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Entre o Marrocos e a Argélia, missionários ajudam migrantes

O relato de Alex Zappalà, diretor do Centro Missionário de Concordia-Pordenone, que liderou um grupo de jovens em Oujda: “vivemos em uma parte do mundo em que fazemos tantas coisas, mas não temos tempo para estar perto das pessoas, e é disso que se trata a missão. Há muitas vítimas de tráfico, não podemos mais ficar em silêncio”.
Antonella Palermo – Vatican
Enfaixar as feridas de quem viaja pelos desertos perseguindo o sonho de uma vida sem guerra, sem ditadura, sem privações. É isso que os Missionários da Consolata fazem há anos, vivendo em Oujda, a cidade marroquina mais próxima, a apenas sete quilômetros, da fronteira com a Argélia. Uma fronteira sangrenta, cheia de obstáculos para quem quer cruzá-la, na qual ocorreu a infame Guerra das Areias em 1963, um dos picos do antagonismo que separa hostilmente os dois países, embora compartilhem muitos elementos linguísticos, religiosos e étnicos. As diferenças históricas, políticas e ideológicas de suas respectivas independências ainda influenciam fortemente as relações, e quem paga o preço são justamente os migrantes que tentam subir das regiões subsaarianas em direção à Espanha, escolhendo ou sendo forçados a escolher essa rota em busca de um futuro digno.
Longas caminhadas com os pés destruídos: a chegada de migrantes exaustos em Oujda
Alex Zappalà, diretor do Centro Missionário Diocesano de Concordia-Pordenone, lançou luz sobre uma realidade da qual pouco se fala e, em Popoli e Missione, contou a experiência de acompanhar, de 21 a 29 de abril, cerca de quinze jovens do grupo “Missio Giovani” a Oujda. Uma viagem de espiritualidade missionária em contato com a vida exausta de pessoas que aqui encontram um lugar para parar, cuidar-se e recomeçar. Uma viagem de conhecimento in loco depois de um ano de trabalho sobre os temas da acolhida e da migração, que fez redescobrir o verdadeiro sentido da missão: “estar com”, além de “fazer”.
Quando Alex e seus jovens chegaram a Oujda, cerca de 80 outros jovens africanos estavam presentes na casa dos Padres da Consolata. E imediatamente começou uma troca, uma escuta de histórias até mesmo “indizíveis”, de tanta dor. “Quase todos eles tinham vindo de quatro anos de caminhada, pelo deserto ou nas prisões da Líbia. Eles nos contaram sobre a violência, abusos visíveis em seus olhos. No entanto, também havia muita força e desejo de continuar o caminho para perseguir seu sonho. Poucos voltam atrás. Se voltam, é porque não têm mais dinheiro, por exemplo. Ou acham que seu sonho não está mais ao seu alcance. Há um constante ir e vir, diz Alex. Os missionários ficam ao lado dos migrantes, alimentam-nos e cuidam deles.
Eles chegam com as pernas destruídas e feridas. Os religiosos, que estão abertos para recebê-los 24 horas por dia, levam-nos ao hospital, se necessário. No ano passado, 3.800 pessoas passaram por aqui, 10% são mulheres e crianças. Em sua maioria, chegam meninos, menores desacompanhados e jovens. A maioria vem da Guiné Conakry, cerca de 60%. Depois, do Sudão do Sul, preferindo pegar a rota para o Marrocos a fim de evitar a Líbia. Eles também vêm de Camarões, Costa do Marfim, Mali, Chade e Burkina Faso. Alguns também vêm do Congo, Benin, Togo e Senegal. Aqueles que atravessaram a Líbia tentaram várias vezes, foram maltratados nas prisões, vítimas de todo tipo de abuso. Alguns tentaram a rota da Tunísia e, se não conseguiram, tentaram a rota pelo Marrocos, na esperança de chegar a Melilla, outra fronteira difícil entre a África e a Europa.

