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O bispo de Zaporizhzhia: a Sexta-feira Santa para nós é todos os dias

Na terceira Páscoa de guerra na Ucrânia, dom Jan Sobilo reza pelas vítimas do conflito e invoca a salvação. “Esta Semana Santa que estamos vivendo pode ser a última. O importante é estar com Jesus e entender o significado da vida, do sofrimento e da morte”.
Beata Zajączkowska – Vatican News
“Aos pés da cruz de Jesus, rezo por todos os soldados mutilados e por aqueles que deram suas vidas pela liberdade da Ucrânia.” Dom Jan Sobilo, bispo auxiliar da Diocese de Kharkiv-Zaporizhia, pede orações, sabendo que esta Semana Santa “pode ser a última da nossa vida e que dela dependerá toda a eternidade. Por isso, procuremos fortalecer a nossa relação com Jesus para estarmos prontos até para uma possível morte”.
A Ucrânia vive uma Via-Sacra extrema. É mais uma Sexta-feira Santa de guerra. Como vocês a vivem?
Esta já é a terceira Sexta-feira Santa nesta guerra. Por um lado, nos acostumamos à cruz do conflito, por outro, está se tornando cada vez mais doloroso. Assim como uma ferida que você tem há muito tempo, e ao mesmo tempo não vê como pode ser curada num futuro próximo. É a mesma consciência sobre esta guerra: está em curso e ainda não sabemos quanto vai durar. Isso é muito doloroso. Ao mesmo tempo, vejo que as pessoas se acostumaram com os tiroteios, com o fato de alguém ter morrido e de que estão voltando soldados feridos. Devem simplesmente viver e sabem que mesmo em tempos de guerra é preciso agir, é preciso ir buscar o pão, é preciso rezar. No início da guerra, alguns tiveram problemas com a oração, mas agora vejo que aprenderam a organizar o seu tempo e local para a oração, porque sentem que sem ela não há como sobreviver a este longo período de guerra.
A Paixão do Senhor é uma realidade de particular solidão. Qual é o problema de viver a solidão neste momento de escuridão para a Ucrânia?
Vejo essa solidão principalmente quando olho para as pessoas que ficaram sozinhas por causa da morte de seus entes queridos. Viúvas, mães que perderam um filho, crianças que perderam o pai. Metade da família teve de ir para o exterior ou para a Ucrânia Ocidental, e o marido está na linha da frente ou na retaguarda dos soldados. A guerra separou muitas famílias, separou amigos. E agora tivemos que aprender também essa solidão. Ao mesmo tempo, permite-nos compreender mais sobre a solidão de Jesus na cruz, que disse “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” O mistério da solidão está ligado ao Gólgota, à Páscoa do Senhor. Muitos ucranianos, especialmente aqui no Oriente, estão agora vivendo este mistério que nem sequer pode ser contado, mas as pessoas têm de vivê-lo. Contudo, Jesus dá a força, como o Pai a deu a Jesus, para resistir na solidão da cruz. Agora dá às pessoas a força do céu para que possam entrar nas feridas de Jesus, onde encontram a compreensão e a força para sobreviver a esta solidão tão difícil: a solidão da cruz da guerra que estamos vivendo.
Como o senhor vive esses dias? Zaporizhia está sob ataque o tempo todo. É possível se reunir para uma oração comum?
Na verdade, celebrar em tempos de guerra não é como celebrar em tempos de paz, porque existem outras prioridades. Procuramos nos encontrar com o Senhor. Procuramos uma oportunidade para uma boa oração, para uma confissão geral profunda e aprofundada, porque todos os nossos fiéis percebem que hoje estamos vivos, mas que no dia seguinte podemos não acordar, porque a nossa casa pode ser destruída por um míssil. Portanto, cuidar da salvação da alma também é prioridade. A celebração direciona principalmente nossos pensamentos sobre como nos preparar em qualquer situação, até mesmo para uma possível morte. Porque esta Semana Santa que estamos vivendo pode ser a última e dela dependerá toda a eternidade. Antes da guerra observei que, na preparação para o Natal, tudo corria como um trem de alta velocidade: as compras, a limpeza, a necessidade de cozinhar alguma coisa, de pensar nos convidados e, para a ocasião, ir à igreja. Agora tudo mudou: o mais importante é estar com Jesus, entender o sentido de uma vida muito breve e frágil e, ao mesmo tempo, encontrar o sentido do sofrimento e da morte, que amanhã também pode chegar à minha casa. Os últimos bombardeios fortes de Zaporizhia nos impeliram muito a viver espiritualmente o Mistério Pascal. Sabemos que Jesus está conosco. Sabemos que sem Ele tudo o que vivemos não pode ser compreendido. É por isso que muitas pessoas experimentam uma conversão profunda. No início da guerra muitas pessoas deixaram a cidade, mas são ainda muito mais as pessoas que foram à igreja. Preparamo-nos constantemente para a primeira confissão, para a Sagrada Comunhão, para o Batismo. Muitas pessoas, de fato, passaram pelos exercícios espirituais que Deus entregou diretamente ao coração humano, com palavras sobre a importância da vida, sobre o sentido da vida, o sentido do sofrimento, da cruz e da morte.
