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Dopamina em alta, Quaresma em ação: cultivando a amizade social

Há 60 anos, a Igreja no Brasil, durante a Quaresma, realiza um grande mutirão de evangelização para motivar a nossa consciência de cristãos na realização duma conversão verdadeira que possa abranger todas as dimensões de nossa vida: pessoal, comunitária e social.
Dom Edson Oriolo – Bispo da Igreja Particular de Leopoldina MG
A Quaresma é um tempo forte de conversão e de preparação para a Páscoa. Pode ser comparado a um tempo de intenso treinamento e concentração em vistas da grande Festa da Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo.
O que marca a Quaresma é sua dimensão pascal: caminho para a Páscoa. Comemorando o acontecimento da morte e ressurreição de Jesus Cristo, a Igreja celebra o novo nascimento dos que serão batizados, renova a vida dos que foram batizados e a reconciliação dos pecadores arrependidos. Assim, a caminhada quaresmal prepara e ensaia para a Páscoa. Sem esta ligação com a Festa da Páscoa, a Quaresma perde sua força espiritual e se transforma num tempo de lamentação pela morte de Jesus e de expiação dos pecados do povo.
Há 60 anos, a Igreja no Brasil, durante a Quaresma, realiza um grande mutirão de evangelização para motivar a nossa consciência de cristãos na realização duma conversão verdadeira que possa abranger todas as dimensões de nossa vida: pessoal, comunitária e social. 
Neste ano, a Campanha da Fraternidade nos propõe um tema que interpela diretamente a dimensão pessoal, comunitária e social de nossa fé: Fraternidade e Amizade Social, com o lema: “Vós sois todos irmãos e irmãs”(Mt 23,8). A Campanha da Fraternidade, no tempo quaresmal, é um jeito diferente que o povo de Deus do Brasil tem para viver e perceber as maravilhas das bênçãos e graças do Bom Deus, na Igreja e na sua caminhada de fé. A Campanha da Fraternidade nos motiva para um grande retiro espiritual, numa verdadeira experiência cristã de Deus.
Nessa sociedade volátil e frágil em que vivemos, há uma busca enorme do ter, do parecer e do prazer, que, no fundo, é uma busca egoísta que nos leva ao indiferentismo frente aos outros. Não queremos sofrer. Toda a nossa vida e as nossas atenções estão direcionadas para atividades gananciosas, exitosas e prazerosas. O celular traz prazer, o dinheiro traz prazer, o passear traz prazer, o fast food traz prazer, as redes sociais trazem prazer, a alimentação traz prazer. Vivemos 24 horas por dia e 7 dias por semana nos comprometendo na busca de prazer e esquecendo-nos de viver como irmãos e irmãs.
A esta busca desenfreada podemos atribuir o nome de “dopamina”. Segundo especialistas é um neurotransmissor que age no sistema de recompensa do cérebro, provocando a sensação do prazer. Nesse sentido, torna-se mais “fácil” adaptar-nos, aliviar tensões, superar o medo, a raiva, a ansiedade, a depressão, a desatenção e a dor, que muitas vezes estão nos levando para a compulsividade das compras, uso descontrolado das redes sociais, o apego excessivo aos smarphones, a busca da pornografia, o foco na genitalidade. Assim, a vida na busca do prazer está nos levando a enormes sofrimentos. Está imperando um individualismo exacerbado.
A Campanha da Fraternidade considera que nossa sociedade está enferma. Afirma que o hiperindividualismo leva à “doença” social chamada de “alterofobia” ou “Síndrome de Caim”, isto é, aversão a tudo aquilo que não sou eu mesmo. A busca do prazer desmedido é um dos sintomas desta doença.
Papa Francisco, na encíclica Fratelli Tutti (FT), afirma: “Neste mundo que corre sem um rumo comum, respira-se uma atmosfera em que a distância entre a obsessão pelo próprio bem-estar e a felicidade da humanidade compartilhada parece aumentar: até fazer pensar que entre o indivíduo e a comunidade humana já esteja em curso um cisma” (n. 3).
Sabendo que o tempo da Quaresma é um tempo de “conversão”, de mudança de vida, sob o influxo da Palavra de Deus, somos chamados a entender que o excesso da dopamina vem causando enormes danos às pessoas, principalmente uma vida sem foco, violência neuronal, síndrome de Burnout, ansiedade e depressão.
Uma maneira para solucionar os altos níveis de dopanima é tomarmos consciência de que “(…) dotados de alma racional e criados à imagem de Deus, todos temos a mesma natureza e origem e, remidos por Cristo, todos temos a mesma vocação e destino“ (Gaudium et Spes, n. 29).
Neste tempo quaresmal um apelo nos é feito: entender “quanto vale um ser humano (…) sempre e em qualquer circunstância” (FT, n. 106), considerado preciso e digno de todo cuidado. Quaresma é tempo de vigiarmos e combatermos o excesso da busca do prazer e cuidarmos mais das relações com nossos irmãos e irmãs. O remédio para tantos males está em estendermos as tendas, alargando nosso coração, vivendo a amizade social, a cultura do encontro do diálogo e da paz, antídoto contra um ser humano fechado em si mesmo e, consequentemente, contra um mundo fechado aos vulneráveis e “improdutivos”, segundo papa Francisco.
Peçamos a graça da conversão: “Ajudai-nos, nesta Quaresma, a compreender o valor da amizade social e a viver a beleza da fraternidade humana aberta a todos, para além dos nossos gostos, afetos e preferências, num caminho de verdadeira penitência e conversão” (Oração da CF-2024).

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