Novos encontros

Padre Mandondo: nós curamos as feridas e oferecemos um lugar para descansar
“Nosso trabalho é de testemunho cristão e substitui a falta de operadores capazes de realizar essa realidade de acolhida”, diz à Rádio Vaticano – Vatican News – o padre Patrick Mandondo, pároco de Saint Louis, responsável pela pastoral migratória no Centro Paroquial Accueil migrants Oujda (AMO). Originário da República Democrática do Congo, ele se especializou em teologia pastoral e mobilidade humana em Roma, onde foi ordenado sacerdote em 2020. Desde 2022, ele está no Marrocos, onde realiza, junto com seus dois coirmãos, este projeto assumido pela diocese de Rabat e iniciado por um padre local em 2018. É uma experiência muito rica e desafiadora”, conta ele, ‘temos poucos recursos, vivemos da providência e não temos possibilidades econômicas adequadas, considerando que esse é um projeto que exige muito dinheiro, até 300 mil euros por ano’. Ele explica como muitos meninos chegam com os pés arrebentados: “se você vier nos visitar um dia, verá isso com seus próprios olhos”.
Para os menores sozinhos, os missionários criaram um programa de alfabetização e, para os mais velhos, um programa profissional (eletricista, padeiro…). “Avaliamos caso a caso como ajudá-los”, diz Patrick, dessa cidade de trânsito onde, ele ressalta, não há estruturas de recepção, nem do Estado nem de associações. “Aqui a Igreja é realmente um hospital de campanha, como diz o Papa Francisco. É uma Igreja que está aberta ao sofrimento”. St Louis’ é a única paróquia em uma cidade de 600 mil habitantes, onde os cristãos não representam mais do que um por cento da população. “Nossa pequena comunidade é formada principalmente por jovens da África subsaariana que vieram para cá para estudar com bolsas de estudo do Marrocos. Eles assistem à missa dominical, quase cem deles, e durante a semana não os vemos porque estão ocupados com suas atividades. Portanto, realizamos o projeto com os migrantes, aplicando nosso carisma de missionários ad gentes. Para nós, a promoção humana é muito importante”. E ele insiste em descrever a fronteira entre os dois países, um fosso com dois muros, guardados por grandes forças policiais que frequentemente usam de violência contra aqueles que desejam atravessá-los.
Missionários desafiam as armadilhas e as chantagens do tráfico
“Eles nos contam as dificuldades pelas quais passaram, como atravessaram o deserto, como foram vendidos por traficantes, deportados para a floresta, abandonados a si mesmos, roubados de tudo, privados de comida e água. Eles contam essas recordações com lágrimas nos olhos”, continua Patrick, que insiste no trabalho arriscado que os religiosos fazem para salvar os migrantes das ameaças dos traficantes. “Fazemos um trabalho muito perigoso porque entramos nos bairros para libertar esses meninos que estão sendo abusados pelos mafiosos”. Ele conta que há pessoas dos dois lados da fronteira que pegam esses meninos que são vítimas de fato, do tráfico. “Eles são mercadorias, que valem cerca de 300 euros cada. Quando chegam ao Marrocos, são bloqueados nas ‘casas’ dos traficantes que, segundo Mandondo, começam a chantagear suas famílias de origem. O padre se lembra de uma vez em que quarenta meninos foram deixados em um quarto de três por quatro metros. Uma vez interceptados, os religiosos tentam mediar a situação, não sem o risco de serem espancados. “Isso acontece com frequência. No final, conseguimos”. O apelo que o pároco faz à comunidade internacional é para que não vejam a migração como um problema. “As pessoas não tentam saber por que as pessoas se mudam. Temos que ir à raiz dos problemas. Temos que dar dignidade.”

