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Funerais de soldados, nosso maior desafio, diz sacerdote ucraniano

Padre Roman Mykievych, pároco de Tysmenytsia, no oeste do país, descreve a mistura de dor e fé que os sacerdotes experimentam quando os soldados que morreram no front regressam às suas localidades: ajudamos as famílias a encontrar conforto, mas também nos apoiamos entre nós, sacerdotes. E às vésperas da celebração da Páscoa no domingo: para nós não é só uma festa, é tudo. “Onde está Cristo ressuscitado, a morte foge”
Svitlana Dukhovych – Cidade do Vaticano
“Para nós a Páscoa não é somente uma tradição ou uma celebração. Para nós a Páscoa é tudo. E enquanto celebrarmos e vivermos a Páscoa e a Ressurreição desta forma, estou certo de que nem a morte terá acesso a nós”, afirma o sacerdote greco-católico ucraniano Pe. Roman Mykievych, pároco de Tysmenytsia, na Arquieparquia de Ivano-Frankivsk, localizada no oeste da Ucrânia.
A consciência desta festa – que uma parte dos católicos orientais celebra este ano no dia 5 de maio junto com os cristãos ortodoxos –  como centro da vida cristã, sempre esteve presente entre os fiéis na Ucrânia, mas com a guerra tornou-se uma forma de viver, para poder enfrentar a morte de tantas pessoas, também jovens, quer entre os civis, quer entre os militares.

Padre Roman Mykievych durante um funeral

O acompanhamento de quem está em luto começa no funeral
 
Para os sacerdotes ucranianos, os funerais dos militares mortos na guerra são um dos maiores desafios neste tempo de grande provação, que começou em 24 de fevereiro de 2022.
Pe. Roman, que também está à frente do decanato que reúne 17 paróquias, comenta: “Pensem que das dezessete paróquias aqui, apenas uma não teve funeral de soldados que perderam a vida no front. Todas as outras paróquias tiveram funerais, algumas tiveram mais de dez. Aqui, em Tysmenytsia, na minha paróquia, tive cinco funerais de soldados e no nosso decanato já houve até trinta deles.”
Para dar o apoio à família no enfrentamento da tragédia, procura-se organizar o funeral da forma mais solene possível: participam os militares, os representantes da autoridade local e todos os sacerdotes do decanato.
“Trata-se de experiências e perdas muito difíceis – explica o sacerdote – e é muito importante dar apoio espiritual à família, às pessoas que as vivenciam. E esse apoio começa justamente no funeral, com a presença de um sacerdote. Quando estás no funeral, acompanhas a família na última despedida do falecido, guias a procissão, então essas pessoas parecem se tornar a tua família, elas começam a confiar mais em ti, elas se aproximam da Igreja, e depois no funeral as encontra na cidade ou vai visitá-las, elas ficam tão felizes em te receber e querem sempre estar contigo para conversar, para expressar sua tristeza, para chorar. Mesmo as pessoas que antes raramente iam à igreja começaram a ir depois da morte do filho, tornaram-se parte de uma família.”

Soldados ucranianos carregam os caixões de militares ucranianos durante um funeral na Igreja dos Santos Pedro e Paulo Garrison em Lviv, em 2 de maio de 2024.

