é “conversar e dialogar também com as autoridades israelenses” e buscar soluções “para o benefício de todos”.
Resolução sobre o cessar-fogo em Gaza: mensagem forte
As palavras do Papa e sua insistência na libertação dos reféns, no acesso à ajuda humanitária e em um cessar-fogo voltam novamente. Uma solução, essa última, que no momento parece impossível; devemos trabalhar, diz Gallagher, “para que as armas parem de disparar não daqui a alguns meses, mas imediatamente, nestes dias”. Certamente, uma nova página foi aberta com a resolução de cessar-fogo aprovada pelo Conselho de Segurança da ONU com a abstenção dos EUA: de acordo com o arcebispo, é “uma mensagem muito forte e uma indicação de que a administração americana não pode continuar com as mesmas posições, usando seu direito de veto para bloquear qualquer ação da ONU”. De fato, a resolução mostra que “a posição da grande maioria dos países da ONU é acabar com essa guerra, trazer a paz, salvar o que pode ser salvo”. Quanto ao drama dos reféns israelenses nas mãos do Hamas, Gallagher confirma os vários contatos de familiares que “nos pediram ajuda e estamos tentando fazer tudo o que podemos”.
Renovação da liderança palestina
Falando sobre o Hamas, o secretário de Relações com os Estados afirma que a organização terrorista “não tem futuro como entidade política”: “eles também”, observa o arcebispo na entrevista, “devem renunciar à destruição do Estado de Israel. Eles também deveriam ter o bem do povo palestino muito mais em mente”. Para Gallagher, é necessário “renovar as instituições palestinas” e “ouvir muito mais a vontade do povo para o futuro”, e seu desejo de poder expressar sua “autodeterminação” nas urnas. Finalmente, o arcebispo reiterou todo o apoio possível aos cristãos de Gaza, “muito poucos” e agora refugiados em torno da paróquia católica com ortodoxos e muçulmanos em uma situação “dramática” em termos de recursos e sobrevivência diária.
Apoio à princesa Kate
Na entrevista ao Tg1, também foi mencionada a viagem a Montenegro de 21 e 24 de março, uma região que “está em uma situação delicada” e merece “a atenção da comunidade internacional”. Em geral, todos esses países com um passado difícil “estão realmente tentando seguir em frente e se promover. A maioria deles fez uma escolha pela Europa e merece todo o nosso incentivo”.
Por fim, dom Gallagher expressou afeto e orações pela princesa Kate Middleton, que nos últimos dias anunciou sua doença e o percurso do tratamento: “quando se vê um ser humano em toda a sua fragilidade, isso não pode deixar de despertar todo o nosso afeto e o nosso apoio”.

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O Papa: muitos conflitos abertos, não ceder à lógica das armas

Francisco divulgou uma carta por ocasião dos 80 anos do voto de Pio XII e da cidade de Roma a Maria Salus Populi Romani durante a fúria da II Guerra Mundial. O Pontífice pede que o aniversário seja uma oportunidade para “meditar em torno do terrível flagelo da guerra”. Olhando para a Ucrânia, Oriente Médio, Sudão e Mianmar, exorta a ouvir os “gritos de terror e de sofrimento” que questionam a consciência de todos e a “trabalhar pela paz na Europa e no mundo”.
Mariangela Jaguraba- Vatican News
O Papa Francisco enviou uma carta ao vice-gerente da Diocese de Roma, dom Baldassarre Reina, por ocasião dos 80 anos do voto de Pio XII e da cidade de Roma ao ícone de Nossa Senhora conhecido como “Salus Populi Romani” durante a II Guerra Mundial.
O Pontífice une-se espiritualmente a toda a comunidade diocesana que celebra pela primeira vez a memória litúrgica da Salus Populi Romani, e recorda o voto que o povo de Roma e seu Pastor, Papa Pio XII, fez a Nossa Senhora em 4 de junho de 1944 para implorar a salvação da cidade, quando o confronto direto entre o exército alemão e os aliados anglo-americanos estava prestes a acontecer”, escreve o Papa no texto.
“A devoção ao antigo ícone conservado na Basílica de Santa Maria Maior está viva há séculos no coração dos romanos, que recorriam a ele para fazer súplicas e invocações, especialmente durante pragas, desastres naturais e guerras”, escreve ainda Francisco. “Os eventos marcantes da vida religiosa e civil de Roma eram registrados em frente a essa imagem. Portanto, não é de surpreender que o povo romano desejou confiar-se mais uma vez a Maria Salus Populi Romani enquanto a Urbe vivia o pesadelo da devastação nazista”, ressalta ainda o Papa.