Vidas ceifadas

Zappalà: garantir canais regulares de migração
Zappalà insiste nesse compromisso de restaurar a dignidade perdida. “Isso nos deixou impressionados. Deveríamos criar, e isso não se aplica apenas à Itália, canais regulares pelos quais esses jovens possam ter uma chance”, enfatiza. “Não há vistos ou há muito poucos. Eles são pessoas em um tráfico que está causando morte após morte. Não podemos mais ficar em silêncio. Fechar-se por medo significa, antes de tudo, perder a riqueza do encontro com o outro”. E ele lembra como os jovens de 20 e 30 anos que ele guiou para Oujda puderam compartilhar os sonhos de seus colegas. “Um jovem entre eles, Jacob, com quatro anos de estrada, tem o sonho de ser chef. Ele não parava de sorrir enquanto nos contava o drama de seu caminho. No último dia, no momento de se despedir, ele tirou a camiseta com as cores de sua terra natal, Guiné Conacri, e a deu a uma garota do nosso grupo. “Quero que você não se esqueça”, disse a ela. Ela doou seu moletom, que era o da JMJ em Portugal. Desde então, existem canais de comunicação entre os jovens que se tornaram amigos.
A missão não é apenas “fazer”, é acima de tudo “estar presente
“Se perdermos a humanidade do outro, não teremos mais restrições para apertar um botão e fazer explodir tudo”, conclui Alex, resumindo o fruto mais precioso dessa viagem. “Partimos sem um projeto específico para fazer. Mas estávamos com eles. Muitas vezes associamos a palavra “missão” apenas à dimensão do “fazer”. Mas ‘ser’ é ainda mais valioso, mesmo quando não se pode fazer nada. Vivemos em uma parte do mundo em que fazemos tantas coisas, mas não temos tempo para estar com as pessoas. Nossos dias são pontuados, desde a mais tenra idade, por agendas lotadas. Perdemos o gosto de estar e falar uns com os outros, de encontrar os olhos uns dos outros”. Alex observa como a experiência na fronteira levou a uma redescoberta do profundo valor da humanidade. Não se trata de uma leitura “moderna” do Evangelho, isso sempre foi assim na época de Jesus, que pedia precisamente para “estar com”, para colocar a outra pessoa no centro, a fim de ter um olhar mais tenro. Que eles acreditem – é o seu desejo – que nesta parte do mundo não é verdade que só há pessoas que não querem você, mas que há pessoas que se abrem. O medo apenas distorce a verdade. Há uma parte do mundo em que ainda podemos confiar e que deve vencer de alguma forma: é o profumo do Reino sobre a qual Jesus nos falou”.

Novas esperanças

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Notícias

O Papa: muitos conflitos abertos, não ceder à lógica das armas

Francisco divulgou uma carta por ocasião dos 80 anos do voto de Pio XII e da cidade de Roma a Maria Salus Populi Romani durante a fúria da II Guerra Mundial. O Pontífice pede que o aniversário seja uma oportunidade para “meditar em torno do terrível flagelo da guerra”. Olhando para a Ucrânia, Oriente Médio, Sudão e Mianmar, exorta a ouvir os “gritos de terror e de sofrimento” que questionam a consciência de todos e a “trabalhar pela paz na Europa e no mundo”.
Mariangela Jaguraba- Vatican News
O Papa Francisco enviou uma carta ao vice-gerente da Diocese de Roma, dom Baldassarre Reina, por ocasião dos 80 anos do voto de Pio XII e da cidade de Roma ao ícone de Nossa Senhora conhecido como “Salus Populi Romani” durante a II Guerra Mundial.
O Pontífice une-se espiritualmente a toda a comunidade diocesana que celebra pela primeira vez a memória litúrgica da Salus Populi Romani, e recorda o voto que o povo de Roma e seu Pastor, Papa Pio XII, fez a Nossa Senhora em 4 de junho de 1944 para implorar a salvação da cidade, quando o confronto direto entre o exército alemão e os aliados anglo-americanos estava prestes a acontecer”, escreve o Papa no texto.
“A devoção ao antigo ícone conservado na Basílica de Santa Maria Maior está viva há séculos no coração dos romanos, que recorriam a ele para fazer súplicas e invocações, especialmente durante pragas, desastres naturais e guerras”, escreve ainda Francisco. “Os eventos marcantes da vida religiosa e civil de Roma eram registrados em frente a essa imagem. Portanto, não é de surpreender que o povo romano desejou confiar-se mais uma vez a Maria Salus Populi Romani enquanto a Urbe vivia o pesadelo da devastação nazista”, ressalta ainda o Papa.