Ajudá-los a encontrar forças para viver
 
Padre Mykievych afirma que não é a mesma coisa se um sacerdote não participa ao funeral e chega somente mais tarde para oferecer o seu apoio e ajuda à família enlutada. “A eles não serve para nada: perderam os seus entes queridos, o que lhes era mais precioso, e não há mais nada para consolá-los. Não se pode remediar – explica – com algum tipo de ajuda material, mesmo que isso seja importante, mas isso cabe ao Estado.
Um sacerdote, por outro lado, deve dar às pessoas a força para viver. Isso é muito importante hoje: dar às pessoas a força para viver, porque as pessoas estão perdendo a vontade de viver e isso é muito perceptível. As pessoas se lamentam, algumas dizem que estão deprimidas, outras dizem que não veem perspectivas, outras ainda dizem que têm medo. Ou seja, as pessoas perdem a força para viver e não sabem onde encontrá-la. Assim, quando um sacerdote vai falar com elas, isso ajuda. Aqui os sacerdotes usufruem de autoridade, no nosso país o sacerdote é o primeiro psicólogo. Se vais a uma paróquia e perguntas a uma família que perdeu um filho ou um marido: “Com quem você gostaria de conversar? De quem quereis receber consolação?”, provavelmente responderiam: “Do nosso sacerdote”.”

Padre Roman Mykievych, sacerdote greco-católico ucraniano, durante celebração de funeral

A colegialidade vivida
 
Os funerais dos soldados são uma experiência muito difícil para os sacerdotes. Padre Roman, como decano, preside todos os funerais no seu decanato. Até agora já foram mais de trinta.
“Quando te vês diante do corpo sem vida de um jovem – observa padre Roman – pensas que talvez deveria ter sido tu a estar lá, percebes que se aquele homem não tivesse combatido, quem sabe não estarias mais aqui, vivendo e andando nesta terra… Bem, é como se ele tivesse ido no teu lugar, te salvado e morrido. E esse sentimento é muito doloroso e com tudo isso também precisas confortar os outros, consolá-los, não apenas enfrentar os teus próprios sentimentos. Então tens que ter força para fazer tudo isso.”
O sacerdote greco-católico sublinha que sem a Eucaristia, sem a oração, não conseguiria enfrentar estas situações. E, certamente, outro elemento essencial é a ajuda recíproca entre os sacerdotes: “Quando somos muitos é mais fácil, porque nos apoiamos mutuamente. Houve ocasiões em que, por exemplo, a mãe de um soldado falecido sentiu-se mal durante um funeral. Então chegou uma ambulância, os médicos imediatamente prestaram socorro. Suspendemos o funeral por um tempo e os seminaristas convidados começaram a cantar canções religiosas para esperar a recuperação da mãe. Houve momentos difíceis… Então essa situação fica diante dos seus olhos o dia todo. Então você precisa ter força espiritual para enfrentar isso.”

Parentes e amigos do falecido militar ucraniano comparecem ao seu funeral na Catedral de St. Mykhailivsky em Kiev, Ucrânia, 19 de abril de 2024. EPA/SERGEY DOLZHENKO

Experiências que tocam de perto
 
Segundo o sacerdote ucraniano, nestes casos a colegialidade e a eclesialidade são muito importantes e não são conceitos abstratos: um sacerdote precisa sentir o apoio concreto de outros sacerdotes, da Igreja.
“Quando há funeral de um dos nossos soldados, o pároco escreve no nosso grupo social e pede sacerdotes do decanato: “Queridos irmãos, por favor venham apoiar a mim e à família do soldado caído”. Porque se o sacerdote ficasse sozinho em um funeral assim, seria muito difícil para ele. E aquele sacerdote também pede: “Assinalem aqueles que podem vir, para que eu tenha certeza”. E é muito importante que aquele pároco saiba que pode contar com a presença dos outros sacerdotes, porque se trata de seu paroquiano falecido. Sei disso por experiência própria, vivida quando meu vizinho da casa do outro lado da rua morreu. Quando presidi aos funerais dos soldados, por exemplo nos povoados vizinhos, não os conhecia pessoalmente, mas aqui na minha paróquia quando trouxeram do front o meu vizinho … conhecia-o de muitos anos, sempre o encontrava… E nesse momento te vem uma tristeza muito grande, durante a pregação a voz muda, em certos momentos sentes vontade de chorar porque vês uma pessoa conhecida naquele caixão”.

Veneração da Plashchanytsia (mortalha) na tradição bizantina ucraniana.

