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Ucrânia, o arcebispo de Lviv: lutamos, não com armas, mas com o Rosário

Dois anos após o início da guerra, dom Mokrzycki relata o horror que o país continua a sofrer: “Mísseis e drones precipitam-se sobre pessoas e cidades. Pessoas inocentes são mortas e muitas pessoas, até mesmo crianças e padres, entram em desespero e adoecem mentalmente”. No entanto, diz o arcebispo, “as pessoas ainda têm força e esperança. Elas veem que a única salvação está em Deus e que somente um milagre pode salvar a Ucrânia”.
Beata Zajączkowska – Cidade do Vaticano
“O que me dá força, esperança e fé é ver que a Divina Providência não nos abandona e que há muita fé também nas pessoas”. Dois anos após a eclosão do conflito, o arcebispo Mieczysław Mokrzycki, metropolita de Lviv, compartilha seus sentimentos em uma entrevista à Rádio Vaticano – Vatican News, ao enfatizar que, neste período sombrio, toda a Ucrânia está envolvida em uma corrente de oração. “Somos os combatentes de Deus, não com armas, mas com o rosário. Não no campo de batalha, mas de joelhos diante do Santíssimo Sacramento”.
Mesmo em Lviv, as sirenes continuam a soar e a cidade está sendo bombardeada. Que reflexão surge em seu coração em vista do segundo aniversário da guerra em larga escala na Ucrânia?
Entre as muitas palavras nas páginas dos Evangelhos, uma afirmação de Jesus me chama a atenção: “Não há árvore boa que dê frutos ruins, nem árvore ruim que dê frutos bons. Porque cada árvore se conhece pelo seu fruto”. Essas palavras são a voz da verdade para julgarmos a conduta das pessoas que, ao seguirem o mal, tornam-se frutos amargos para os outros. E embora digam que querem defender e libertar, vemos que não é esse o caso. Em vez de paz, elas geram guerra. Em vez de amor, geram ódio. Em vez de tranquilidade, geram medo. Esse é seu fruto, amargo e azedo. Dói-nos o fato de que, algumas décadas após o fim da Segunda Guerra Mundial, tenhamos novamente de defender nossa liberdade e refletir sobre como os seres humanos são incapazes de lembrar os horrores que a guerra deixou para trás. Nós, no entanto, nos lembramos muito bem: a maioria apenas através dos registros históricos, mas há pessoas que se lembram desse período como uma experiência pessoal.
Infelizmente, a guerra se tornou a experiência pessoal de todos. Como é a vida cotidiana na Ucrânia hoje em dia?
Infelizmente, as atividades militares continuam. Mísseis e drones atingem pessoas e cidades. Soldados e civis inocentes são mortos. Muitas pessoas são feridas, privadas de suas casas, de seus meios de subsistência e da falta de trabalho. Tudo isso gera medo, ansiedade e incerteza. Muitas crianças, adultos e até padres caem em desespero, depressão e outras doenças psicológicas. Nessa situação, a Igreja tem o compromisso de ajudar a todos. Ajudamos os soldados que estão lutando por meio do serviço de capelania, organizamos a distribuição de alimentos, medicamentos, equipamentos e até mesmo a compra de drones. Continuamos a receber deslocados internos, organizamos ajuda humanitária e os enviamos para zonas de guerra. Também fornecemos essa ajuda a famílias pobres em nossas paróquias. Organizamos uma ampla atividade pastoral para fortalecer a fé e a esperança dessas pessoas.