Pio XII com os cidadãos romanos após o bombardeio do bairro de São Lourenço

Não ceder à lógica das armas
De acordo com Francisco, “oitenta anos depois, a lembrança desse acontecimento tão cheio de significado quer ser uma ocasião para rezar por aqueles que perderam a vida na II Guerra Mundial e para fazer uma meditação renovada sobre o tremendo flagelo da guerra”.
Muitos conflitos em diferentes partes do mundo ainda estão abertos hoje. Penso em particular na martirizada Ucrânia, na Palestina e Israel, no Sudão e Mianmar, onde as armas ainda fazem barulho e mais sangue humano continua sendo derramado.

“Esses são dramas que afetam inúmeras vítimas inocentes, cujos gritos de terror e sofrimento questionam a consciência de todos: não podemos e não devemos ceder à lógica das armas!”

O apelo de Paulo VI à ONU
O Pontífice recorda que “vinte anos após o fim da II Guerra Mundial, em 1965, o Papa São Paulo VI, falando na ONU, perguntou: ‘Será que o mundo chegará a mudar a mentalidade particularista e bélica que até agora teceu grande parte de sua história?'” Segundo Francisco, “essa pergunta, que ainda aguarda uma resposta, estimula todos a trabalhar concretamente pela paz na Europa e em todo o mundo”.

“A paz é um dom de Deus que também deve encontrar hoje corações dispostos a acolhê-lo e trabalhar para serem construtores da reconciliação e testemunhas da esperança.”

Ser construtor de paz
Francisco espera “que as iniciativas promovidas para comemorar o voto popular à Mãe de Deus, nos quatro lugares que foram protagonistas daquele acontecimento, possam reavivar nos romanos a intenção de serem construtores de uma verdadeira paz em todos os lugares, relançando a fraternidade como condição essencial para recompor conflitos e hostilidade”. “Pode ser construtor de paz”, ressalta o Papa, “quem a possui dentro de si e, com coragem e mansidão, se compromete em criar vínculos, em estabelecer relações entre as pessoas, em apaziguar as tensões na família, no trabalho, na escola, entre os amigos”.
O Pontífice conclui a carta, pedindo a Nossa Senhora Medianeira para que “obtenha para toda a humanidade o dom da concórdia e da paz” e confia “todos os habitantes de Roma, especialmente os idosos, os doentes, as pessoas sozinhas e em dificuldade, à intercessão materna da Salus Populi Romani”.

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Indonésia. Ilha de Flores ainda é uma “terra prometida” de vocações

“Em junho e julho estão programadas várias ordenações diaconais entre os vários institutos missionários. No domingo, 2 de junho, 48 foram ordenados diáconos Verbitas, que serão seguidos por outros 8 diáconos Carmelitas no dia 7 de junho, e 27 interdiocesanos (Dioceses de Maumere, Ende, Ruteng, Larantuka e Denpasar) no domingo, 9 de junho. A esses se seguirão as ordenações de cinco diáconos Camilianos no próximo dia 14 de julho, na festa de nosso fundador, São Camilo de Lellis”, conta Pe. Galvani
Vatican News

 

Em 1924 os vigários e prefeitos apostólicos encontraram-se pela primeira vez, para definir uma orientação comum sobre diversas questões da vida da Igreja e sobre a relação com as …

“Nesta época de final de ano letivo, estamos obtendo bons resultados vocacionais. Nós, Camilianos, tentamos nos manter em forma tanto quanto possível com muitas pequenas coisas boas para fazer, não apenas no campo vocacional, mas também com nossas iniciativas sociais e de caridade.”
É o que conta à agência missionária Fides o padre Luigi Galvani, pioneiro na Diocese de Maumere, na Indonésia, onde os Missionários Camilianos estão presentes em três dioceses com 4 seminários, dois centros sociais onde coordenam um programa de nutrição para 160 crianças pobres, apoio à distância para cerca de 20 estudantes merecedores, um projeto de “casas especiais” para libertar os doentes mentais de situações de opressão e, por fim, um modesto projeto de produção de água mineral e do sorvete “São Camilo”.
Ordenações diaconais entre os vários institutos missionários
“Em junho e julho – explica ele – estão programadas várias ordenações diaconais entre os vários institutos missionários. No domingo, 2 de junho, 48 foram ordenados diáconos Verbitas, que serão seguidos por outros 8 diáconos Carmelitas no dia 7 de junho, e 27 interdiocesanos (Dioceses de Maumere, Ende, Ruteng, Larantuka e Denpasar) no domingo, 9 de junho. A esses se seguirão as ordenações de cinco diáconos Camilianos no próximo dia 14 de julho, na festa de nosso fundador, São Camilo de Lellis”.
A mais católica das 17.000 ilhas do arquipélago indonésio

