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Educação e tecnologias da informação: o que ajuda as crianças?

Pesquisas científicas atuais mostram o que faz bem e o que faz mal às crianças: os pequenos humanos têm necessidade do contato com outras crianças, do contato com adultos compreensivos, atenciosos e afetuosos e do contato com a natureza.
Padre Anderson Alves – Diocese de Petrópolis (RJ)
Como demonstra M. Spitzer, em “A epidemia do Smarthphone”, muitas pesquisas científicas atuais – da medicina, da psicologia do desenvolvimento, da neurobiologia do desenvolvimento, das neurociências cognitivas – mostram o que faz bem e o que faz mal às crianças: os pequenos humanos têm necessidade do contato com outras crianças, do contato com adultos compreensivos, atenciosos e afetuosos e do contato com a natureza. Por outro lado, as crianças não têm nenhuma necessidade das tecnologias da informação, nem no seu tempo livre nem durante o tempo que passam na escola.
De fato, como vemos demonstrando, as tecnologias de informação provocam danos físicos, emotivos, mentais e sociais nos mais jovens, comprometendo assim a sua saúde, às vezes de modo grave. A lista dos riscos e dos efeitos colaterais das tecnologias informação é ampla: a vida sedentária, os danos de postura, a miopia, o sobrepeso, a pressão alta, os diversos tipos de diabetes, os distúrbios do sono e a consequente sonolência durante o dia, o aumento dos comportamentos de risco nos relacionamentos sexuais e no tráfego das estradas. Além desses danos físicos, há os distúrbios da atenção, a ansiedade, a depressão, a autolesão, o suicídio, o estresse, as dependências de diversos tipos (do computador, da internet, dos jogos, do celular, da pornografia), o aumento do consumo do álcool e do tabaco, a diminuição do sucesso acadêmico e o abandono escolar.
Além disso, as tecnologias da informação aumentam a agressividade, fomentam o extremismo e fazem diminuir a empatia em relação aos amigos, aos desconhecidos e aos pais. Os celulares comprometem também o desenvolvimento de uma vontade autônoma e a capacidade de empatia, da confiança no próximo e nas instituições, minando assim os fundamentos da vida social e da democracia. Estes riscos e efeitos colaterais da tecnologia da informação são maiores segundo a idade mais baixa dos sujeitos que a utilizam. Entretanto, também os idosos e os aposentados estão expostos aos riscos das tecnologias digitais, como atestam o estado atual dos nossos conhecimentos, e devem sempre estar atentos aos mesmos riscos.
Pelo que sabemos, e Spitzer o afirma no seu livro de 2018 (“A epidemia do Smartphone”), não há estudos que demonstrem os efeitos positivos das novas tecnologias na educação, embora toda a publicidade a esse respeito. Por outro lado, uma série de estudos demonstra que quanto maior é o tempo que um estudante passa no uso dos meios digitais pior é o seu rendimento escolar. Ao analisar os dados dos relatórios PISA, um grupo de economistas descobriu, há mais de 15 anos, que as pessoas na faixa etária de 15 anos que possuem computador e câmera de vídeo apresentam resultados escolares piores do que os seus coetâneos que não os têm.
Esses dados foram confirmados no último relatório PISA, principalmente relevantes para o Brasil. Segundo o último relatório, aproximadamente 65% dos estudantes afirmaram se distrair nas aulas de matemática devido ao uso dos diversos dispositivos eletrônicos. No Brasil, o índice é de 80%. Os alunos que passam muito tempo conectados afetam a atenção dos seus colegas: 59% dos estudantes afirmaram se distrair com o uso excessivo de aparelhos eletrônicos por parte de seus colegas, obtendo15 pontos a menos nos testes de matemática, “isso equivale a 3/4do valor de um ano de educação”.