Dom Mieczyslaw Mokrzycki, arcebispo latino de Lviv

Como ajudar as pessoas a ter esperança e fé neste momento?
Em primeiro lugar, convidamos os fiéis a rezar, encorajados pelas palavras da Carta de São Tiago: “Que aqueles entre vocês que estão sofrendo rezem”. Sem dúvida, já experimentamos a dor da guerra. É por isso que o pedido do Apóstolo é um chamado e uma tarefa para nós. É isso que podemos oferecer hoje a nossos entes queridos e a toda a Ucrânia. Nossa oração deve ser como o incenso que sempre tem apenas uma direção, da terra para o céu. Ela deve ser o grito de um só coração e de um só espírito. O Papa Francisco também nos pediu: “Que as orações e súplicas que hoje se elevam ao céu toquem as mentes e os corações dos líderes mundiais, para que coloquem o diálogo e o bem de todos acima dos interesses particulares. Por favor, guerra nunca mais!”. Essa é a intenção de nossas orações, que se juntam à voz do Santo Padre, que defende a liberdade e a paz. Portanto, na experiência do sofrimento, nossa arma na luta pela paz é a oração. Somos os combatentes de Deus, não com uma arma, mas com o Rosário. Não no campo de batalha, mas de joelhos diante do Santíssimo Sacramento. Dessa forma, abraçamos o país inteiro com uma corrente de orações, especialmente por aqueles que, na linha de frente dessa guerra insana, em nosso nome e por nossa causa, lutam pela liberdade da pátria. Dessa forma, trazemos um senso de segurança e solidariedade para nossa vida. Além da oração, outra dimensão que constrói a esperança e a força é a boa palavra. Hoje, chegam notícias de todos os lados que não trazem otimismo, mas muitas vezes horror. Dessa forma, a esperança e o consolo, uma boa palavra e o apoio do espírito partem de nós. As palavras do Senhor Jesus, “Levai o fardo uns dos outros”, tornam-se a tarefa que devemos assumir, com a qual devemos nos aproximar do próximo. E aqui está o teste para uma atitude de amor baseada em obras. Precisamos nos encontrar nessa realidade. O Papa Francisco nos disse: “O misericordioso é aquele que também sabe sentir empatia pelos problemas dos outros”. E ainda: “Que as obras de caridade não sejam uma forma de se sentir melhor, mas de participar do sofrimento dos outros, mesmo ao custo de se expor e se incomodar”. Nestes tempos difíceis, essa é a atitude que incentivamos e tentamos ter, para que as pessoas vejam nossas boas ações e louvem nosso Pai Celestial.
O ato de confiar a Rússia e a Ucrânia à Mãe de Deus deu frutos? Se sim, quais?
Imediatamente após o ato de consagração da Rússia e da Ucrânia pelo Papa Francisco no Vaticano, bem como em nossas paróquias e dioceses, vimos que no sábado seguinte o exército russo se retirou de Kiev. Nossa Senhora de Fátima incentivou a oração, a penitência e a conversão. Também vemos isso em muitos dos fiéis de nossa Igreja e de outros ritos e denominações. As pessoas percebem que a única salvação está em Deus e que somente um milagre pode salvar a Ucrânia. E esses são os frutos da confiança na Mãe de Deus. Apesar dessa situação difícil, as pessoas não perdem a esperança. Elas ainda têm muita força e otimismo. Elas sabem como demonstrar grande solidariedade e apoiar umas às outras. Em tudo isso, elas veem a necessidade da oração e da ação da graça de Deus. Os soldados frequentemente falam do poder da oração que experimentam e são gratos a todos que rezam por eles.