Como passa a Semana Santa na frente de batalha? É alcançado de alguma forma com o ministério?
Sim, os sacerdotes chegam com o ministério. Os soldados, quando têm um momento livre, vêm à igreja para se confessar, para receber a Sagrada Comunhão. Os padres também vão para a frente, sempre que possível, porque se houver um tiroteio muito forte os serviços especiais não deixam ninguém passar, para não os expor à morte. Mas onde é possível, não só os capelães, mas todos os sacerdotes, vão ajudar os soldados na preparação espiritual, não só para as celebrações das festas, mas também para a questão mais difícil, que é estar na linha de frente em perigo de morte. Eles estão ali e não sabemos se aqueles que confessamos ontem ainda estão vivos hoje. Há muitos feridos, carregam muitos soldados mortos. Celebramos muitos funerais, porque a situação é muito difícil na linha de frente. Todo soldado que precisa se confessar, falar com um sacerdote, tem a oportunidade.
Qual é a dor maior que o senhor coloca aos pés da cruz de Jesus?
O mais difícil para mim é ver jovens soldados com amputações de ambas as pernas, às vezes também sem uma mão. Afinal, eles têm a vida inteira pela frente. Alguns sacrificaram a saúde, outros sacrificaram a vida inteira. Jesus aceitou este grande sacrifício pela salvação de toda a Ucrânia: para que não perca a sua soberania, a sua independência. Os soldados e civis que estão perto das linhas de frente estão, de fato, a pagando um preço enorme. Assim como foi necessário que Jesus desse a sua vida num grande tormento durante a Via-Sacra e no Gólgota pelos nossos pecados, assim agora a Ucrânia paga um grande preço em saúde e vida dos soldados para não ser tomada pelos ocupantes. Na minha oração pessoal, levo os soldados a Jesus, debaixo da cruz, especialmente aqueles com membros amputados. Muitos deles terão dificuldades, ficarão totalmente dependentes dos seus entes queridos. Confiamos também a Jesus as suas famílias que carregam a pesada cruz da invalidez dos seus maridos, pais e filhos. Sabemos que nesta situação só Jesus pode consolar o coração de um homem, de um soldado. E só Ele pode levar a paz ao coração de uma mãe que perdeu o filho, ou ao coração dos filhos que perderam o pai.
A cruz de Jesus também é uma cruz triunfal. Que esperança há para a Ucrânia hoje?
Na cruz do Senhor Jesus está toda a nossa esperança. Estamos cientes de que nem os diplomatas nem os políticos nos salvarão. Eles podem ajudar e ser um instrumento nas mãos de Deus, mas colocamos toda a nossa esperança na cruz do Senhor Jesus, e esta cruz leva à vitória da nossa Ucrânia, mas também à vitória de toda a civilização cristã. Agora temos de viver um período muito frio de ocupação, guerra e chantagem, que está sendo propagado em todo o mundo pela Rússia. Portanto, colocamos toda a nossa esperança na vitória de Cristo, sabemos e acreditamos que esta vitória virá para a Ucrânia e que da Ucrânia um novo sopro de vitória alcançará toda a Europa e o mundo inteiro. Penso que só depois da vitória da Ucrânia, depois do fim desta guerra cruel, compreenderemos o que significam as palavras de Nossa Senhora de Fátima, quando nos pediu para rezar pela conversão da Rússia.
O que o senhor pede hoje aos pés da cruz de Jesus para o mundo?
Aos pés da cruz de Jesus, peço a todos os homens de boa vontade, do mundo inteiro, que apoiem a Ucrânia com a oração e a conversão profunda, porque a guerra é também fruto do pecado de cada um de nós. Um pecado grave é como um grande míssil Iskander, que tem o poder de demolir um edifício residencial alto e matar muitas pessoas. Um pecado menor é como uma bala de rifle que pode ferir gravemente um soldado ou civil. Daí a necessidade da nossa conversão, da nossa adesão a Jesus, do nosso jejum solicitado por Nossa Senhora, quando ela diz que com jejum e oração podemos até parar a guerra. Gostaria de pedir muito humildemente ao mundo inteiro oração e jejum. Um coração convertido é capaz de elevar a oração acima das nuvens escuras, por isso ressoemos aos pés da Cruz de Jesus este apelo à nossa conversão, à oração profunda, ao jejum, para que possamos olhar para novos tempos o mais rápido possível: o tempo de uma paz profunda, uma paz verdadeira, que Jesus quer nos dar e que nós, colaborando com Ele, podemos acelerar, com a oração, o jejum e a conversão pessoal.