Um estudo realizado há alguns anos nos EUA, com estudantes que frequentaram da primeira a terceira série elementar, demonstrou por via experimental que a posse de um videogame torna pior os resultados escolares. A explicação é simples: quem passa 40 horas por semana no videogame – essa é a média do tempo do uso dos jovens nos Estados Unidos – deverá retirar aquele tempo de outras atividades, como, por exemplo, estudar e aprender alguma coisa sensata. A tese que diz que os videogames melhoram a atenção e a lucidez mental dos jovens não é de modo algum confirmada.
Os efeitos das tecnologias digitais na escola não são diversos dos que ocorrem no tempo livre. De fato, é possível demonstrar que a introdução deles na escola determina um pioramento do aprendizado e das notas dos alunos. Os dados são tão inequívocos quanto preocupantes. Falaremos disso mais adiante.
Ao examinar o uso escolar das tecnologias digitais encontramos uma série de efeitos negativos que presumivelmente se reforçam reciprocamente. Os resultados são os seguintes:
1. O uso das tecnologias de informação durante as aulas distrai, gerando uma queda do aprendizado entre 10 e 15 % segundo os diversos estudos. A multitarefa (multitasking) provoca distúrbios de atenção.
2. Para buscar informações os motores virtuais de busca são uteis somente quando quem o usa sabe algo ou muito do assunto pesquisado. Quando isso não acontece, o melhor é buscar os dados nos meios tradicionais, como os livros de textos impressos. Isso pode ser comprovado quando se analisa o índice de abandono dos “massive online open courses” (MOOCS). Nos países ocidentais desenvolvidos com um alto nível de instrução o percentual de abandono desse tipo de cursos é de 92% enquanto nos países menos desenvolvidos e com um nível de instrução inferior a taxa de abandono é de 98%.
3. Estudos demonstram que quando os meios digitais são usados para registrar informações, isso provoca uma queda na capacidade de reter (memorizar) os dados recolhidos. A razão é que os meios digitais induzem os usuários a ter um tratamento superficial das informações. Por outro lado, uma elaboração mental aprofundada do material é essencial para a sua memorização. De fato, nós nos recordamos o que profundamente pensamos. Por isso, as crianças que visitam um museu como uma máquina fotográfica têm muito menos recordações daquele espaço do que outras que simplesmente olharam o que estava exposto.
4. O uso de livros de texto eletrônicos no lugar dos livros de papel faz diminuir o rendimento escolar. Sabe-se que 85 % dos estudantes da Silicon Valley preferem a leitura dos livros impressos e justificam a sua preferência com o fato de poder evidenciar melhor (marcando, sublinhando, escrevendo) o conteúdo dos textos.
5. A capacidade de reter na memória os conteúdos de uma aula é mais elevada quando se toma anotações por escrito, mais do que quando se utiliza um teclado para registrá-las. Isso foi demonstrado por 5 estudos experimentais realizados por 2 pesquisadores dos Estados Unidos. Nesse caso, como em muitos outros, é possível confirmar o que a velha psicologia aristotélica afirmava: nada está na razão sem antes ter passado pelos sentidos. Ao se escrever manualmente um texto, o esforço mecânico e mental é muito maior do que o requerido para digitar algo, o que explica a maior compreensão e memorização do que foi anotado.
 