A Páscoa é tudo
 
Neste contexto, a celebração da Páscoa torna-se o centro da vida. “Para nós a Páscoa não é apenas uma tradição ou uma celebração. Para nós a Páscoa é tudo. Aqui nós – sublinha Padre Roman – não precisamos explicar ao nosso povo o que é a Páscoa. Para eles é o ápice de tudo, é sagrado. Mesmo que alguém não vá à igreja durante todo o ano, ir venerar Plashchanytsia [ndr – ícone representa Cristo depois que ele foi retirado da cruz] ou abençoar paska [ndr, o pão preparado na Ucrânia para a Páscoa] é sagrado. Antes da Páscoa muitas pessoas também se confessam. Portanto este acontecimento da Páscoa e da Ressurreição é um acontecimento muito sério para o nosso povo. Acho que isso está nos salvando, quer psicologicamente, mas também realmente, de todos os tipos de problemas. Porque onde está Cristo ressuscitado, a morte vai embora. E penso que a morte não tem acesso a nós e não tem poder enquanto vivermos verdadeiramente a Páscoa.”

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O Papa: muitos conflitos abertos, não ceder à lógica das armas

Francisco divulgou uma carta por ocasião dos 80 anos do voto de Pio XII e da cidade de Roma a Maria Salus Populi Romani durante a fúria da II Guerra Mundial. O Pontífice pede que o aniversário seja uma oportunidade para “meditar em torno do terrível flagelo da guerra”. Olhando para a Ucrânia, Oriente Médio, Sudão e Mianmar, exorta a ouvir os “gritos de terror e de sofrimento” que questionam a consciência de todos e a “trabalhar pela paz na Europa e no mundo”.
Mariangela Jaguraba- Vatican News
O Papa Francisco enviou uma carta ao vice-gerente da Diocese de Roma, dom Baldassarre Reina, por ocasião dos 80 anos do voto de Pio XII e da cidade de Roma ao ícone de Nossa Senhora conhecido como “Salus Populi Romani” durante a II Guerra Mundial.
O Pontífice une-se espiritualmente a toda a comunidade diocesana que celebra pela primeira vez a memória litúrgica da Salus Populi Romani, e recorda o voto que o povo de Roma e seu Pastor, Papa Pio XII, fez a Nossa Senhora em 4 de junho de 1944 para implorar a salvação da cidade, quando o confronto direto entre o exército alemão e os aliados anglo-americanos estava prestes a acontecer”, escreve o Papa no texto.
“A devoção ao antigo ícone conservado na Basílica de Santa Maria Maior está viva há séculos no coração dos romanos, que recorriam a ele para fazer súplicas e invocações, especialmente durante pragas, desastres naturais e guerras”, escreve ainda Francisco. “Os eventos marcantes da vida religiosa e civil de Roma eram registrados em frente a essa imagem. Portanto, não é de surpreender que o povo romano desejou confiar-se mais uma vez a Maria Salus Populi Romani enquanto a Urbe vivia o pesadelo da devastação nazista”, ressalta ainda o Papa.

Pio XII com os cidadãos romanos após o bombardeio do bairro de São Lourenço

Não ceder à lógica das armas
De acordo com Francisco, “oitenta anos depois, a lembrança desse acontecimento tão cheio de significado quer ser uma ocasião para rezar por aqueles que perderam a vida na II Guerra Mundial e para fazer uma meditação renovada sobre o tremendo flagelo da guerra”.
Muitos conflitos em diferentes partes do mundo ainda estão abertos hoje. Penso em particular na martirizada Ucrânia, na Palestina e Israel, no Sudão e Mianmar, onde as armas ainda fazem barulho e mais sangue humano continua sendo derramado.

“Esses são dramas que afetam inúmeras vítimas inocentes, cujos gritos de terror e sofrimento questionam a consciência de todos: não podemos e não devemos ceder à lógica das armas!”