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O Papa: muitos conflitos abertos, não ceder à lógica das armas

Francisco divulgou uma carta por ocasião dos 80 anos do voto de Pio XII e da cidade de Roma a Maria Salus Populi Romani durante a fúria da II Guerra Mundial. O Pontífice pede que o aniversário seja uma oportunidade para “meditar em torno do terrível flagelo da guerra”. Olhando para a Ucrânia, Oriente Médio, Sudão e Mianmar, exorta a ouvir os “gritos de terror e de sofrimento” que questionam a consciência de todos e a “trabalhar pela paz na Europa e no mundo”.
Mariangela Jaguraba- Vatican News
O Papa Francisco enviou uma carta ao vice-gerente da Diocese de Roma, dom Baldassarre Reina, por ocasião dos 80 anos do voto de Pio XII e da cidade de Roma ao ícone de Nossa Senhora conhecido como “Salus Populi Romani” durante a II Guerra Mundial.
O Pontífice une-se espiritualmente a toda a comunidade diocesana que celebra pela primeira vez a memória litúrgica da Salus Populi Romani, e recorda o voto que o povo de Roma e seu Pastor, Papa Pio XII, fez a Nossa Senhora em 4 de junho de 1944 para implorar a salvação da cidade, quando o confronto direto entre o exército alemão e os aliados anglo-americanos estava prestes a acontecer”, escreve o Papa no texto.
“A devoção ao antigo ícone conservado na Basílica de Santa Maria Maior está viva há séculos no coração dos romanos, que recorriam a ele para fazer súplicas e invocações, especialmente durante pragas, desastres naturais e guerras”, escreve ainda Francisco. “Os eventos marcantes da vida religiosa e civil de Roma eram registrados em frente a essa imagem. Portanto, não é de surpreender que o povo romano desejou confiar-se mais uma vez a Maria Salus Populi Romani enquanto a Urbe vivia o pesadelo da devastação nazista”, ressalta ainda o Papa.