*Padre Anderson Alves Padre – nasceu em 6 de maio de 1982, em Petrópolis e foi ordenado sacerdote em 7 de dezembro de 2008, na Catedral São Pedro de Alcântara, em Petrópolis. Graduado em Filosofia pela Universidade Católica de Petrópolis (2004); graduado em Teologia (Licenciatura em ciências religiosas) pela Universidade de Navarra, Espanha (2008); mestre em Filosofia, (especialidade Metafísica e Filosofia da Ciência) pela Pontificia Università della Santa Croce, Roma (2011); doutor em Filosofia na Pontificia Università della Santa Croce, Roma (2011-2014), tendo o seu título reconhecido pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) em 17/04/2019.
Foi bolsista de pós-doutorado em educação na Universidade Católica de Petrópolis (2014-2018). Mestre em Teologia moral pela Pontificia Università della Santa Croce, em Roma (2019). Tem experiência na área de Filosofia, com ênfase em Metafísica, teoria do conhecimento, história medieval, educação e fundamentos filosóficos da teologia moral. É professor adjunto de filosofia na Universidade Católica de Petrópolis e professor do programa de pós-graduação em educação da mesma Universidade. Desde 2022 é coordenador do curso de Filosofia, na Universidade Católica de Petrópolis. 

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O Papa: muitos conflitos abertos, não ceder à lógica das armas

Francisco divulgou uma carta por ocasião dos 80 anos do voto de Pio XII e da cidade de Roma a Maria Salus Populi Romani durante a fúria da II Guerra Mundial. O Pontífice pede que o aniversário seja uma oportunidade para “meditar em torno do terrível flagelo da guerra”. Olhando para a Ucrânia, Oriente Médio, Sudão e Mianmar, exorta a ouvir os “gritos de terror e de sofrimento” que questionam a consciência de todos e a “trabalhar pela paz na Europa e no mundo”.
Mariangela Jaguraba- Vatican News
O Papa Francisco enviou uma carta ao vice-gerente da Diocese de Roma, dom Baldassarre Reina, por ocasião dos 80 anos do voto de Pio XII e da cidade de Roma ao ícone de Nossa Senhora conhecido como “Salus Populi Romani” durante a II Guerra Mundial.
O Pontífice une-se espiritualmente a toda a comunidade diocesana que celebra pela primeira vez a memória litúrgica da Salus Populi Romani, e recorda o voto que o povo de Roma e seu Pastor, Papa Pio XII, fez a Nossa Senhora em 4 de junho de 1944 para implorar a salvação da cidade, quando o confronto direto entre o exército alemão e os aliados anglo-americanos estava prestes a acontecer”, escreve o Papa no texto.
“A devoção ao antigo ícone conservado na Basílica de Santa Maria Maior está viva há séculos no coração dos romanos, que recorriam a ele para fazer súplicas e invocações, especialmente durante pragas, desastres naturais e guerras”, escreve ainda Francisco. “Os eventos marcantes da vida religiosa e civil de Roma eram registrados em frente a essa imagem. Portanto, não é de surpreender que o povo romano desejou confiar-se mais uma vez a Maria Salus Populi Romani enquanto a Urbe vivia o pesadelo da devastação nazista”, ressalta ainda o Papa.

Pio XII com os cidadãos romanos após o bombardeio do bairro de São Lourenço

Não ceder à lógica das armas
De acordo com Francisco, “oitenta anos depois, a lembrança desse acontecimento tão cheio de significado quer ser uma ocasião para rezar por aqueles que perderam a vida na II Guerra Mundial e para fazer uma meditação renovada sobre o tremendo flagelo da guerra”.
Muitos conflitos em diferentes partes do mundo ainda estão abertos hoje. Penso em particular na martirizada Ucrânia, na Palestina e Israel, no Sudão e Mianmar, onde as armas ainda fazem barulho e mais sangue humano continua sendo derramado.

“Esses são dramas que afetam inúmeras vítimas inocentes, cujos gritos de terror e sofrimento questionam a consciência de todos: não podemos e não devemos ceder à lógica das armas!”

O apelo de Paulo VI à ONU
O Pontífice recorda que “vinte anos após o fim da II Guerra Mundial, em 1965, o Papa São Paulo VI, falando na ONU, perguntou: ‘Será que o mundo chegará a mudar a mentalidade particularista e bélica que até agora teceu grande parte de sua história?'” Segundo Francisco, “essa pergunta, que ainda aguarda uma resposta, estimula todos a trabalhar concretamente pela paz na Europa e em todo o mundo”.

“A paz é um dom de Deus que também deve encontrar hoje corações dispostos a acolhê-lo e trabalhar para serem construtores da reconciliação e testemunhas da esperança.”

Ser construtor de paz
Francisco espera “que as iniciativas promovidas para comemorar o voto popular à Mãe de Deus, nos quatro lugares que foram protagonistas daquele acontecimento, possam reavivar nos romanos a intenção de serem construtores de uma verdadeira paz em todos os lugares, relançando a fraternidade como condição essencial para recompor conflitos e hostilidade”. “Pode ser construtor de paz”, ressalta o Papa, “quem a possui dentro de si e, com coragem e mansidão, se compromete em criar vínculos, em estabelecer relações entre as pessoas, em apaziguar as tensões na família, no trabalho, na escola, entre os amigos”.
O Pontífice conclui a carta, pedindo a Nossa Senhora Medianeira para que “obtenha para toda a humanidade o dom da concórdia e da paz” e confia “todos os habitantes de Roma, especialmente os idosos, os doentes, as pessoas sozinhas e em dificuldade, à intercessão materna da Salus Populi Romani”.