O apelo de Paulo VI à ONU
O Pontífice recorda que “vinte anos após o fim da II Guerra Mundial, em 1965, o Papa São Paulo VI, falando na ONU, perguntou: ‘Será que o mundo chegará a mudar a mentalidade particularista e bélica que até agora teceu grande parte de sua história?'” Segundo Francisco, “essa pergunta, que ainda aguarda uma resposta, estimula todos a trabalhar concretamente pela paz na Europa e em todo o mundo”.

“A paz é um dom de Deus que também deve encontrar hoje corações dispostos a acolhê-lo e trabalhar para serem construtores da reconciliação e testemunhas da esperança.”

Ser construtor de paz
Francisco espera “que as iniciativas promovidas para comemorar o voto popular à Mãe de Deus, nos quatro lugares que foram protagonistas daquele acontecimento, possam reavivar nos romanos a intenção de serem construtores de uma verdadeira paz em todos os lugares, relançando a fraternidade como condição essencial para recompor conflitos e hostilidade”. “Pode ser construtor de paz”, ressalta o Papa, “quem a possui dentro de si e, com coragem e mansidão, se compromete em criar vínculos, em estabelecer relações entre as pessoas, em apaziguar as tensões na família, no trabalho, na escola, entre os amigos”.
O Pontífice conclui a carta, pedindo a Nossa Senhora Medianeira para que “obtenha para toda a humanidade o dom da concórdia e da paz” e confia “todos os habitantes de Roma, especialmente os idosos, os doentes, as pessoas sozinhas e em dificuldade, à intercessão materna da Salus Populi Romani”.

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Indonésia. Ilha de Flores ainda é uma “terra prometida” de vocações

“Em junho e julho estão programadas várias ordenações diaconais entre os vários institutos missionários. No domingo, 2 de junho, 48 foram ordenados diáconos Verbitas, que serão seguidos por outros 8 diáconos Carmelitas no dia 7 de junho, e 27 interdiocesanos (Dioceses de Maumere, Ende, Ruteng, Larantuka e Denpasar) no domingo, 9 de junho. A esses se seguirão as ordenações de cinco diáconos Camilianos no próximo dia 14 de julho, na festa de nosso fundador, São Camilo de Lellis”, conta Pe. Galvani
Vatican News

 

Em 1924 os vigários e prefeitos apostólicos encontraram-se pela primeira vez, para definir uma orientação comum sobre diversas questões da vida da Igreja e sobre a relação com as …

“Nesta época de final de ano letivo, estamos obtendo bons resultados vocacionais. Nós, Camilianos, tentamos nos manter em forma tanto quanto possível com muitas pequenas coisas boas para fazer, não apenas no campo vocacional, mas também com nossas iniciativas sociais e de caridade.”
É o que conta à agência missionária Fides o padre Luigi Galvani, pioneiro na Diocese de Maumere, na Indonésia, onde os Missionários Camilianos estão presentes em três dioceses com 4 seminários, dois centros sociais onde coordenam um programa de nutrição para 160 crianças pobres, apoio à distância para cerca de 20 estudantes merecedores, um projeto de “casas especiais” para libertar os doentes mentais de situações de opressão e, por fim, um modesto projeto de produção de água mineral e do sorvete “São Camilo”.
Ordenações diaconais entre os vários institutos missionários
“Em junho e julho – explica ele – estão programadas várias ordenações diaconais entre os vários institutos missionários. No domingo, 2 de junho, 48 foram ordenados diáconos Verbitas, que serão seguidos por outros 8 diáconos Carmelitas no dia 7 de junho, e 27 interdiocesanos (Dioceses de Maumere, Ende, Ruteng, Larantuka e Denpasar) no domingo, 9 de junho. A esses se seguirão as ordenações de cinco diáconos Camilianos no próximo dia 14 de julho, na festa de nosso fundador, São Camilo de Lellis”.
A mais católica das 17.000 ilhas do arquipélago indonésio