Destruição causada por um míssil em Lviv

Mas como encontrar esperança neste período sombrio?
O que me dá força, esperança e fé é ver que a Providência Divina não nos abandona e que há muita fé por parte das pessoas. Um soldado contou o que aconteceu com ele na frente de batalha. Disse que durante a luta eles ficaram sem munição e sabiam que estava tudo acabado. Não podiam sair das trincheiras porque seria morte instantânea. Então, depois de um tempo, começaram a bater continência uns para os outros e viram soldados russos se aproximando. Um dos soldados ucranianos, que sabia que naqueles dias haveria um funeral para seu tio, que também morreu na guerra, rezou: “Senhor Deus, faça alguma coisa, porque minha família não sobreviverá a dois funerais”. O soldado disse que, depois de um tempo, os russos pararam, deram meia-volta e retornaram. Para ele e para nós, isso é um milagre tangível, um sinal da intervenção de Deus. Outro exemplo: o irmão de um sacerdote trabalha como médico na frente de batalha e certa vez confidenciou ao irmão: “Você sabe que não sou religioso, mas sei que só estou vivo graças às suas orações e às de seus colegas”.
A oração se torna uma força?
No momento particularmente difícil em que a Ucrânia se encontra, permanecemos vigilantes diante da cruz de nosso Senhor Jesus Cristo. Hoje, como a guerra se tornou uma realidade, temos uma necessidade ainda maior de abraçar a cruz e permanecer ligados a esse sinal de amor e salvação, o sinal da vitória da vida sobre a morte, do amor sobre o ódio, da verdade sobre a mentira, da humildade sobre o egoísmo. Neste momento difícil, a Ucrânia também precisa de solidariedade e pessoas de bom coração para perseverar.
Qual é a importância de continuarmos a nos solidarizar com a sofrida Ucrânia?
Permitam-me, neste momento, expressar minha gratidão a todos os sacerdotes, pessoas consagradas e fiéis da Igreja na Ucrânia e no exterior, especialmente na Polônia, por sua bela atitude de amor. Essa atitude é o Evangelho vivo das boas ações. Foi a Polônia que mostrou ao mundo a face divina do amor. A atitude dos poloneses surpreendeu os ucranianos e eles estão cientes do grande coração que demonstraram, mostrando sua verdadeira humanidade e cristianismo. Por fim, também gostaria de pedir que não percamos essa face divina do amor. Precisaremos dela ainda por muito tempo, mesmo quando a tão sonhada paz chegar.

Uma mulher ucraniana em oração

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O Papa: muitos conflitos abertos, não ceder à lógica das armas

Francisco divulgou uma carta por ocasião dos 80 anos do voto de Pio XII e da cidade de Roma a Maria Salus Populi Romani durante a fúria da II Guerra Mundial. O Pontífice pede que o aniversário seja uma oportunidade para “meditar em torno do terrível flagelo da guerra”. Olhando para a Ucrânia, Oriente Médio, Sudão e Mianmar, exorta a ouvir os “gritos de terror e de sofrimento” que questionam a consciência de todos e a “trabalhar pela paz na Europa e no mundo”.
Mariangela Jaguraba- Vatican News
O Papa Francisco enviou uma carta ao vice-gerente da Diocese de Roma, dom Baldassarre Reina, por ocasião dos 80 anos do voto de Pio XII e da cidade de Roma ao ícone de Nossa Senhora conhecido como “Salus Populi Romani” durante a II Guerra Mundial.
O Pontífice une-se espiritualmente a toda a comunidade diocesana que celebra pela primeira vez a memória litúrgica da Salus Populi Romani, e recorda o voto que o povo de Roma e seu Pastor, Papa Pio XII, fez a Nossa Senhora em 4 de junho de 1944 para implorar a salvação da cidade, quando o confronto direto entre o exército alemão e os aliados anglo-americanos estava prestes a acontecer”, escreve o Papa no texto.
“A devoção ao antigo ícone conservado na Basílica de Santa Maria Maior está viva há séculos no coração dos romanos, que recorriam a ele para fazer súplicas e invocações, especialmente durante pragas, desastres naturais e guerras”, escreve ainda Francisco. “Os eventos marcantes da vida religiosa e civil de Roma eram registrados em frente a essa imagem. Portanto, não é de surpreender que o povo romano desejou confiar-se mais uma vez a Maria Salus Populi Romani enquanto a Urbe vivia o pesadelo da devastação nazista”, ressalta ainda o Papa.

Pio XII com os cidadãos romanos após o bombardeio do bairro de São Lourenço

Não ceder à lógica das armas
De acordo com Francisco, “oitenta anos depois, a lembrança desse acontecimento tão cheio de significado quer ser uma ocasião para rezar por aqueles que perderam a vida na II Guerra Mundial e para fazer uma meditação renovada sobre o tremendo flagelo da guerra”.
Muitos conflitos em diferentes partes do mundo ainda estão abertos hoje. Penso em particular na martirizada Ucrânia, na Palestina e Israel, no Sudão e Mianmar, onde as armas ainda fazem barulho e mais sangue humano continua sendo derramado.