Em algumas áreas do país, que o Papa visitará em setembro, membros do clero local e de ordens religiosas masculinas e femininas moram por alguns dias em famílias católicas, …

“Nos próximos meses, haverá também as profissões religiosas de numerosos noviços e noviças dos vários institutos masculinos e femininos presentes na Diocese de Maumere, que, no momento, atingiram o número de 62 comunidades religiosas”.
“Todos esses resultados vocacionais encorajadores – conclui o missionário – certamente recompensam o empenho dos vários promotores, mas também são um testemunho da fé e do espírito missionário de centenas e centenas de famílias na ilha de Flores, que continua sendo a mais católica das 17.000 ilhas do arquipélago indonésio. Talvez seja também por isso que Flores é chamada de “terra prometida” de vocações.
(com Fides)

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África Central, quando uma Porta Santa se abriu para o mundo

O Jubileu Extraordinário da Misericórdia, em 2015, foi aberto em um lugar sem precedentes, longe do coração cristão do mundo, a Basílica de São Pedro, mas dentro do coração do Papa Francisco, em Bangui. O cardeal Dieudonné Nzapalainga, então arcebispo da capital da África Central, revive aquele dia memorável e o significado benéfico que a visita do Pontífice produziu ao longo do tempo.
Maria Milvia Morciano e Jean Charles Putzolu – Vatican News
É tarde e a noite se prepara lentamente para chegar, tingindo o céu de rosa e dourado. A porta da Catedral de Notre-Dame em Bangui se abre, empurrada por duas mãos firmes. A figura de Francisco está de pé, vigorosa. Muitos anos se passaram desde aquele 29 de novembro de 2015, o primeiro dia do Advento e a data de início do Jubileu Extraordinário da Misericórdia, que foi inaugurado, antecipadamente, em um lugar igualmente extraordinário, na capital da África Central. Pela primeira vez na história, a abertura da Porta Santa não se realiza na Basílica de São Pedro, no túmulo do Apóstolo, no centro do mundo cristão, mas em um lugar remoto, para muitos desconhecido.
Capital espiritual
A África Central é um dos países mais sangrentos e divididos do mundo. O Papa o escolheu justamente por esse motivo, para levar misericórdia e uma mensagem de paz a uma “terra que está sofrendo há vários anos com a guerra e o ódio, a incompreensão e a falta de paz. Mas nessa terra sofrida há também todos os países que estão passando através da cruz da guerra. Bangui se torna a capital espiritual da oração pela misericórdia do Pai. Todos nós pedimos paz, misericórdia, reconciliação, perdão, amor. Por Bangui, por toda a República Centro-Africana, por todo o mundo, pelos países que estão sofrendo com a guerra, pedimos paz!”, disse o Papa na praça da igreja, depois de sair de um papamóvel, desprovido de qualquer proteção contra possíveis perigos, onde o imã também concordou em se sentar.
Um gesto universal compreendido por todos
Uma tradição antiga é transferida para um país jovem. O significado de abrir a Porta Santa e cruzar o limiar está enraizado em um simbolismo ancestral que, em Bangui, se ramifica e dá novos frutos. Ele está revestido de futuro. O gesto do Papa Francisco foi revolucionário porque, em um lugar fechado, cheio de barreiras, ele abre uma porta para a esperança, convida as pessoas a entrarem para encontrar misericórdia e paz, para encontrar Cristo e serem transformadas. Ele traduz de forma cristã uma metáfora compreensível para todos, em qualquer lugar do mundo, de qualquer tradição, religião, experiência e história. Todos entendem que se trata de um rito de passagem fundamental e sagrado.