Pio XII com os cidadãos romanos após o bombardeio do bairro de São Lourenço

Não ceder à lógica das armas
De acordo com Francisco, “oitenta anos depois, a lembrança desse acontecimento tão cheio de significado quer ser uma ocasião para rezar por aqueles que perderam a vida na II Guerra Mundial e para fazer uma meditação renovada sobre o tremendo flagelo da guerra”.
Muitos conflitos em diferentes partes do mundo ainda estão abertos hoje. Penso em particular na martirizada Ucrânia, na Palestina e Israel, no Sudão e Mianmar, onde as armas ainda fazem barulho e mais sangue humano continua sendo derramado.

“Esses são dramas que afetam inúmeras vítimas inocentes, cujos gritos de terror e sofrimento questionam a consciência de todos: não podemos e não devemos ceder à lógica das armas!”

O apelo de Paulo VI à ONU
O Pontífice recorda que “vinte anos após o fim da II Guerra Mundial, em 1965, o Papa São Paulo VI, falando na ONU, perguntou: ‘Será que o mundo chegará a mudar a mentalidade particularista e bélica que até agora teceu grande parte de sua história?'” Segundo Francisco, “essa pergunta, que ainda aguarda uma resposta, estimula todos a trabalhar concretamente pela paz na Europa e em todo o mundo”.

“A paz é um dom de Deus que também deve encontrar hoje corações dispostos a acolhê-lo e trabalhar para serem construtores da reconciliação e testemunhas da esperança.”

Ser construtor de paz
Francisco espera “que as iniciativas promovidas para comemorar o voto popular à Mãe de Deus, nos quatro lugares que foram protagonistas daquele acontecimento, possam reavivar nos romanos a intenção de serem construtores de uma verdadeira paz em todos os lugares, relançando a fraternidade como condição essencial para recompor conflitos e hostilidade”. “Pode ser construtor de paz”, ressalta o Papa, “quem a possui dentro de si e, com coragem e mansidão, se compromete em criar vínculos, em estabelecer relações entre as pessoas, em apaziguar as tensões na família, no trabalho, na escola, entre os amigos”.
O Pontífice conclui a carta, pedindo a Nossa Senhora Medianeira para que “obtenha para toda a humanidade o dom da concórdia e da paz” e confia “todos os habitantes de Roma, especialmente os idosos, os doentes, as pessoas sozinhas e em dificuldade, à intercessão materna da Salus Populi Romani”.

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Indonésia. Ilha de Flores ainda é uma “terra prometida” de vocações

“Em junho e julho estão programadas várias ordenações diaconais entre os vários institutos missionários. No domingo, 2 de junho, 48 foram ordenados diáconos Verbitas, que serão seguidos por outros 8 diáconos Carmelitas no dia 7 de junho, e 27 interdiocesanos (Dioceses de Maumere, Ende, Ruteng, Larantuka e Denpasar) no domingo, 9 de junho. A esses se seguirão as ordenações de cinco diáconos Camilianos no próximo dia 14 de julho, na festa de nosso fundador, São Camilo de Lellis”, conta Pe. Galvani
Vatican News

 

Em 1924 os vigários e prefeitos apostólicos encontraram-se pela primeira vez, para definir uma orientação comum sobre diversas questões da vida da Igreja e sobre a relação com as …

