Notícias

Espaços migrantes e comunidades lusófonas

Surgiu para dar um contributo ético-político ao debate sobre as migrações e estudar cientificamente as conexões socioculturais que esse fenómeno gera. Foram estes os motivos que levaram ao colóquio “Espaços migrantes e comunidades lusófonas: viver e narrar o contato entre culturas na contemporaneidade”, realizado nos dias 15 e 16 de fevereiro de 2024, na Universidade La Sapienza de Roma.
Dulce Araújo – Vatican News
A convite dos principais organizadores – professor Simone Celani, Giada Polo e Greta Usai (doutorandas) o colóquio reuniu vários docentes universitários da Itália e de Portugal que trouxeram a lume aspetos culturais, linguísticos, literários, históricos e atuais que pessoas, de um modo ou doutro, relacionadas com a língua portuguesa, levaram para onde emigraram e onde tudo sofreu transformações. Um colóquio um bocado íntimo (com um público não muito amplo), mas que deixou as portas abertas para outros do género; refrescou também aquela pedagogia do Outro, que vem sendo levado a cabo desde há décadas e que, no dizer de alguns oradores, tarda a dar frutos. Mas, este colóquio insistiu sobre isso, numa ótica ético-humana-científica, pois, por detrás de tudo estão pessoas – afirma o Professor Celani. E para evitar que se estude tudo em abstrato, o colóquio incluiu no seu programa uma mesa redonda com duas figuras de relevo da comunidade cabo-verdiana em Roma: Maria de Lourdes de Jesus e Jorge Alves Canifa. Alías, o primeiro dia do colóquio teve como foco comunidades cabo-verdianas em várias partes do mundo, mormente Itália, Estados Unidos, Portugal, são Tomé e Príncipe. E as conclusões não podiam senão demonstrar a transversalidade e as conexões complexas e intrínsecas entre migrações, cultura, língua, literatura, etc. 
O Programa Português (África) da Rádio Vaticano acompanhou alguns momentos do colóquio, tendo recolhido depoimentos junto de vários participantes e que deram origem ao programa “África em Clave Cultural: personagens e eventos” do dia 29 de fevereiro, cujo podcast aqui fica disponível. Ele integra também a crónica de Filinto Elísio (poeta, ensaísta, cofundador e cogestor da Rosa de Porcelana Editora) sobre migrações e cultura. 

Dada a riqueza de cada uma das breves entrevistas realizadas com alguns dos participantes, achamos oportuno disponibilizá-las na íntegra nesta plataforma.
O professor Simone Celani – Docente de Línguas e Traduções Portuguesa e Brasileira na Universidade La Sapienza de Roma, explica as razões do colóquio, a sua satisfação pelos resultados e fala da sua comunicação sobre “O romance das roças: história, ética, política e poética dos serviçais cabo-verdianos em São Tomé”, um tema pouco estudado, mas que, a seu ver, tem muito a revelar. 

Giada Polo refere, por sua vez, como ela e a colega Greta Usai tiveram a ideia do colóquio, que foi logo acolhida e apoiada pelo Professor Celani. Ela considera fundamental terem realizado a mesa redonda sobre a comunidade cabo-verdiana em Roma, cuja língua e vivência está a estudar, algo que já a levou a compreender que para essa comunidade, mais do que o português, é fundamental a língua crioula, em todas as suas variantes. 

Prof. Giorgio de Marchis com a escritora ítalo-somali, Igiaba Scego

O professor Giorgio de Marchis, do Departamento de Línguas, Literaturas e Culturas Estrangeiras, Coordenador da Cátedra Agostinho Neto, na Universidade Roma Tre, falou sobre “A cafraelização como Regresso às Trevas”, um tema aparentemente fora do contexto do colóquio, mas que revela um outro sentido da migração em tempos e na ótica salazarista. 