“Esses são dramas que afetam inúmeras vítimas inocentes, cujos gritos de terror e sofrimento questionam a consciência de todos: não podemos e não devemos ceder à lógica das armas!”

O apelo de Paulo VI à ONU
O Pontífice recorda que “vinte anos após o fim da II Guerra Mundial, em 1965, o Papa São Paulo VI, falando na ONU, perguntou: ‘Será que o mundo chegará a mudar a mentalidade particularista e bélica que até agora teceu grande parte de sua história?'” Segundo Francisco, “essa pergunta, que ainda aguarda uma resposta, estimula todos a trabalhar concretamente pela paz na Europa e em todo o mundo”.

“A paz é um dom de Deus que também deve encontrar hoje corações dispostos a acolhê-lo e trabalhar para serem construtores da reconciliação e testemunhas da esperança.”

Ser construtor de paz
Francisco espera “que as iniciativas promovidas para comemorar o voto popular à Mãe de Deus, nos quatro lugares que foram protagonistas daquele acontecimento, possam reavivar nos romanos a intenção de serem construtores de uma verdadeira paz em todos os lugares, relançando a fraternidade como condição essencial para recompor conflitos e hostilidade”. “Pode ser construtor de paz”, ressalta o Papa, “quem a possui dentro de si e, com coragem e mansidão, se compromete em criar vínculos, em estabelecer relações entre as pessoas, em apaziguar as tensões na família, no trabalho, na escola, entre os amigos”.
O Pontífice conclui a carta, pedindo a Nossa Senhora Medianeira para que “obtenha para toda a humanidade o dom da concórdia e da paz” e confia “todos os habitantes de Roma, especialmente os idosos, os doentes, as pessoas sozinhas e em dificuldade, à intercessão materna da Salus Populi Romani”.

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Indonésia. Ilha de Flores ainda é uma “terra prometida” de vocações

“Em junho e julho estão programadas várias ordenações diaconais entre os vários institutos missionários. No domingo, 2 de junho, 48 foram ordenados diáconos Verbitas, que serão seguidos por outros 8 diáconos Carmelitas no dia 7 de junho, e 27 interdiocesanos (Dioceses de Maumere, Ende, Ruteng, Larantuka e Denpasar) no domingo, 9 de junho. A esses se seguirão as ordenações de cinco diáconos Camilianos no próximo dia 14 de julho, na festa de nosso fundador, São Camilo de Lellis”, conta Pe. Galvani
Vatican News

 

Em 1924 os vigários e prefeitos apostólicos encontraram-se pela primeira vez, para definir uma orientação comum sobre diversas questões da vida da Igreja e sobre a relação com as …

“Nesta época de final de ano letivo, estamos obtendo bons resultados vocacionais. Nós, Camilianos, tentamos nos manter em forma tanto quanto possível com muitas pequenas coisas boas para fazer, não apenas no campo vocacional, mas também com nossas iniciativas sociais e de caridade.”
É o que conta à agência missionária Fides o padre Luigi Galvani, pioneiro na Diocese de Maumere, na Indonésia, onde os Missionários Camilianos estão presentes em três dioceses com 4 seminários, dois centros sociais onde coordenam um programa de nutrição para 160 crianças pobres, apoio à distância para cerca de 20 estudantes merecedores, um projeto de “casas especiais” para libertar os doentes mentais de situações de opressão e, por fim, um modesto projeto de produção de água mineral e do sorvete “São Camilo”.
Ordenações diaconais entre os vários institutos missionários
“Em junho e julho – explica ele – estão programadas várias ordenações diaconais entre os vários institutos missionários. No domingo, 2 de junho, 48 foram ordenados diáconos Verbitas, que serão seguidos por outros 8 diáconos Carmelitas no dia 7 de junho, e 27 interdiocesanos (Dioceses de Maumere, Ende, Ruteng, Larantuka e Denpasar) no domingo, 9 de junho. A esses se seguirão as ordenações de cinco diáconos Camilianos no próximo dia 14 de julho, na festa de nosso fundador, São Camilo de Lellis”.
A mais católica das 17.000 ilhas do arquipélago indonésio