Pio XII com os cidadãos romanos após o bombardeio do bairro de São Lourenço

Não ceder à lógica das armas
De acordo com Francisco, “oitenta anos depois, a lembrança desse acontecimento tão cheio de significado quer ser uma ocasião para rezar por aqueles que perderam a vida na II Guerra Mundial e para fazer uma meditação renovada sobre o tremendo flagelo da guerra”.
Muitos conflitos em diferentes partes do mundo ainda estão abertos hoje. Penso em particular na martirizada Ucrânia, na Palestina e Israel, no Sudão e Mianmar, onde as armas ainda fazem barulho e mais sangue humano continua sendo derramado.

“Esses são dramas que afetam inúmeras vítimas inocentes, cujos gritos de terror e sofrimento questionam a consciência de todos: não podemos e não devemos ceder à lógica das armas!”

O apelo de Paulo VI à ONU
O Pontífice recorda que “vinte anos após o fim da II Guerra Mundial, em 1965, o Papa São Paulo VI, falando na ONU, perguntou: ‘Será que o mundo chegará a mudar a mentalidade particularista e bélica que até agora teceu grande parte de sua história?'” Segundo Francisco, “essa pergunta, que ainda aguarda uma resposta, estimula todos a trabalhar concretamente pela paz na Europa e em todo o mundo”.

“A paz é um dom de Deus que também deve encontrar hoje corações dispostos a acolhê-lo e trabalhar para serem construtores da reconciliação e testemunhas da esperança.”

Ser construtor de paz
Francisco espera “que as iniciativas promovidas para comemorar o voto popular à Mãe de Deus, nos quatro lugares que foram protagonistas daquele acontecimento, possam reavivar nos romanos a intenção de serem construtores de uma verdadeira paz em todos os lugares, relançando a fraternidade como condição essencial para recompor conflitos e hostilidade”. “Pode ser construtor de paz”, ressalta o Papa, “quem a possui dentro de si e, com coragem e mansidão, se compromete em criar vínculos, em estabelecer relações entre as pessoas, em apaziguar as tensões na família, no trabalho, na escola, entre os amigos”.
O Pontífice conclui a carta, pedindo a Nossa Senhora Medianeira para que “obtenha para toda a humanidade o dom da concórdia e da paz” e confia “todos os habitantes de Roma, especialmente os idosos, os doentes, as pessoas sozinhas e em dificuldade, à intercessão materna da Salus Populi Romani”.

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Indonésia. Ilha de Flores ainda é uma “terra prometida” de vocações

“Em junho e julho estão programadas várias ordenações diaconais entre os vários institutos missionários. No domingo, 2 de junho, 48 foram ordenados diáconos Verbitas, que serão seguidos por outros 8 diáconos Carmelitas no dia 7 de junho, e 27 interdiocesanos (Dioceses de Maumere, Ende, Ruteng, Larantuka e Denpasar) no domingo, 9 de junho. A esses se seguirão as ordenações de cinco diáconos Camilianos no próximo dia 14 de julho, na festa de nosso fundador, São Camilo de Lellis”, conta Pe. Galvani
Vatican News

 

Em 1924 os vigários e prefeitos apostólicos encontraram-se pela primeira vez, para definir uma orientação comum sobre diversas questões da vida da Igreja e sobre a relação com as …

“Nesta época de final de ano letivo, estamos obtendo bons resultados vocacionais. Nós, Camilianos, tentamos nos manter em forma tanto quanto possível com muitas pequenas coisas boas para fazer, não apenas no campo vocacional, mas também com nossas iniciativas sociais e de caridade.”
É o que conta à agência missionária Fides o padre Luigi Galvani, pioneiro na Diocese de Maumere, na Indonésia, onde os Missionários Camilianos estão presentes em três dioceses com 4 seminários, dois centros sociais onde coordenam um programa de nutrição para 160 crianças pobres, apoio à distância para cerca de 20 estudantes merecedores, um projeto de “casas especiais” para libertar os doentes mentais de situações de opressão e, por fim, um modesto projeto de produção de água mineral e do sorvete “São Camilo”.
Ordenações diaconais entre os vários institutos missionários
“Em junho e julho – explica ele – estão programadas várias ordenações diaconais entre os vários institutos missionários. No domingo, 2 de junho, 48 foram ordenados diáconos Verbitas, que serão seguidos por outros 8 diáconos Carmelitas no dia 7 de junho, e 27 interdiocesanos (Dioceses de Maumere, Ende, Ruteng, Larantuka e Denpasar) no domingo, 9 de junho. A esses se seguirão as ordenações de cinco diáconos Camilianos no próximo dia 14 de julho, na festa de nosso fundador, São Camilo de Lellis”.
A mais católica das 17.000 ilhas do arquipélago indonésio