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Indonésia. Ilha de Flores ainda é uma “terra prometida” de vocações

“Em junho e julho estão programadas várias ordenações diaconais entre os vários institutos missionários. No domingo, 2 de junho, 48 foram ordenados diáconos Verbitas, que serão seguidos por outros 8 diáconos Carmelitas no dia 7 de junho, e 27 interdiocesanos (Dioceses de Maumere, Ende, Ruteng, Larantuka e Denpasar) no domingo, 9 de junho. A esses se seguirão as ordenações de cinco diáconos Camilianos no próximo dia 14 de julho, na festa de nosso fundador, São Camilo de Lellis”, conta Pe. Galvani
Vatican News

 

Em 1924 os vigários e prefeitos apostólicos encontraram-se pela primeira vez, para definir uma orientação comum sobre diversas questões da vida da Igreja e sobre a relação com as …

“Nesta época de final de ano letivo, estamos obtendo bons resultados vocacionais. Nós, Camilianos, tentamos nos manter em forma tanto quanto possível com muitas pequenas coisas boas para fazer, não apenas no campo vocacional, mas também com nossas iniciativas sociais e de caridade.”
É o que conta à agência missionária Fides o padre Luigi Galvani, pioneiro na Diocese de Maumere, na Indonésia, onde os Missionários Camilianos estão presentes em três dioceses com 4 seminários, dois centros sociais onde coordenam um programa de nutrição para 160 crianças pobres, apoio à distância para cerca de 20 estudantes merecedores, um projeto de “casas especiais” para libertar os doentes mentais de situações de opressão e, por fim, um modesto projeto de produção de água mineral e do sorvete “São Camilo”.
Ordenações diaconais entre os vários institutos missionários
“Em junho e julho – explica ele – estão programadas várias ordenações diaconais entre os vários institutos missionários. No domingo, 2 de junho, 48 foram ordenados diáconos Verbitas, que serão seguidos por outros 8 diáconos Carmelitas no dia 7 de junho, e 27 interdiocesanos (Dioceses de Maumere, Ende, Ruteng, Larantuka e Denpasar) no domingo, 9 de junho. A esses se seguirão as ordenações de cinco diáconos Camilianos no próximo dia 14 de julho, na festa de nosso fundador, São Camilo de Lellis”.
A mais católica das 17.000 ilhas do arquipélago indonésio

Em algumas áreas do país, que o Papa visitará em setembro, membros do clero local e de ordens religiosas masculinas e femininas moram por alguns dias em famílias católicas, …

“Nos próximos meses, haverá também as profissões religiosas de numerosos noviços e noviças dos vários institutos masculinos e femininos presentes na Diocese de Maumere, que, no momento, atingiram o número de 62 comunidades religiosas”.
“Todos esses resultados vocacionais encorajadores – conclui o missionário – certamente recompensam o empenho dos vários promotores, mas também são um testemunho da fé e do espírito missionário de centenas e centenas de famílias na ilha de Flores, que continua sendo a mais católica das 17.000 ilhas do arquipélago indonésio. Talvez seja também por isso que Flores é chamada de “terra prometida” de vocações.
(com Fides)

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África Central, quando uma Porta Santa se abriu para o mundo