A linha de fronteira, o limes latim, ponto final, fechamento, é transformada em limen, limiar, abertura. Talvez não seja coincidência o fato de duas palavras opostas conterem a mesma raiz, mas é interessante lembrar o fato de que, na linguagem eclesiástica, a “visitatio ad limina apostolorum” é a visita dos peregrinos aos túmulos dos apóstolos Pedro e Paulo, que remonta aos primeiros séculos da Igreja, mais tarde estendida aos bispos. Tudo fala de Jubileu.
Portas Santas em toda parte
Naquele ano de Misericórdia, muitas Portas Santas foram abertas em todo o mundo, quase um sistema solar composto por milhares de estrelas brilhantes espalhadas pela Terra, mesmo nos lugares mais remotos. Foi uma grande oportunidade, um presente dado a todos, mesmo àqueles que, por vários motivos, não podiam se locomover e viajar. Foi um jubileu extraordinário que pôde ser vivenciado em todas as igrejas locais, permitindo que aqueles que quisessem vivenciar plenamente o evento, fazer a peregrinação e atravessar a Porta da Misericórdia em sua própria diocese.
Uma esperança que vem de Roma
O cardeal Dieudonné Nzapalainga, então arcebispo de Bangui, é um dos intérpretes nodais de seu país. Sua história é de fé e de uma árdua “luta pela paz”, lembrando o título de seu livro na versão italiana, publicado pela Livraria Editora Vaticana em 2022. O cardeal centro-africano compartilhou com a mídia vaticana, aos microfones de Jean Charles Putzolu, a memória daqueles dias e as consequências benéficas da visita do Papa à África Central.
Gostaria de levá-los de volta ao dia 29 de novembro de 2015, o primeiro domingo do Advento, quando o Papa Francisco abriu a Porta Santa do Jubileu da Misericórdia. Foi em Bangui, na República Centro-Africana, portanto, em seu país: uma tradição muito antiga chegando a um país jovem. Em sua opinião, qual foi o significado desse gesto para todos os centro-africanos?
É um gesto único na história não apenas da Igreja universal, mas também da nossa Igreja.
Porque nós, centro-africanos, diante da violência, do sofrimento e da morte, encontrando-nos vivendo em um estado de absurdo, sentimos a esperança que veio de Roma por meio do homem de Deus, o Papa, que veio para aplacar, para trazer paz, tranquilidade e perdão, para trazer reconciliação, convidando nós, centro-africanos, a abrir as portas de nossos corações, cheios de ódio, rancor e vingança, para que pudéssemos nos enfrentar. É por isso que ele mesmo disse para depormos nossas armas: “leve a justiça, leve o amor”. Acredito que seu gesto será sempre lembrado aqui na República Centro-Africana. Muçulmanos, protestantes, católicos, todos nós somos unânimes em dizer que sua chegada foi salutar.
E o Papa de fato chegou. Ela se lembrou dessa mensagem, desse chamado para depor as armas. Havia uma enorme tensão até quase dois dias antes de sua chegada a Bangui. Houve mais tensão desde então? Essa mensagem foi ouvida? A mensagem do Papa foi ouvida e atendida? As armas ficaram em silêncio?
Acho que a mensagem foi ouvida. Passamos seis meses desde a partida do Papa como se estivéssemos em um país normal, algo impensável até dois dias antes de sua chegada. Sua chegada aliviou a pressão. Vimos muçulmanos saindo de seus enclaves para se juntarem a seus irmãos e irmãs católicos no estádio, para participar da grande celebração. As pessoas iam e vinham. O Km 5 [marco 5] era considerado um local onde havia muitas armas e, portanto, não se podia entrar. Mas fui até lá com os cristãos para acompanhar o Papa, dizendo aos muçulmanos: “vamos caminhar juntos!”
O Papa veio de Roma para a República Centro-Africana, os cristãos de Bangui deixaram nossos bairros para ir ao encontro de nossos irmãos, caminhando pela paz. Bem, nós marchamos e continuamos a fazê-lo desde aquele dia. Um líder rebelde nos disse que deveríamos conversar sobre espiritualidade com os imãs. Os imãs organizaram uma grande reunião para pedir aos líderes rebeldes que depusessem suas armas e muita coisa mudou desde então. Isso também foi resultado da visita do Papa.