Em algumas áreas do país, que o Papa visitará em setembro, membros do clero local e de ordens religiosas masculinas e femininas moram por alguns dias em famílias católicas, …

“Nos próximos meses, haverá também as profissões religiosas de numerosos noviços e noviças dos vários institutos masculinos e femininos presentes na Diocese de Maumere, que, no momento, atingiram o número de 62 comunidades religiosas”.
“Todos esses resultados vocacionais encorajadores – conclui o missionário – certamente recompensam o empenho dos vários promotores, mas também são um testemunho da fé e do espírito missionário de centenas e centenas de famílias na ilha de Flores, que continua sendo a mais católica das 17.000 ilhas do arquipélago indonésio. Talvez seja também por isso que Flores é chamada de “terra prometida” de vocações.
(com Fides)

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África Central, quando uma Porta Santa se abriu para o mundo

O Jubileu Extraordinário da Misericórdia, em 2015, foi aberto em um lugar sem precedentes, longe do coração cristão do mundo, a Basílica de São Pedro, mas dentro do coração do Papa Francisco, em Bangui. O cardeal Dieudonné Nzapalainga, então arcebispo da capital da África Central, revive aquele dia memorável e o significado benéfico que a visita do Pontífice produziu ao longo do tempo.
Maria Milvia Morciano e Jean Charles Putzolu – Vatican News
É tarde e a noite se prepara lentamente para chegar, tingindo o céu de rosa e dourado. A porta da Catedral de Notre-Dame em Bangui se abre, empurrada por duas mãos firmes. A figura de Francisco está de pé, vigorosa. Muitos anos se passaram desde aquele 29 de novembro de 2015, o primeiro dia do Advento e a data de início do Jubileu Extraordinário da Misericórdia, que foi inaugurado, antecipadamente, em um lugar igualmente extraordinário, na capital da África Central. Pela primeira vez na história, a abertura da Porta Santa não se realiza na Basílica de São Pedro, no túmulo do Apóstolo, no centro do mundo cristão, mas em um lugar remoto, para muitos desconhecido.
Capital espiritual
A África Central é um dos países mais sangrentos e divididos do mundo. O Papa o escolheu justamente por esse motivo, para levar misericórdia e uma mensagem de paz a uma “terra que está sofrendo há vários anos com a guerra e o ódio, a incompreensão e a falta de paz. Mas nessa terra sofrida há também todos os países que estão passando através da cruz da guerra. Bangui se torna a capital espiritual da oração pela misericórdia do Pai. Todos nós pedimos paz, misericórdia, reconciliação, perdão, amor. Por Bangui, por toda a República Centro-Africana, por todo o mundo, pelos países que estão sofrendo com a guerra, pedimos paz!”, disse o Papa na praça da igreja, depois de sair de um papamóvel, desprovido de qualquer proteção contra possíveis perigos, onde o imã também concordou em se sentar.
Um gesto universal compreendido por todos
Uma tradição antiga é transferida para um país jovem. O significado de abrir a Porta Santa e cruzar o limiar está enraizado em um simbolismo ancestral que, em Bangui, se ramifica e dá novos frutos. Ele está revestido de futuro. O gesto do Papa Francisco foi revolucionário porque, em um lugar fechado, cheio de barreiras, ele abre uma porta para a esperança, convida as pessoas a entrarem para encontrar misericórdia e paz, para encontrar Cristo e serem transformadas. Ele traduz de forma cristã uma metáfora compreensível para todos, em qualquer lugar do mundo, de qualquer tradição, religião, experiência e história. Todos entendem que se trata de um rito de passagem fundamental e sagrado.