O Jubileu Extraordinário da Misericórdia, em 2015, foi aberto em um lugar sem precedentes, longe do coração cristão do mundo, a Basílica de São Pedro, mas dentro do coração do Papa Francisco, em Bangui. O cardeal Dieudonné Nzapalainga, então arcebispo da capital da África Central, revive aquele dia memorável e o significado benéfico que a visita do Pontífice produziu ao longo do tempo.
Maria Milvia Morciano e Jean Charles Putzolu – Vatican News
É tarde e a noite se prepara lentamente para chegar, tingindo o céu de rosa e dourado. A porta da Catedral de Notre-Dame em Bangui se abre, empurrada por duas mãos firmes. A figura de Francisco está de pé, vigorosa. Muitos anos se passaram desde aquele 29 de novembro de 2015, o primeiro dia do Advento e a data de início do Jubileu Extraordinário da Misericórdia, que foi inaugurado, antecipadamente, em um lugar igualmente extraordinário, na capital da África Central. Pela primeira vez na história, a abertura da Porta Santa não se realiza na Basílica de São Pedro, no túmulo do Apóstolo, no centro do mundo cristão, mas em um lugar remoto, para muitos desconhecido.
Capital espiritual
A África Central é um dos países mais sangrentos e divididos do mundo. O Papa o escolheu justamente por esse motivo, para levar misericórdia e uma mensagem de paz a uma “terra que está sofrendo há vários anos com a guerra e o ódio, a incompreensão e a falta de paz. Mas nessa terra sofrida há também todos os países que estão passando através da cruz da guerra. Bangui se torna a capital espiritual da oração pela misericórdia do Pai. Todos nós pedimos paz, misericórdia, reconciliação, perdão, amor. Por Bangui, por toda a República Centro-Africana, por todo o mundo, pelos países que estão sofrendo com a guerra, pedimos paz!”, disse o Papa na praça da igreja, depois de sair de um papamóvel, desprovido de qualquer proteção contra possíveis perigos, onde o imã também concordou em se sentar.
Um gesto universal compreendido por todos
Uma tradição antiga é transferida para um país jovem. O significado de abrir a Porta Santa e cruzar o limiar está enraizado em um simbolismo ancestral que, em Bangui, se ramifica e dá novos frutos. Ele está revestido de futuro. O gesto do Papa Francisco foi revolucionário porque, em um lugar fechado, cheio de barreiras, ele abre uma porta para a esperança, convida as pessoas a entrarem para encontrar misericórdia e paz, para encontrar Cristo e serem transformadas. Ele traduz de forma cristã uma metáfora compreensível para todos, em qualquer lugar do mundo, de qualquer tradição, religião, experiência e história. Todos entendem que se trata de um rito de passagem fundamental e sagrado.
A linha de fronteira, o limes latim, ponto final, fechamento, é transformada em limen, limiar, abertura. Talvez não seja coincidência o fato de duas palavras opostas conterem a mesma raiz, mas é interessante lembrar o fato de que, na linguagem eclesiástica, a “visitatio ad limina apostolorum” é a visita dos peregrinos aos túmulos dos apóstolos Pedro e Paulo, que remonta aos primeiros séculos da Igreja, mais tarde estendida aos bispos. Tudo fala de Jubileu.
Portas Santas em toda parte
Naquele ano de Misericórdia, muitas Portas Santas foram abertas em todo o mundo, quase um sistema solar composto por milhares de estrelas brilhantes espalhadas pela Terra, mesmo nos lugares mais remotos. Foi uma grande oportunidade, um presente dado a todos, mesmo àqueles que, por vários motivos, não podiam se locomover e viajar. Foi um jubileu extraordinário que pôde ser vivenciado em todas as igrejas locais, permitindo que aqueles que quisessem vivenciar plenamente o evento, fazer a peregrinação e atravessar a Porta da Misericórdia em sua própria diocese.
Uma esperança que vem de Roma
O cardeal Dieudonné Nzapalainga, então arcebispo de Bangui, é um dos intérpretes nodais de seu país. Sua história é de fé e de uma árdua “luta pela paz”, lembrando o título de seu livro na versão italiana, publicado pela Livraria Editora Vaticana em 2022. O cardeal centro-africano compartilhou com a mídia vaticana, aos microfones de Jean Charles Putzolu, a memória daqueles dias e as consequências benéficas da visita do Papa à África Central.
Gostaria de levá-los de volta ao dia 29 de novembro de 2015, o primeiro domingo do Advento, quando o Papa Francisco abriu a Porta Santa do Jubileu da Misericórdia. Foi em Bangui, na República Centro-Africana, portanto, em seu país: uma tradição muito antiga chegando a um país jovem. Em sua opinião, qual foi o significado desse gesto para todos os centro-africanos?
É um gesto único na história não apenas da Igreja universal, mas também da nossa Igreja.
Porque nós, centro-africanos, diante da violência, do sofrimento e da morte, encontrando-nos vivendo em um estado de absurdo, sentimos a esperança que veio de Roma por meio do homem de Deus, o Papa, que veio para aplacar, para trazer paz, tranquilidade e perdão, para trazer reconciliação, convidando nós, centro-africanos, a abrir as portas de nossos corações, cheios de ódio, rancor e vingança, para que pudéssemos nos enfrentar. É por isso que ele mesmo disse para depormos nossas armas: “leve a justiça, leve o amor”. Acredito que seu gesto será sempre lembrado aqui na República Centro-Africana. Muçulmanos, protestantes, católicos, todos nós somos unânimes em dizer que sua chegada foi salutar.