Em algumas áreas do país, que o Papa visitará em setembro, membros do clero local e de ordens religiosas masculinas e femininas moram por alguns dias em famílias católicas, …

“Nos próximos meses, haverá também as profissões religiosas de numerosos noviços e noviças dos vários institutos masculinos e femininos presentes na Diocese de Maumere, que, no momento, atingiram o número de 62 comunidades religiosas”.
“Todos esses resultados vocacionais encorajadores – conclui o missionário – certamente recompensam o empenho dos vários promotores, mas também são um testemunho da fé e do espírito missionário de centenas e centenas de famílias na ilha de Flores, que continua sendo a mais católica das 17.000 ilhas do arquipélago indonésio. Talvez seja também por isso que Flores é chamada de “terra prometida” de vocações.
(com Fides)

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África Central, quando uma Porta Santa se abriu para o mundo

O Jubileu Extraordinário da Misericórdia, em 2015, foi aberto em um lugar sem precedentes, longe do coração cristão do mundo, a Basílica de São Pedro, mas dentro do coração do Papa Francisco, em Bangui. O cardeal Dieudonné Nzapalainga, então arcebispo da capital da África Central, revive aquele dia memorável e o significado benéfico que a visita do Pontífice produziu ao longo do tempo.
Maria Milvia Morciano e Jean Charles Putzolu – Vatican News
É tarde e a noite se prepara lentamente para chegar, tingindo o céu de rosa e dourado. A porta da Catedral de Notre-Dame em Bangui se abre, empurrada por duas mãos firmes. A figura de Francisco está de pé, vigorosa. Muitos anos se passaram desde aquele 29 de novembro de 2015, o primeiro dia do Advento e a data de início do Jubileu Extraordinário da Misericórdia, que foi inaugurado, antecipadamente, em um lugar igualmente extraordinário, na capital da África Central. Pela primeira vez na história, a abertura da Porta Santa não se realiza na Basílica de São Pedro, no túmulo do Apóstolo, no centro do mundo cristão, mas em um lugar remoto, para muitos desconhecido.
Capital espiritual
A África Central é um dos países mais sangrentos e divididos do mundo. O Papa o escolheu justamente por esse motivo, para levar misericórdia e uma mensagem de paz a uma “terra que está sofrendo há vários anos com a guerra e o ódio, a incompreensão e a falta de paz. Mas nessa terra sofrida há também todos os países que estão passando através da cruz da guerra. Bangui se torna a capital espiritual da oração pela misericórdia do Pai. Todos nós pedimos paz, misericórdia, reconciliação, perdão, amor. Por Bangui, por toda a República Centro-Africana, por todo o mundo, pelos países que estão sofrendo com a guerra, pedimos paz!”, disse o Papa na praça da igreja, depois de sair de um papamóvel, desprovido de qualquer proteção contra possíveis perigos, onde o imã também concordou em se sentar.
Um gesto universal compreendido por todos
Uma tradição antiga é transferida para um país jovem. O significado de abrir a Porta Santa e cruzar o limiar está enraizado em um simbolismo ancestral que, em Bangui, se ramifica e dá novos frutos. Ele está revestido de futuro. O gesto do Papa Francisco foi revolucionário porque, em um lugar fechado, cheio de barreiras, ele abre uma porta para a esperança, convida as pessoas a entrarem para encontrar misericórdia e paz, para encontrar Cristo e serem transformadas. Ele traduz de forma cristã uma metáfora compreensível para todos, em qualquer lugar do mundo, de qualquer tradição, religião, experiência e história. Todos entendem que se trata de um rito de passagem fundamental e sagrado.