Os imãs realizaram um grande encontro para pedir aos líderes rebeldes que deponham as armas e isso mudou muito. Esse também foi o resultado da visita do Papa, que nos deu um empurrão, nos fez recomeçar e agora estamos vendo os resultados. Hoje as armas não circulam mais como antes.
Em sua opinião, quais foram os outros frutos desse evento?
Foram os encontros entre jovens muçulmanos e jovens cristãos. Encontros bastante regulares entre mulheres muçulmanas e mulheres cristãs, e entre nós, líderes. Há pouco tempo, em março, uma mesquita a 250 quilômetros daqui foi vandalizada. O imã, o pastor protestante e eu falamos ao coração de nossos fiéis para desarmá-los e convidá-los a cooperar, respeitar, valorizar e respeitar o local. Esse, em minha opinião, é o fruto dessa passagem. Agora também pedimos que a justiça seja feita. Isso significa que aqueles que perderam suas casas devem poder recuperá-las, o que significa que aqueles que moram na casa do vizinho há muito tempo devem ter a gentileza de sair. E nós, líderes religiosos, trabalhamos com o coração. Há alguns que saem para deixar a casa para os proprietários sem passar pelos tribunais ou pelo Estado. Portanto, acho que isso também é proveitoso. Agora os corações estão dispostos e podemos conversar, podemos imaginar um futuro comum.
Quando o senhor diz que eles saem de casa, é porque eles realmente a devolvem ao seu legítimo proprietário, certo?
Exatamente isso.
Em um nível mais pessoal, Vossa Eminência, quais são suas lembranças mais fortes e talvez mais vívidas daquele período?
A lembrança mais vívida é a de entrar no quilômetro 5 dois dias antes: era impossível atravessar o posto de controle. Eu estava lá. Vi com meus próprios olhos: o Papa escolheu ir em um veículo não blindado, mas em campo aberto. Todos sabiam que havia muitas armas no local. Francisco teve a coragem de ir até lá e vimos que o imã também concordou em ir no papamóvel. Essa é a imagem mais forte. Quando saí para ir ao estádio, vi muçulmanos saindo em massa, arriscando suas vidas. Foi sua fé que os levou a sair. Um imã nos disse: ‘O Papa não veio para vocês, cristãos, mas para nós, muçulmanos. Estávamos no enclave, estávamos na escravidão. Ele nos libertou!”
Eminência, uma última pergunta: o senhor se tornou inseparável do Imã… entre cristãos e muçulmanos e também com os protestantes. Vocês realizam iniciativas juntos quase diariamente. Esse é outro fruto. É claro que é o resultado de seu trabalho, mas também é o resultado da visita do Papa…
A visita do papa nos confortou, incentivou e apoiou nesse trabalho. E fomos nós três que pedimos a ele que viesse à República Centro-Africana. Acho que todos nós somos gratos a ele. Esse é o fruto de sua passagem.
O Jubileu de 2025. Como estão se preparando para ele?
O Jubileu de 2025 é um momento importante para a Igreja. Bem, já estão sendo criados grupos aqui para refletir, orar, reunir-se e também para ver como, localmente, viveremos esse momento. Este ano celebraremos 130 anos de evangelização na República Centro-Africana e, ao mesmo tempo, estaremos caminhando para 2025, que está logo ali, e estamos trabalhando em ambos. Portanto, acho que há muito entusiasmo. Eu estava com um grupo de jovens que se encontrava na igreja em massa e dissemos uns aos outros: este é um momento importante porque é um momento de graça, mas também é um momento complicado e elevado. Não podemos deixar passar esse momento favorável.

O cardeal Dieudonné Nzapalainga

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