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Pastoral Afro – Um olhar sincero para a vida real do povo

No Brasil, a Pastoral Afro remonta a 1988, mas precisa ainda de ser estendida a todas as Dioceses e de ser vista como parte da ação evangelizadora da Igreja – considera o P. Ibrahim Musyoka, coordenador da Pastoral Afro na Arquidiocese de Feira de Santana (Bahia). Trata-se duma Pastoral que procura valorizar o negro na sociedade brasileira. Um Sínodo dos Bispos sobre a Pastoral Afro, tal como se fez para a Amazónia, ajudaria muito nesse difícil trabalho, afirma este missionário.
Dulce Araújo – Vatican News
Termina este ano a Década Internacional dos Afrodescendentes (2015-2024) proclamada pelas Nações Unidas para levar os Estados-membros a promover atividades tendentes a reconhecer, fazer justiça e facilitar o desenvolvimento dos milhões de afrodescendentes no mundo e que sofrem ainda hoje pelo estigma do racismo e da inferiorização que tem acompanhado as suas vidas desde que os seus ascendentes foram arrancados à África e levados para novas paragens em condições de escravatura.

Irmã Rosa Martins, scalabriniana, um dos rostos familiares na Pastoral Afro-brasileira

A Pastoral Afro, que a Igreja no Brasil (e noutros países) em boa hora instituiu, terá acolhido essa iniciativa da ONU para dar uma nova linfa ao louvável esforço de inclusão, valorização e diálogo inter-religioso que, desde 1988, vem fazendo em relação aos afrodescendentes?  Ao que parece, não. O P. Ibrahim – originário do Quénia, Missionário da Consolata, a residir no Brasil desde 2016, onde também estudou Teologia e é Vigário da Paróquia São Roque da Matinha, primeira Paróquia Quilombola no país – afirma que isso não teve repercussão na Igreja, pois ela “não mostra ainda muita alegria em falar do tema” dos afrodescendentes.

P. Ibrahim Muinde Musyoka – Missionário da Consolata (Foto: Ed Santos/Acorda Cidade)

Entrevistado no âmbito da rubrica semanal “Década dos Afrodescendentes” que o Programa Português-África da Rádio Vaticano tem vindo a levar a cabo, o P. Ibrahim falou da Pastoral Afro em Matinha, da forma como está estruturada, bem como do esforço de ultrapassar as barreiras, mesmo da parte da população, toda de origem africana, mas que foi habituada a pensar que nada tem a dar nem a exigir. Então, ao ilustrar as numerosas atividades que fazem (no campo educativo, cultural, religioso, histórico) este Missionário sublinha que são orientadas para a elevação da auto-estima dos afro-brasileiros e da visão geral da África, sempre mostrados numa ótica negativa. A Pastoral Afro “tenta apresentar a outra face” da África e dos afro-brasileiros – afirma.

Um momento da formação da Pastoral Afro-brasileira na Paróquia São Roque – Patinha – Foto: cortesia do P. Ibrahim Musyoka

A Pastoral Afro, no Brasil, começou de forma estruturada em 1988 precisamente com a primeira Campanha da Fraternidade que teve por tema “A Fraternidade e o Negro” e como lema “Ouvir o clamor do meu povo”, mas falta ainda da parte de muitos membros da Igreja – segundo o nosso entrevistado – uma atitude e uma educação que levem a considerar e a abraçar a Pastoral Afro como parte integrante da ação evangelizadora da Igreja e não apenas como carisma particular de alguns. Falta pôr-se realmente à escuta do clamor desse povo. Há que ter em conta que a “Pastoral Afro não é criatividade; é um olhar sincero, honesto para a vida real do povo” – salienta o P. Ibrahim.

Irmã Joaninha Honónio Madeira, afro-índia, Congregação da Imaculada Conceição, no Sínodo sobre a Amazónia, em 2019

Solicitado a falar do contributo que o Sínodo dos Bispos para a Amazónia terá trazido também para a Pastoral Afro e se um Sínodo dos Bispos sobre os Afrodescendentes seria necessário, o Vigário da Paróquia de São Roque da Matinha responde que seria “necessário e urgente” e elabora hipóteses sobre donde poderia partir o convite para isso e a que nível deveria ser realizado, se continental, ou dos países que estão mais avançados nessa Pastoral como o Brasil, a Colômbia, o Caribe…
A entrevista abrange ainda pontos como o estímulo vindo do Concílio Vaticano II para a inculturação e a inclusão dos povos, as conferências continentais latino-americanas como Puebla, Medellin e outras, que criaram, de algum modo, um clima propício para a Pastoral Afro, mas faltam recursos humanos e materiais, assim como uma maior boa-vontade de vitalizar essa Pastoral, considera o P.  Muinde Musyoka.

Diálogo com as religiões de matriz africana (Foto: P. Jaime Patias)

Não faltam nesta ampla conversa a questão da necessidade de um maior diálogo inter-religioso entre o cristianismo e as religiões de matriz africana, antes consideradas primitivas, ou ainda a questão da Teologia africana. Questões que são tidas também em consideração nos encontros de Pastoral afro a nível nacional e continental, e que são de grande utilidade para um intercâmbio geral sobre os vários aspetos do trabalho que a Igreja tem pela frente no sentido de reconhecer plenamente a importância e o contributo dos descendentes da África ao Brasil. Aliás, o próximo encontro continental deverá ter lugar em 2025 e tudo indica que poderá ser na Argentina, país cuja padroeira, Nossa Senhora de Lujan, está ligada à figura de um negro escravizado, mas que é um daqueles países onde a presença histórica de negros tem sido, em grande parte, negada, apagada.

Encontro continental de Pastoral Afro em 2022, no México (Foto: Arquivo pessoal P. Ibrahim Musyoka)

Para os pormenores de tudo isto, confira aqui as considerações do P. Ibrahim Muinde Musyoka

IV Festival de Fé e Cultura na Arquidiocese de Cali, na Colômbia. Foto: P. Jaime Patias

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