A linha de fronteira, o limes latim, ponto final, fechamento, é transformada em limen, limiar, abertura. Talvez não seja coincidência o fato de duas palavras opostas conterem a mesma raiz, mas é interessante lembrar o fato de que, na linguagem eclesiástica, a “visitatio ad limina apostolorum” é a visita dos peregrinos aos túmulos dos apóstolos Pedro e Paulo, que remonta aos primeiros séculos da Igreja, mais tarde estendida aos bispos. Tudo fala de Jubileu.
Portas Santas em toda parte
Naquele ano de Misericórdia, muitas Portas Santas foram abertas em todo o mundo, quase um sistema solar composto por milhares de estrelas brilhantes espalhadas pela Terra, mesmo nos lugares mais remotos. Foi uma grande oportunidade, um presente dado a todos, mesmo àqueles que, por vários motivos, não podiam se locomover e viajar. Foi um jubileu extraordinário que pôde ser vivenciado em todas as igrejas locais, permitindo que aqueles que quisessem vivenciar plenamente o evento, fazer a peregrinação e atravessar a Porta da Misericórdia em sua própria diocese.
Uma esperança que vem de Roma
O cardeal Dieudonné Nzapalainga, então arcebispo de Bangui, é um dos intérpretes nodais de seu país. Sua história é de fé e de uma árdua “luta pela paz”, lembrando o título de seu livro na versão italiana, publicado pela Livraria Editora Vaticana em 2022. O cardeal centro-africano compartilhou com a mídia vaticana, aos microfones de Jean Charles Putzolu, a memória daqueles dias e as consequências benéficas da visita do Papa à África Central.
Gostaria de levá-los de volta ao dia 29 de novembro de 2015, o primeiro domingo do Advento, quando o Papa Francisco abriu a Porta Santa do Jubileu da Misericórdia. Foi em Bangui, na República Centro-Africana, portanto, em seu país: uma tradição muito antiga chegando a um país jovem. Em sua opinião, qual foi o significado desse gesto para todos os centro-africanos?
É um gesto único na história não apenas da Igreja universal, mas também da nossa Igreja.
Porque nós, centro-africanos, diante da violência, do sofrimento e da morte, encontrando-nos vivendo em um estado de absurdo, sentimos a esperança que veio de Roma por meio do homem de Deus, o Papa, que veio para aplacar, para trazer paz, tranquilidade e perdão, para trazer reconciliação, convidando nós, centro-africanos, a abrir as portas de nossos corações, cheios de ódio, rancor e vingança, para que pudéssemos nos enfrentar. É por isso que ele mesmo disse para depormos nossas armas: “leve a justiça, leve o amor”. Acredito que seu gesto será sempre lembrado aqui na República Centro-Africana. Muçulmanos, protestantes, católicos, todos nós somos unânimes em dizer que sua chegada foi salutar.
E o Papa de fato chegou. Ela se lembrou dessa mensagem, desse chamado para depor as armas. Havia uma enorme tensão até quase dois dias antes de sua chegada a Bangui. Houve mais tensão desde então? Essa mensagem foi ouvida? A mensagem do Papa foi ouvida e atendida? As armas ficaram em silêncio?
Acho que a mensagem foi ouvida. Passamos seis meses desde a partida do Papa como se estivéssemos em um país normal, algo impensável até dois dias antes de sua chegada. Sua chegada aliviou a pressão. Vimos muçulmanos saindo de seus enclaves para se juntarem a seus irmãos e irmãs católicos no estádio, para participar da grande celebração. As pessoas iam e vinham. O Km 5 [marco 5] era considerado um local onde havia muitas armas e, portanto, não se podia entrar. Mas fui até lá com os cristãos para acompanhar o Papa, dizendo aos muçulmanos: “vamos caminhar juntos!”
O Papa veio de Roma para a República Centro-Africana, os cristãos de Bangui deixaram nossos bairros para ir ao encontro de nossos irmãos, caminhando pela paz. Bem, nós marchamos e continuamos a fazê-lo desde aquele dia. Um líder rebelde nos disse que deveríamos conversar sobre espiritualidade com os imãs. Os imãs organizaram uma grande reunião para pedir aos líderes rebeldes que depusessem suas armas e muita coisa mudou desde então. Isso também foi resultado da visita do Papa.