“Nesta época de final de ano letivo, estamos obtendo bons resultados vocacionais. Nós, Camilianos, tentamos nos manter em forma tanto quanto possível com muitas pequenas coisas boas para fazer, não apenas no campo vocacional, mas também com nossas iniciativas sociais e de caridade.”
É o que conta à agência missionária Fides o padre Luigi Galvani, pioneiro na Diocese de Maumere, na Indonésia, onde os Missionários Camilianos estão presentes em três dioceses com 4 seminários, dois centros sociais onde coordenam um programa de nutrição para 160 crianças pobres, apoio à distância para cerca de 20 estudantes merecedores, um projeto de “casas especiais” para libertar os doentes mentais de situações de opressão e, por fim, um modesto projeto de produção de água mineral e do sorvete “São Camilo”.
Ordenações diaconais entre os vários institutos missionários
“Em junho e julho – explica ele – estão programadas várias ordenações diaconais entre os vários institutos missionários. No domingo, 2 de junho, 48 foram ordenados diáconos Verbitas, que serão seguidos por outros 8 diáconos Carmelitas no dia 7 de junho, e 27 interdiocesanos (Dioceses de Maumere, Ende, Ruteng, Larantuka e Denpasar) no domingo, 9 de junho. A esses se seguirão as ordenações de cinco diáconos Camilianos no próximo dia 14 de julho, na festa de nosso fundador, São Camilo de Lellis”.
A mais católica das 17.000 ilhas do arquipélago indonésio

Em algumas áreas do país, que o Papa visitará em setembro, membros do clero local e de ordens religiosas masculinas e femininas moram por alguns dias em famílias católicas, …

“Nos próximos meses, haverá também as profissões religiosas de numerosos noviços e noviças dos vários institutos masculinos e femininos presentes na Diocese de Maumere, que, no momento, atingiram o número de 62 comunidades religiosas”.
“Todos esses resultados vocacionais encorajadores – conclui o missionário – certamente recompensam o empenho dos vários promotores, mas também são um testemunho da fé e do espírito missionário de centenas e centenas de famílias na ilha de Flores, que continua sendo a mais católica das 17.000 ilhas do arquipélago indonésio. Talvez seja também por isso que Flores é chamada de “terra prometida” de vocações.
(com Fides)

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África Central, quando uma Porta Santa se abriu para o mundo

