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RD Congo. A Conferência Episcopal Nacional do Congo (CENCO) lamenta catástrofe eleitoral

O escrutínio de 20 de dezembro último foi um “caos”, caracterizado “em geral, por fraude, corrupção em grande escala, vandalismo de material eleitoral, incitamento à violência, detenção ilegal de DEVs, compra de consciências, intolerância, impudência, ataques aos direitos humanos, à vida humana e à dignidade das pessoas” – é a avaliação da Conferência Episcopal Nacional do Congo (CENCO) sobre o recente processo eleitoral na RDC, numa mensagem publicada na quinta-feira, 18.
Stanislas Kambashi, SJ – Cidade do Vaticano
Após as eleições gerais de 20 de dezembro de 2023 e dois dias antes da tomada de posse do presidente reeleito, Félix Tshisekedi, prevista para este sábado, 20 de janeiro, a Conferência Episcopal Nacional do Congo (CENCO) fez o seu balanço do processo eleitoral. Na sua mensagem, publicada na quinta-feira, 18 de janeiro de 2024, os Bispos, que formularam também “recomendações úteis para o futuro do País”, afirmam ter acompanhado com tristeza o processo eleitoral a dois níveis. Diretamente, a partir das suas dioceses, que cobrem todo o território da República Democrática do Congo (RDC), e indiretamente a partir da Missão de Observação Eleitoral Conjunta da Conferência Episcopal Nacional do Congo e da Igreja de Cristo no Congo (MOE CENCO-ECC).
Os prelados manifestam o seu apreço pelo facto de mais ou menos 40% dos congoleses recenseados terem ido votar, mesmo depois do prazo legal, porque acreditavam num novo começo para o seu País. Mas este povo está agora “desiludido e traumatizado” pela forma como este processo foi organizado e pelas condições em que decorreu em muitos locais. Isto revela “uma falta de consideração por eles” e nós “não podemos ficar calados perante o que vimos e ouvimos”, afirmam os Bispos congoleses.
Eleições organizadas por desafio
A CENCO constata que as irregularidades e os incidentes assinalados fazem das “eleições de 20 de dezembro um desastre eleitoral”, devido à sua dimensão e alcance. Com base nas suas observações e nas de outras missões de observação, conclui que “estas eleições caracterizaram-se, em geral, pela fraude, pela corrupção em grande escala, pelo vandalismo do material eleitoral, pelo incitamento à violência, pela detenção ilegal de DEVs, pela compra de consciências, pela intolerância, pelo descaramento, pelos atentados aos direitos humanos, à vida humana e à dignidade das pessoas, chegando mesmo a humilhar publicamente as mulheres”. Para os Bispos, o caos durante esta quarta edição das eleições na RDC é o resultado da obstinação da Comissão Eleitoral Nacional Independente (CENI) em organizar o escrutínio de forma desafiadora, mesmo sabendo de certos “constrangimentos”. Por este facto, a Comissão foi levada a violar o quadro jurídico nacional e a administração eleitoral, escreve a CENCO.
Votos paralelos e máquinas de voto encontradas em casas particulares
Após a publicação do relatório preliminar da MOE CENCO-ECC no início de janeiro, os prelados afirmaram ter descoberto “um número impressionante de votações paralelas com máquinas de voto encontradas em casas particulares”. Isto levou-os a interrogarem-se se não teria havido um planeamento prévio “ao nível das autoridades organizadoras”. A CENCO também está surpreendida com a facilidade com que os dispositivos de votação eletrónica (DEV) – máquinas de voto – e os rolos de boletins de voto foram parar às mãos de particulares. A CENCO escreve que “a CENI deveria questionar o seu papel neste imbróglio, uma vez que tem controlo exclusivo sobre todas as máquinas e nunca se queixou de qualquer roubo do seu equipamento”.
Opacidade planeada, assembleias de voto duplicadas, 2.400.000 eleitores fictícios
Depois de ter recusado a proposta de criação de uma Comissão mista e independente para efetuar investigações, a CENCO lamenta que a CENI se tenha colocado na posição de juiz e júri ao invalidar 82 candidatos, anunciando simultaneamente outros casos de invalidação. Esta falta de transparência parece ser a consequência lógica de outros casos observados anteriormente, afirma o organismo da Igreja Católica, que cita casos de kits de registo encontrados em casas particulares, centros de registo fictícios, a recusa de uma auditoria independente dos cadernos eleitorais, etc. Em todas estas situações, nota a mensagem, a CENI não deu explicações, não esclareceu as questões, nem aceitou um quadro de consulta. A estas irregularidades juntam-se as relativas à publicação do mapeamento das assembleias de voto. Após análise, segundo a CENCO, “a MOE da CENCO-ECC conseguiu detectar anomalias, nomeadamente a existência de 3.706 mesas de voto duplicadas 2 ou mesmo 3 vezes, resultando num aumento do número de eleitores de cerca de 2.400.000”. A publicação definitiva do mapa das assembleias de voto num formato não descarregável não determina a sua exatidão e sugere uma opacidade planeada, segundo os Bispos.
Estas numerosas irregularidades, os incidentes e as fraudes declaradas “afectaram gravemente as eleições e minaram a confiança dos eleitores. Isto levanta a questão de saber como é que o povo congolês irá encarar o próximo Parlamento”. Tendo em conta os resultados provisórios das eleições legislativas nacionais, apenas 6% dos deputados provinham da oposição, o que levou a CENCO a recear “um grande risco de regresso a um sistema de partido único, o que seria um grande revés para a nossa jovem democracia”.
Desencorajar urgentemente a teoria do tribalismo e reforçar a coesão nacional
Perante estes desafios, que “põem em perigo” “o nosso País”, em particular devido ao desprezo pelos valores morais, os Bispos congoleses apelam às autoridades competentes, cuja missão é assegurar a estabilidade, a justiça e a coesão nacional, para que usem a sabedoria e a inteligência consciente para restaurar a imagem manchada. Apelam ao Presidente da República para que seja o garante da unidade nacional e da integridade territorial. Reafirmam a sua disponibilidade para lhe prestar a assistência necessária para assegurar o êxito deste “segundo e último mandato no interesse do povo congolês”. Recomendam ao governo que “tome as medidas necessárias e urgentes para desencorajar a xenofobia e o tribalismo registados nos discursos ao longo da campanha eleitoral e que crie um mecanismo político para reforçar a coesão nacional”. Os prelados pedem também a organização de eleições nos territórios onde ainda não se realizaram: Rutshuru, Masisi e Kwamouth.
Propõem a reforma da CENI e a clarificação da independência da Comissão em relação às leis nacionais, a fim de garantir a boa governação. Apelam igualmente ao governo para que identifique e processe judicialmente as pessoas implicadas na apropriação indevida dos dispositivos de votação electrónica (DEV).
Aplicar a justiça sem complacência
Os Bispos pedem aos ministérios públicos, aos tribunais e aos órgãos jurisdicionais que “se sirvam do seu cargo para aceitar todas as queixas e invalidar os fraudadores conhecidos que tenham sido provisoriamente declarados eleitos”. Pedem-lhes que estejam ao serviço da justiça e não dos indivíduos, tratando sem complacência todos os casos relativos a recursos e litígios eleitorais. A justiça deve também ser aplicada aos dirigentes e agentes da CENI que tenham sido cúmplices da fraude eleitoral. “Um sistema de justiça que promove anti-valores é um cancro para a nação”, sublinham os prelados congoleses.
Viver em solidariedade e coesão nacional
A CENCO recomenda que o povo congolês viva em solidariedade e coesão nacional, para que o País não se afunde na violência e na divisão. Citando o Papa Francisco, que visitou o seu País há quase um ano, os Bispos sublinham que “não pode haver paz sem fraternidade. É uma escolha: abrir espaço no nosso coração para todos, acreditar que as diferenças étnicas, regionais, sociais, religiosas e culturais não são obstáculos à convivência”. Apelam aos seus compatriotas para que se sintam envolvidos na construção do seu País e para que se mantenham vigilantes e empenhados no exercício da sua soberania. “O futuro de um País depende do seu povo. Lembremo-nos de que não libertamos um povo, o povo liberta-se a si próprio”, escrevem. Em conclusão, a CENCO apela aos jovens para que não se deixem manipular e utilizar pelos actores políticos que os exploram para os seus próprios interesses egoístas. Reitera o seu apelo ao diálogo, à calma, à paz e ao apaziguamento, confiando a RDC à intercessão da Virgem Maria, Rainha da Paz, e à dos Beatos Anuarite e Bakanja.