A linha de fronteira, o limes latim, ponto final, fechamento, é transformada em limen, limiar, abertura. Talvez não seja coincidência o fato de duas palavras opostas conterem a mesma raiz, mas é interessante lembrar o fato de que, na linguagem eclesiástica, a “visitatio ad limina apostolorum” é a visita dos peregrinos aos túmulos dos apóstolos Pedro e Paulo, que remonta aos primeiros séculos da Igreja, mais tarde estendida aos bispos. Tudo fala de Jubileu.
Portas Santas em toda parte
Naquele ano de Misericórdia, muitas Portas Santas foram abertas em todo o mundo, quase um sistema solar composto por milhares de estrelas brilhantes espalhadas pela Terra, mesmo nos lugares mais remotos. Foi uma grande oportunidade, um presente dado a todos, mesmo àqueles que, por vários motivos, não podiam se locomover e viajar. Foi um jubileu extraordinário que pôde ser vivenciado em todas as igrejas locais, permitindo que aqueles que quisessem vivenciar plenamente o evento, fazer a peregrinação e atravessar a Porta da Misericórdia em sua própria diocese.
Uma esperança que vem de Roma
O cardeal Dieudonné Nzapalainga, então arcebispo de Bangui, é um dos intérpretes nodais de seu país. Sua história é de fé e de uma árdua “luta pela paz”, lembrando o título de seu livro na versão italiana, publicado pela Livraria Editora Vaticana em 2022. O cardeal centro-africano compartilhou com a mídia vaticana, aos microfones de Jean Charles Putzolu, a memória daqueles dias e as consequências benéficas da visita do Papa à África Central.
Gostaria de levá-los de volta ao dia 29 de novembro de 2015, o primeiro domingo do Advento, quando o Papa Francisco abriu a Porta Santa do Jubileu da Misericórdia. Foi em Bangui, na República Centro-Africana, portanto, em seu país: uma tradição muito antiga chegando a um país jovem. Em sua opinião, qual foi o significado desse gesto para todos os centro-africanos?
É um gesto único na história não apenas da Igreja universal, mas também da nossa Igreja.
Porque nós, centro-africanos, diante da violência, do sofrimento e da morte, encontrando-nos vivendo em um estado de absurdo, sentimos a esperança que veio de Roma por meio do homem de Deus, o Papa, que veio para aplacar, para trazer paz, tranquilidade e perdão, para trazer reconciliação, convidando nós, centro-africanos, a abrir as portas de nossos corações, cheios de ódio, rancor e vingança, para que pudéssemos nos enfrentar. É por isso que ele mesmo disse para depormos nossas armas: “leve a justiça, leve o amor”. Acredito que seu gesto será sempre lembrado aqui na República Centro-Africana. Muçulmanos, protestantes, católicos, todos nós somos unânimes em dizer que sua chegada foi salutar.
E o Papa de fato chegou. Ela se lembrou dessa mensagem, desse chamado para depor as armas. Havia uma enorme tensão até quase dois dias antes de sua chegada a Bangui. Houve mais tensão desde então? Essa mensagem foi ouvida? A mensagem do Papa foi ouvida e atendida? As armas ficaram em silêncio?
Acho que a mensagem foi ouvida. Passamos seis meses desde a partida do Papa como se estivéssemos em um país normal, algo impensável até dois dias antes de sua chegada. Sua chegada aliviou a pressão. Vimos muçulmanos saindo de seus enclaves para se juntarem a seus irmãos e irmãs católicos no estádio, para participar da grande celebração. As pessoas iam e vinham. O Km 5 [marco 5] era considerado um local onde havia muitas armas e, portanto, não se podia entrar. Mas fui até lá com os cristãos para acompanhar o Papa, dizendo aos muçulmanos: “vamos caminhar juntos!”
O Papa veio de Roma para a República Centro-Africana, os cristãos de Bangui deixaram nossos bairros para ir ao encontro de nossos irmãos, caminhando pela paz. Bem, nós marchamos e continuamos a fazê-lo desde aquele dia. Um líder rebelde nos disse que deveríamos conversar sobre espiritualidade com os imãs. Os imãs organizaram uma grande reunião para pedir aos líderes rebeldes que depusessem suas armas e muita coisa mudou desde então. Isso também foi resultado da visita do Papa.