Em algumas áreas do país, que o Papa visitará em setembro, membros do clero local e de ordens religiosas masculinas e femininas moram por alguns dias em famílias católicas, …

“Nos próximos meses, haverá também as profissões religiosas de numerosos noviços e noviças dos vários institutos masculinos e femininos presentes na Diocese de Maumere, que, no momento, atingiram o número de 62 comunidades religiosas”.
“Todos esses resultados vocacionais encorajadores – conclui o missionário – certamente recompensam o empenho dos vários promotores, mas também são um testemunho da fé e do espírito missionário de centenas e centenas de famílias na ilha de Flores, que continua sendo a mais católica das 17.000 ilhas do arquipélago indonésio. Talvez seja também por isso que Flores é chamada de “terra prometida” de vocações.
(com Fides)

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África Central, quando uma Porta Santa se abriu para o mundo

O Jubileu Extraordinário da Misericórdia, em 2015, foi aberto em um lugar sem precedentes, longe do coração cristão do mundo, a Basílica de São Pedro, mas dentro do coração do Papa Francisco, em Bangui. O cardeal Dieudonné Nzapalainga, então arcebispo da capital da África Central, revive aquele dia memorável e o significado benéfico que a visita do Pontífice produziu ao longo do tempo.
Maria Milvia Morciano e Jean Charles Putzolu – Vatican News
É tarde e a noite se prepara lentamente para chegar, tingindo o céu de rosa e dourado. A porta da Catedral de Notre-Dame em Bangui se abre, empurrada por duas mãos firmes. A figura de Francisco está de pé, vigorosa. Muitos anos se passaram desde aquele 29 de novembro de 2015, o primeiro dia do Advento e a data de início do Jubileu Extraordinário da Misericórdia, que foi inaugurado, antecipadamente, em um lugar igualmente extraordinário, na capital da África Central. Pela primeira vez na história, a abertura da Porta Santa não se realiza na Basílica de São Pedro, no túmulo do Apóstolo, no centro do mundo cristão, mas em um lugar remoto, para muitos desconhecido.
Capital espiritual
A África Central é um dos países mais sangrentos e divididos do mundo. O Papa o escolheu justamente por esse motivo, para levar misericórdia e uma mensagem de paz a uma “terra que está sofrendo há vários anos com a guerra e o ódio, a incompreensão e a falta de paz. Mas nessa terra sofrida há também todos os países que estão passando através da cruz da guerra. Bangui se torna a capital espiritual da oração pela misericórdia do Pai. Todos nós pedimos paz, misericórdia, reconciliação, perdão, amor. Por Bangui, por toda a República Centro-Africana, por todo o mundo, pelos países que estão sofrendo com a guerra, pedimos paz!”, disse o Papa na praça da igreja, depois de sair de um papamóvel, desprovido de qualquer proteção contra possíveis perigos, onde o imã também concordou em se sentar.
Um gesto universal compreendido por todos
Uma tradição antiga é transferida para um país jovem. O significado de abrir a Porta Santa e cruzar o limiar está enraizado em um simbolismo ancestral que, em Bangui, se ramifica e dá novos frutos. Ele está revestido de futuro. O gesto do Papa Francisco foi revolucionário porque, em um lugar fechado, cheio de barreiras, ele abre uma porta para a esperança, convida as pessoas a entrarem para encontrar misericórdia e paz, para encontrar Cristo e serem transformadas. Ele traduz de forma cristã uma metáfora compreensível para todos, em qualquer lugar do mundo, de qualquer tradição, religião, experiência e história. Todos entendem que se trata de um rito de passagem fundamental e sagrado.