O Jubileu Extraordinário da Misericórdia, em 2015, foi aberto em um lugar sem precedentes, longe do coração cristão do mundo, a Basílica de São Pedro, mas dentro do coração do Papa Francisco, em Bangui. O cardeal Dieudonné Nzapalainga, então arcebispo da capital da África Central, revive aquele dia memorável e o significado benéfico que a visita do Pontífice produziu ao longo do tempo.
Maria Milvia Morciano e Jean Charles Putzolu – Vatican News
É tarde e a noite se prepara lentamente para chegar, tingindo o céu de rosa e dourado. A porta da Catedral de Notre-Dame em Bangui se abre, empurrada por duas mãos firmes. A figura de Francisco está de pé, vigorosa. Muitos anos se passaram desde aquele 29 de novembro de 2015, o primeiro dia do Advento e a data de início do Jubileu Extraordinário da Misericórdia, que foi inaugurado, antecipadamente, em um lugar igualmente extraordinário, na capital da África Central. Pela primeira vez na história, a abertura da Porta Santa não se realiza na Basílica de São Pedro, no túmulo do Apóstolo, no centro do mundo cristão, mas em um lugar remoto, para muitos desconhecido.
Capital espiritual
A África Central é um dos países mais sangrentos e divididos do mundo. O Papa o escolheu justamente por esse motivo, para levar misericórdia e uma mensagem de paz a uma “terra que está sofrendo há vários anos com a guerra e o ódio, a incompreensão e a falta de paz. Mas nessa terra sofrida há também todos os países que estão passando através da cruz da guerra. Bangui se torna a capital espiritual da oração pela misericórdia do Pai. Todos nós pedimos paz, misericórdia, reconciliação, perdão, amor. Por Bangui, por toda a República Centro-Africana, por todo o mundo, pelos países que estão sofrendo com a guerra, pedimos paz!”, disse o Papa na praça da igreja, depois de sair de um papamóvel, desprovido de qualquer proteção contra possíveis perigos, onde o imã também concordou em se sentar.
Um gesto universal compreendido por todos
Uma tradição antiga é transferida para um país jovem. O significado de abrir a Porta Santa e cruzar o limiar está enraizado em um simbolismo ancestral que, em Bangui, se ramifica e dá novos frutos. Ele está revestido de futuro. O gesto do Papa Francisco foi revolucionário porque, em um lugar fechado, cheio de barreiras, ele abre uma porta para a esperança, convida as pessoas a entrarem para encontrar misericórdia e paz, para encontrar Cristo e serem transformadas. Ele traduz de forma cristã uma metáfora compreensível para todos, em qualquer lugar do mundo, de qualquer tradição, religião, experiência e história. Todos entendem que se trata de um rito de passagem fundamental e sagrado.
A linha de fronteira, o limes latim, ponto final, fechamento, é transformada em limen, limiar, abertura. Talvez não seja coincidência o fato de duas palavras opostas conterem a mesma raiz, mas é interessante lembrar o fato de que, na linguagem eclesiástica, a “visitatio ad limina apostolorum” é a visita dos peregrinos aos túmulos dos apóstolos Pedro e Paulo, que remonta aos primeiros séculos da Igreja, mais tarde estendida aos bispos. Tudo fala de Jubileu.
Portas Santas em toda parte
Naquele ano de Misericórdia, muitas Portas Santas foram abertas em todo o mundo, quase um sistema solar composto por milhares de estrelas brilhantes espalhadas pela Terra, mesmo nos lugares mais remotos. Foi uma grande oportunidade, um presente dado a todos, mesmo àqueles que, por vários motivos, não podiam se locomover e viajar. Foi um jubileu extraordinário que pôde ser vivenciado em todas as igrejas locais, permitindo que aqueles que quisessem vivenciar plenamente o evento, fazer a peregrinação e atravessar a Porta da Misericórdia em sua própria diocese.
Uma esperança que vem de Roma
O cardeal Dieudonné Nzapalainga, então arcebispo de Bangui, é um dos intérpretes nodais de seu país. Sua história é de fé e de uma árdua “luta pela paz”, lembrando o título de seu livro na versão italiana, publicado pela Livraria Editora Vaticana em 2022. O cardeal centro-africano compartilhou com a mídia vaticana, aos microfones de Jean Charles Putzolu, a memória daqueles dias e as consequências benéficas da visita do Papa à África Central.
Gostaria de levá-los de volta ao dia 29 de novembro de 2015, o primeiro domingo do Advento, quando o Papa Francisco abriu a Porta Santa do Jubileu da Misericórdia. Foi em Bangui, na República Centro-Africana, portanto, em seu país: uma tradição muito antiga chegando a um país jovem. Em sua opinião, qual foi o significado desse gesto para todos os centro-africanos?
É um gesto único na história não apenas da Igreja universal, mas também da nossa Igreja.
Porque nós, centro-africanos, diante da violência, do sofrimento e da morte, encontrando-nos vivendo em um estado de absurdo, sentimos a esperança que veio de Roma por meio do homem de Deus, o Papa, que veio para aplacar, para trazer paz, tranquilidade e perdão, para trazer reconciliação, convidando nós, centro-africanos, a abrir as portas de nossos corações, cheios de ódio, rancor e vingança, para que pudéssemos nos enfrentar. É por isso que ele mesmo disse para depormos nossas armas: “leve a justiça, leve o amor”. Acredito que seu gesto será sempre lembrado aqui na República Centro-Africana. Muçulmanos, protestantes, católicos, todos nós somos unânimes em dizer que sua chegada foi salutar.