A professora Maria da Graça Gomes de Pina, Leitora de Português na Universidade L’Orientale de Nápoles e Professora contratada na Universidade de Pádua, fez uma comunicação sobre “Cabral Ka Mori”: cruzamentos socio-musicais nas culturas portuguesa e crioula” em que mostrou como os jovens através do Rap fazem seus os ensinamentos de Amílcar Cabral e protestam contra os males da sociedade.

Professora Maria da Graça Gomes de Pina (no centro)

Da Universidade de Génova participou o professor Roberto Francavilla que, em volta do tema “Raízes míticas ou epos? O dilema da memória nas literaturas cabo-verdianas” levou a percorrer historicamente a visão dos primeiros cabo-verdianos chegados à Nova Inglaterra (Estados Unidos) através da pesca da baleia. Uma história diferente dos outros descendentes da África para lá levados como escravos e que tem a ver com a epopeia dos cabo-verdianos. 

Na mesa redonda sobre a comunidade cabo-verdiana, destacamos a intervenção de Jorge Alves Canifa, escritor que, de forma emocionante, falou dos primeiros anos da sua infância em Cabo Verde e do seu percurso em Itália a partir dos 6 anos de idade; enfrentou também a sua relação inicial, um pouco traumática, com a língua italiana, o papel da mãe na sua inserção escolar, a proibição de falar a língua crioula, até a voltar a descobrir, tal como figuras da cultura e literatura de Cabo Verde quando entrou para a Universidade. Explica ainda as razões que o levaram a cimentar a sua escrita na língua italiana, temperando-a, todavia, com a cabo-verdianidade. Hoje, na época dos social media a relação dos jovens cabo-verdianos na diáspora com o criou é diferente do passado: não temem falá-lo, nem escreve-lo. Embora considere a língua um fator importante da cabo-verdianidade e denominador comum dos cabo-verdianos onde quer que estejam, Canifa se interroga se é a única, e concluir que para os jovens da diáspora são também importantes todas aquelas imagens culturais (cachupa, grog, batuque…) e figuras como Cesária Évora e outras que levam logo o pensamento a Cabo Verde.
Eis, em italiano, como resumiu, para a Rádio Vaticano, a sua intervenção no colóquio. 

Professora Sonia Netto (centro) com outras intervenientes no Colóquio

O Colóquio contou também, no primeiro dia, com a intervenção da professora Fernanda Pratas (da Universidade de Lisboa) que abordou “Língua(s) e identidade entre nós Cabo-Verdianos em Nova Inglaterra”; com a comunicação da Drª Giada Polo (da Universidade La Sapienza de Roma) que ponderou a questão “Cabo-verdiano spadjado na mundo”: melodias de proximidade na diáspora cabo-verdiana”.
O certame fez também, no segundo dia, recortes sobre “Relatos do Brasil na ficção e no jornalismo contemporâneo à luz da emigração: de Luiz Ruf a José Agualusa”, pela professora Sonia Netto Salomão (da Universidade La Sapienza de Roma), “Sertão, terra de fuga e resistência: representações literárias de retirantes e quilombolas”, pela professora Michela Graziosi (da Universidade La Sapienza de Roma – Cátedra Vieira). Num outro painel, a professora Ana Paula Coutinho (da Universidade do Porto) abordou “(In)visibilidades das diásporas” e a Drª Greta Usai (da Universidade do Porto e da Universidade La Sapienza de Roma) interpôs o tema “A terceira margem do Atlântico: os portugueses e os Estados Unidos nas histórias de J. R. Miguéis e Onésimo T. Almeida”.
Para além do Departamento de Estudos Europeus, Americanos e Interculturais da Universidade La Sapienza, o colóquio teve o apoio da Cátedra P. António Vieira, Centro Internacional de Estudos sobre a Língua Poruguesa e as Culturas Lusófonas e da AISPEB, Associação Italiana de Estudos Portugueses e Brasileiros. 
Fotos: cortesia de Giada Polo. 
 
 

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Mais Vistos

Sair da versão mobile