A linha de fronteira, o limes latim, ponto final, fechamento, é transformada em limen, limiar, abertura. Talvez não seja coincidência o fato de duas palavras opostas conterem a mesma raiz, mas é interessante lembrar o fato de que, na linguagem eclesiástica, a “visitatio ad limina apostolorum” é a visita dos peregrinos aos túmulos dos apóstolos Pedro e Paulo, que remonta aos primeiros séculos da Igreja, mais tarde estendida aos bispos. Tudo fala de Jubileu.
Portas Santas em toda parte
Naquele ano de Misericórdia, muitas Portas Santas foram abertas em todo o mundo, quase um sistema solar composto por milhares de estrelas brilhantes espalhadas pela Terra, mesmo nos lugares mais remotos. Foi uma grande oportunidade, um presente dado a todos, mesmo àqueles que, por vários motivos, não podiam se locomover e viajar. Foi um jubileu extraordinário que pôde ser vivenciado em todas as igrejas locais, permitindo que aqueles que quisessem vivenciar plenamente o evento, fazer a peregrinação e atravessar a Porta da Misericórdia em sua própria diocese.
Uma esperança que vem de Roma
O cardeal Dieudonné Nzapalainga, então arcebispo de Bangui, é um dos intérpretes nodais de seu país. Sua história é de fé e de uma árdua “luta pela paz”, lembrando o título de seu livro na versão italiana, publicado pela Livraria Editora Vaticana em 2022. O cardeal centro-africano compartilhou com a mídia vaticana, aos microfones de Jean Charles Putzolu, a memória daqueles dias e as consequências benéficas da visita do Papa à África Central.
Gostaria de levá-los de volta ao dia 29 de novembro de 2015, o primeiro domingo do Advento, quando o Papa Francisco abriu a Porta Santa do Jubileu da Misericórdia. Foi em Bangui, na República Centro-Africana, portanto, em seu país: uma tradição muito antiga chegando a um país jovem. Em sua opinião, qual foi o significado desse gesto para todos os centro-africanos?
É um gesto único na história não apenas da Igreja universal, mas também da nossa Igreja.
Porque nós, centro-africanos, diante da violência, do sofrimento e da morte, encontrando-nos vivendo em um estado de absurdo, sentimos a esperança que veio de Roma por meio do homem de Deus, o Papa, que veio para aplacar, para trazer paz, tranquilidade e perdão, para trazer reconciliação, convidando nós, centro-africanos, a abrir as portas de nossos corações, cheios de ódio, rancor e vingança, para que pudéssemos nos enfrentar. É por isso que ele mesmo disse para depormos nossas armas: “leve a justiça, leve o amor”. Acredito que seu gesto será sempre lembrado aqui na República Centro-Africana. Muçulmanos, protestantes, católicos, todos nós somos unânimes em dizer que sua chegada foi salutar.
E o Papa de fato chegou. Ela se lembrou dessa mensagem, desse chamado para depor as armas. Havia uma enorme tensão até quase dois dias antes de sua chegada a Bangui. Houve mais tensão desde então? Essa mensagem foi ouvida? A mensagem do Papa foi ouvida e atendida? As armas ficaram em silêncio?
Acho que a mensagem foi ouvida. Passamos seis meses desde a partida do Papa como se estivéssemos em um país normal, algo impensável até dois dias antes de sua chegada. Sua chegada aliviou a pressão. Vimos muçulmanos saindo de seus enclaves para se juntarem a seus irmãos e irmãs católicos no estádio, para participar da grande celebração. As pessoas iam e vinham. O Km 5 [marco 5] era considerado um local onde havia muitas armas e, portanto, não se podia entrar. Mas fui até lá com os cristãos para acompanhar o Papa, dizendo aos muçulmanos: “vamos caminhar juntos!”
O Papa veio de Roma para a República Centro-Africana, os cristãos de Bangui deixaram nossos bairros para ir ao encontro de nossos irmãos, caminhando pela paz. Bem, nós marchamos e continuamos a fazê-lo desde aquele dia. Um líder rebelde nos disse que deveríamos conversar sobre espiritualidade com os imãs. Os imãs organizaram uma grande reunião para pedir aos líderes rebeldes que depusessem suas armas e muita coisa mudou desde então. Isso também foi resultado da visita do Papa.