E o Papa de fato chegou. Ela se lembrou dessa mensagem, desse chamado para depor as armas. Havia uma enorme tensão até quase dois dias antes de sua chegada a Bangui. Houve mais tensão desde então? Essa mensagem foi ouvida? A mensagem do Papa foi ouvida e atendida? As armas ficaram em silêncio?
Acho que a mensagem foi ouvida. Passamos seis meses desde a partida do Papa como se estivéssemos em um país normal, algo impensável até dois dias antes de sua chegada. Sua chegada aliviou a pressão. Vimos muçulmanos saindo de seus enclaves para se juntarem a seus irmãos e irmãs católicos no estádio, para participar da grande celebração. As pessoas iam e vinham. O Km 5 [marco 5] era considerado um local onde havia muitas armas e, portanto, não se podia entrar. Mas fui até lá com os cristãos para acompanhar o Papa, dizendo aos muçulmanos: “vamos caminhar juntos!”
O Papa veio de Roma para a República Centro-Africana, os cristãos de Bangui deixaram nossos bairros para ir ao encontro de nossos irmãos, caminhando pela paz. Bem, nós marchamos e continuamos a fazê-lo desde aquele dia. Um líder rebelde nos disse que deveríamos conversar sobre espiritualidade com os imãs. Os imãs organizaram uma grande reunião para pedir aos líderes rebeldes que depusessem suas armas e muita coisa mudou desde então. Isso também foi resultado da visita do Papa.
Os imãs realizaram um grande encontro para pedir aos líderes rebeldes que deponham as armas e isso mudou muito. Esse também foi o resultado da visita do Papa, que nos deu um empurrão, nos fez recomeçar e agora estamos vendo os resultados. Hoje as armas não circulam mais como antes.
Em sua opinião, quais foram os outros frutos desse evento?
Foram os encontros entre jovens muçulmanos e jovens cristãos. Encontros bastante regulares entre mulheres muçulmanas e mulheres cristãs, e entre nós, líderes. Há pouco tempo, em março, uma mesquita a 250 quilômetros daqui foi vandalizada. O imã, o pastor protestante e eu falamos ao coração de nossos fiéis para desarmá-los e convidá-los a cooperar, respeitar, valorizar e respeitar o local. Esse, em minha opinião, é o fruto dessa passagem. Agora também pedimos que a justiça seja feita. Isso significa que aqueles que perderam suas casas devem poder recuperá-las, o que significa que aqueles que moram na casa do vizinho há muito tempo devem ter a gentileza de sair. E nós, líderes religiosos, trabalhamos com o coração. Há alguns que saem para deixar a casa para os proprietários sem passar pelos tribunais ou pelo Estado. Portanto, acho que isso também é proveitoso. Agora os corações estão dispostos e podemos conversar, podemos imaginar um futuro comum.
Quando o senhor diz que eles saem de casa, é porque eles realmente a devolvem ao seu legítimo proprietário, certo?
Exatamente isso.
Em um nível mais pessoal, Vossa Eminência, quais são suas lembranças mais fortes e talvez mais vívidas daquele período?
A lembrança mais vívida é a de entrar no quilômetro 5 dois dias antes: era impossível atravessar o posto de controle. Eu estava lá. Vi com meus próprios olhos: o Papa escolheu ir em um veículo não blindado, mas em campo aberto. Todos sabiam que havia muitas armas no local. Francisco teve a coragem de ir até lá e vimos que o imã também concordou em ir no papamóvel. Essa é a imagem mais forte. Quando saí para ir ao estádio, vi muçulmanos saindo em massa, arriscando suas vidas. Foi sua fé que os levou a sair. Um imã nos disse: ‘O Papa não veio para vocês, cristãos, mas para nós, muçulmanos. Estávamos no enclave, estávamos na escravidão. Ele nos libertou!”
Eminência, uma última pergunta: o senhor se tornou inseparável do Imã… entre cristãos e muçulmanos e também com os protestantes. Vocês realizam iniciativas juntos quase diariamente. Esse é outro fruto. É claro que é o resultado de seu trabalho, mas também é o resultado da visita do Papa…
A visita do papa nos confortou, incentivou e apoiou nesse trabalho. E fomos nós três que pedimos a ele que viesse à República Centro-Africana. Acho que todos nós somos gratos a ele. Esse é o fruto de sua passagem.
O Jubileu de 2025. Como estão se preparando para ele?
O Jubileu de 2025 é um momento importante para a Igreja. Bem, já estão sendo criados grupos aqui para refletir, orar, reunir-se e também para ver como, localmente, viveremos esse momento. Este ano celebraremos 130 anos de evangelização na República Centro-Africana e, ao mesmo tempo, estaremos caminhando para 2025, que está logo ali, e estamos trabalhando em ambos. Portanto, acho que há muito entusiasmo. Eu estava com um grupo de jovens que se encontrava na igreja em massa e dissemos uns aos outros: este é um momento importante porque é um momento de graça, mas também é um momento complicado e elevado. Não podemos deixar passar esse momento favorável.

O cardeal Dieudonné Nzapalainga

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