E o Papa de fato chegou. Ela se lembrou dessa mensagem, desse chamado para depor as armas. Havia uma enorme tensão até quase dois dias antes de sua chegada a Bangui. Houve mais tensão desde então? Essa mensagem foi ouvida? A mensagem do Papa foi ouvida e atendida? As armas ficaram em silêncio?
Acho que a mensagem foi ouvida. Passamos seis meses desde a partida do Papa como se estivéssemos em um país normal, algo impensável até dois dias antes de sua chegada. Sua chegada aliviou a pressão. Vimos muçulmanos saindo de seus enclaves para se juntarem a seus irmãos e irmãs católicos no estádio, para participar da grande celebração. As pessoas iam e vinham. O Km 5 [marco 5] era considerado um local onde havia muitas armas e, portanto, não se podia entrar. Mas fui até lá com os cristãos para acompanhar o Papa, dizendo aos muçulmanos: “vamos caminhar juntos!”
O Papa veio de Roma para a República Centro-Africana, os cristãos de Bangui deixaram nossos bairros para ir ao encontro de nossos irmãos, caminhando pela paz. Bem, nós marchamos e continuamos a fazê-lo desde aquele dia. Um líder rebelde nos disse que deveríamos conversar sobre espiritualidade com os imãs. Os imãs organizaram uma grande reunião para pedir aos líderes rebeldes que depusessem suas armas e muita coisa mudou desde então. Isso também foi resultado da visita do Papa.
Os imãs realizaram um grande encontro para pedir aos líderes rebeldes que deponham as armas e isso mudou muito. Esse também foi o resultado da visita do Papa, que nos deu um empurrão, nos fez recomeçar e agora estamos vendo os resultados. Hoje as armas não circulam mais como antes.
Em sua opinião, quais foram os outros frutos desse evento?
Foram os encontros entre jovens muçulmanos e jovens cristãos. Encontros bastante regulares entre mulheres muçulmanas e mulheres cristãs, e entre nós, líderes. Há pouco tempo, em março, uma mesquita a 250 quilômetros daqui foi vandalizada. O imã, o pastor protestante e eu falamos ao coração de nossos fiéis para desarmá-los e convidá-los a cooperar, respeitar, valorizar e respeitar o local. Esse, em minha opinião, é o fruto dessa passagem. Agora também pedimos que a justiça seja feita. Isso significa que aqueles que perderam suas casas devem poder recuperá-las, o que significa que aqueles que moram na casa do vizinho há muito tempo devem ter a gentileza de sair. E nós, líderes religiosos, trabalhamos com o coração. Há alguns que saem para deixar a casa para os proprietários sem passar pelos tribunais ou pelo Estado. Portanto, acho que isso também é proveitoso. Agora os corações estão dispostos e podemos conversar, podemos imaginar um futuro comum.
Quando o senhor diz que eles saem de casa, é porque eles realmente a devolvem ao seu legítimo proprietário, certo?
Exatamente isso.
Em um nível mais pessoal, Vossa Eminência, quais são suas lembranças mais fortes e talvez mais vívidas daquele período?
A lembrança mais vívida é a de entrar no quilômetro 5 dois dias antes: era impossível atravessar o posto de controle. Eu estava lá. Vi com meus próprios olhos: o Papa escolheu ir em um veículo não blindado, mas em campo aberto. Todos sabiam que havia muitas armas no local. Francisco teve a coragem de ir até lá e vimos que o imã também concordou em ir no papamóvel. Essa é a imagem mais forte. Quando saí para ir ao estádio, vi muçulmanos saindo em massa, arriscando suas vidas. Foi sua fé que os levou a sair. Um imã nos disse: ‘O Papa não veio para vocês, cristãos, mas para nós, muçulmanos. Estávamos no enclave, estávamos na escravidão. Ele nos libertou!”
Eminência, uma última pergunta: o senhor se tornou inseparável do Imã… entre cristãos e muçulmanos e também com os protestantes. Vocês realizam iniciativas juntos quase diariamente. Esse é outro fruto. É claro que é o resultado de seu trabalho, mas também é o resultado da visita do Papa…
A visita do papa nos confortou, incentivou e apoiou nesse trabalho. E fomos nós três que pedimos a ele que viesse à República Centro-Africana. Acho que todos nós somos gratos a ele. Esse é o fruto de sua passagem.
O Jubileu de 2025. Como estão se preparando para ele?
O Jubileu de 2025 é um momento importante para a Igreja. Bem, já estão sendo criados grupos aqui para refletir, orar, reunir-se e também para ver como, localmente, viveremos esse momento. Este ano celebraremos 130 anos de evangelização na República Centro-Africana e, ao mesmo tempo, estaremos caminhando para 2025, que está logo ali, e estamos trabalhando em ambos. Portanto, acho que há muito entusiasmo. Eu estava com um grupo de jovens que se encontrava na igreja em massa e dissemos uns aos outros: este é um momento importante porque é um momento de graça, mas também é um momento complicado e elevado. Não podemos deixar passar esse momento favorável.

O cardeal Dieudonné Nzapalainga

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