Os imãs realizaram um grande encontro para pedir aos líderes rebeldes que deponham as armas e isso mudou muito. Esse também foi o resultado da visita do Papa, que nos deu um empurrão, nos fez recomeçar e agora estamos vendo os resultados. Hoje as armas não circulam mais como antes.
Em sua opinião, quais foram os outros frutos desse evento?
Foram os encontros entre jovens muçulmanos e jovens cristãos. Encontros bastante regulares entre mulheres muçulmanas e mulheres cristãs, e entre nós, líderes. Há pouco tempo, em março, uma mesquita a 250 quilômetros daqui foi vandalizada. O imã, o pastor protestante e eu falamos ao coração de nossos fiéis para desarmá-los e convidá-los a cooperar, respeitar, valorizar e respeitar o local. Esse, em minha opinião, é o fruto dessa passagem. Agora também pedimos que a justiça seja feita. Isso significa que aqueles que perderam suas casas devem poder recuperá-las, o que significa que aqueles que moram na casa do vizinho há muito tempo devem ter a gentileza de sair. E nós, líderes religiosos, trabalhamos com o coração. Há alguns que saem para deixar a casa para os proprietários sem passar pelos tribunais ou pelo Estado. Portanto, acho que isso também é proveitoso. Agora os corações estão dispostos e podemos conversar, podemos imaginar um futuro comum.
Quando o senhor diz que eles saem de casa, é porque eles realmente a devolvem ao seu legítimo proprietário, certo?
Exatamente isso.
Em um nível mais pessoal, Vossa Eminência, quais são suas lembranças mais fortes e talvez mais vívidas daquele período?
A lembrança mais vívida é a de entrar no quilômetro 5 dois dias antes: era impossível atravessar o posto de controle. Eu estava lá. Vi com meus próprios olhos: o Papa escolheu ir em um veículo não blindado, mas em campo aberto. Todos sabiam que havia muitas armas no local. Francisco teve a coragem de ir até lá e vimos que o imã também concordou em ir no papamóvel. Essa é a imagem mais forte. Quando saí para ir ao estádio, vi muçulmanos saindo em massa, arriscando suas vidas. Foi sua fé que os levou a sair. Um imã nos disse: ‘O Papa não veio para vocês, cristãos, mas para nós, muçulmanos. Estávamos no enclave, estávamos na escravidão. Ele nos libertou!”
Eminência, uma última pergunta: o senhor se tornou inseparável do Imã… entre cristãos e muçulmanos e também com os protestantes. Vocês realizam iniciativas juntos quase diariamente. Esse é outro fruto. É claro que é o resultado de seu trabalho, mas também é o resultado da visita do Papa…
A visita do papa nos confortou, incentivou e apoiou nesse trabalho. E fomos nós três que pedimos a ele que viesse à República Centro-Africana. Acho que todos nós somos gratos a ele. Esse é o fruto de sua passagem.
O Jubileu de 2025. Como estão se preparando para ele?
O Jubileu de 2025 é um momento importante para a Igreja. Bem, já estão sendo criados grupos aqui para refletir, orar, reunir-se e também para ver como, localmente, viveremos esse momento. Este ano celebraremos 130 anos de evangelização na República Centro-Africana e, ao mesmo tempo, estaremos caminhando para 2025, que está logo ali, e estamos trabalhando em ambos. Portanto, acho que há muito entusiasmo. Eu estava com um grupo de jovens que se encontrava na igreja em massa e dissemos uns aos outros: este é um momento importante porque é um momento de graça, mas também é um momento complicado e elevado. Não podemos deixar passar esse momento favorável.

O cardeal Dieudonné Nzapalainga

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