Os imãs realizaram um grande encontro para pedir aos líderes rebeldes que deponham as armas e isso mudou muito. Esse também foi o resultado da visita do Papa, que nos deu um empurrão, nos fez recomeçar e agora estamos vendo os resultados. Hoje as armas não circulam mais como antes.
Em sua opinião, quais foram os outros frutos desse evento?
Foram os encontros entre jovens muçulmanos e jovens cristãos. Encontros bastante regulares entre mulheres muçulmanas e mulheres cristãs, e entre nós, líderes. Há pouco tempo, em março, uma mesquita a 250 quilômetros daqui foi vandalizada. O imã, o pastor protestante e eu falamos ao coração de nossos fiéis para desarmá-los e convidá-los a cooperar, respeitar, valorizar e respeitar o local. Esse, em minha opinião, é o fruto dessa passagem. Agora também pedimos que a justiça seja feita. Isso significa que aqueles que perderam suas casas devem poder recuperá-las, o que significa que aqueles que moram na casa do vizinho há muito tempo devem ter a gentileza de sair. E nós, líderes religiosos, trabalhamos com o coração. Há alguns que saem para deixar a casa para os proprietários sem passar pelos tribunais ou pelo Estado. Portanto, acho que isso também é proveitoso. Agora os corações estão dispostos e podemos conversar, podemos imaginar um futuro comum.
Quando o senhor diz que eles saem de casa, é porque eles realmente a devolvem ao seu legítimo proprietário, certo?
Exatamente isso.
Em um nível mais pessoal, Vossa Eminência, quais são suas lembranças mais fortes e talvez mais vívidas daquele período?
A lembrança mais vívida é a de entrar no quilômetro 5 dois dias antes: era impossível atravessar o posto de controle. Eu estava lá. Vi com meus próprios olhos: o Papa escolheu ir em um veículo não blindado, mas em campo aberto. Todos sabiam que havia muitas armas no local. Francisco teve a coragem de ir até lá e vimos que o imã também concordou em ir no papamóvel. Essa é a imagem mais forte. Quando saí para ir ao estádio, vi muçulmanos saindo em massa, arriscando suas vidas. Foi sua fé que os levou a sair. Um imã nos disse: ‘O Papa não veio para vocês, cristãos, mas para nós, muçulmanos. Estávamos no enclave, estávamos na escravidão. Ele nos libertou!”
Eminência, uma última pergunta: o senhor se tornou inseparável do Imã… entre cristãos e muçulmanos e também com os protestantes. Vocês realizam iniciativas juntos quase diariamente. Esse é outro fruto. É claro que é o resultado de seu trabalho, mas também é o resultado da visita do Papa…
A visita do papa nos confortou, incentivou e apoiou nesse trabalho. E fomos nós três que pedimos a ele que viesse à República Centro-Africana. Acho que todos nós somos gratos a ele. Esse é o fruto de sua passagem.
O Jubileu de 2025. Como estão se preparando para ele?
O Jubileu de 2025 é um momento importante para a Igreja. Bem, já estão sendo criados grupos aqui para refletir, orar, reunir-se e também para ver como, localmente, viveremos esse momento. Este ano celebraremos 130 anos de evangelização na República Centro-Africana e, ao mesmo tempo, estaremos caminhando para 2025, que está logo ali, e estamos trabalhando em ambos. Portanto, acho que há muito entusiasmo. Eu estava com um grupo de jovens que se encontrava na igreja em massa e dissemos uns aos outros: este é um momento importante porque é um momento de graça, mas também é um momento complicado e elevado. Não podemos deixar passar esse momento favorável.

O cardeal Dieudonné Nzapalainga

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