Os imãs realizaram um grande encontro para pedir aos líderes rebeldes que deponham as armas e isso mudou muito. Esse também foi o resultado da visita do Papa, que nos deu um empurrão, nos fez recomeçar e agora estamos vendo os resultados. Hoje as armas não circulam mais como antes.
Em sua opinião, quais foram os outros frutos desse evento?
Foram os encontros entre jovens muçulmanos e jovens cristãos. Encontros bastante regulares entre mulheres muçulmanas e mulheres cristãs, e entre nós, líderes. Há pouco tempo, em março, uma mesquita a 250 quilômetros daqui foi vandalizada. O imã, o pastor protestante e eu falamos ao coração de nossos fiéis para desarmá-los e convidá-los a cooperar, respeitar, valorizar e respeitar o local. Esse, em minha opinião, é o fruto dessa passagem. Agora também pedimos que a justiça seja feita. Isso significa que aqueles que perderam suas casas devem poder recuperá-las, o que significa que aqueles que moram na casa do vizinho há muito tempo devem ter a gentileza de sair. E nós, líderes religiosos, trabalhamos com o coração. Há alguns que saem para deixar a casa para os proprietários sem passar pelos tribunais ou pelo Estado. Portanto, acho que isso também é proveitoso. Agora os corações estão dispostos e podemos conversar, podemos imaginar um futuro comum.
Quando o senhor diz que eles saem de casa, é porque eles realmente a devolvem ao seu legítimo proprietário, certo?
Exatamente isso.
Em um nível mais pessoal, Vossa Eminência, quais são suas lembranças mais fortes e talvez mais vívidas daquele período?
A lembrança mais vívida é a de entrar no quilômetro 5 dois dias antes: era impossível atravessar o posto de controle. Eu estava lá. Vi com meus próprios olhos: o Papa escolheu ir em um veículo não blindado, mas em campo aberto. Todos sabiam que havia muitas armas no local. Francisco teve a coragem de ir até lá e vimos que o imã também concordou em ir no papamóvel. Essa é a imagem mais forte. Quando saí para ir ao estádio, vi muçulmanos saindo em massa, arriscando suas vidas. Foi sua fé que os levou a sair. Um imã nos disse: ‘O Papa não veio para vocês, cristãos, mas para nós, muçulmanos. Estávamos no enclave, estávamos na escravidão. Ele nos libertou!”
Eminência, uma última pergunta: o senhor se tornou inseparável do Imã… entre cristãos e muçulmanos e também com os protestantes. Vocês realizam iniciativas juntos quase diariamente. Esse é outro fruto. É claro que é o resultado de seu trabalho, mas também é o resultado da visita do Papa…
A visita do papa nos confortou, incentivou e apoiou nesse trabalho. E fomos nós três que pedimos a ele que viesse à República Centro-Africana. Acho que todos nós somos gratos a ele. Esse é o fruto de sua passagem.
O Jubileu de 2025. Como estão se preparando para ele?
O Jubileu de 2025 é um momento importante para a Igreja. Bem, já estão sendo criados grupos aqui para refletir, orar, reunir-se e também para ver como, localmente, viveremos esse momento. Este ano celebraremos 130 anos de evangelização na República Centro-Africana e, ao mesmo tempo, estaremos caminhando para 2025, que está logo ali, e estamos trabalhando em ambos. Portanto, acho que há muito entusiasmo. Eu estava com um grupo de jovens que se encontrava na igreja em massa e dissemos uns aos outros: este é um momento importante porque é um momento de graça, mas também é um momento complicado e elevado. Não podemos deixar passar esse momento favorável.

O cardeal Dieudonné Nzapalainga

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