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O Papa: muitos conflitos abertos, não ceder à lógica das armas

Francisco divulgou uma carta por ocasião dos 80 anos do voto de Pio XII e da cidade de Roma a Maria Salus Populi Romani durante a fúria da II Guerra Mundial. O Pontífice pede que o aniversário seja uma oportunidade para “meditar em torno do terrível flagelo da guerra”. Olhando para a Ucrânia, Oriente Médio, Sudão e Mianmar, exorta a ouvir os “gritos de terror e de sofrimento” que questionam a consciência de todos e a “trabalhar pela paz na Europa e no mundo”.
Mariangela Jaguraba- Vatican News
O Papa Francisco enviou uma carta ao vice-gerente da Diocese de Roma, dom Baldassarre Reina, por ocasião dos 80 anos do voto de Pio XII e da cidade de Roma ao ícone de Nossa Senhora conhecido como “Salus Populi Romani” durante a II Guerra Mundial.
O Pontífice une-se espiritualmente a toda a comunidade diocesana que celebra pela primeira vez a memória litúrgica da Salus Populi Romani, e recorda o voto que o povo de Roma e seu Pastor, Papa Pio XII, fez a Nossa Senhora em 4 de junho de 1944 para implorar a salvação da cidade, quando o confronto direto entre o exército alemão e os aliados anglo-americanos estava prestes a acontecer”, escreve o Papa no texto.
“A devoção ao antigo ícone conservado na Basílica de Santa Maria Maior está viva há séculos no coração dos romanos, que recorriam a ele para fazer súplicas e invocações, especialmente durante pragas, desastres naturais e guerras”, escreve ainda Francisco. “Os eventos marcantes da vida religiosa e civil de Roma eram registrados em frente a essa imagem. Portanto, não é de surpreender que o povo romano desejou confiar-se mais uma vez a Maria Salus Populi Romani enquanto a Urbe vivia o pesadelo da devastação nazista”, ressalta ainda o Papa.

Pio XII com os cidadãos romanos após o bombardeio do bairro de São Lourenço

Não ceder à lógica das armas
De acordo com Francisco, “oitenta anos depois, a lembrança desse acontecimento tão cheio de significado quer ser uma ocasião para rezar por aqueles que perderam a vida na II Guerra Mundial e para fazer uma meditação renovada sobre o tremendo flagelo da guerra”.
Muitos conflitos em diferentes partes do mundo ainda estão abertos hoje. Penso em particular na martirizada Ucrânia, na Palestina e Israel, no Sudão e Mianmar, onde as armas ainda fazem barulho e mais sangue humano continua sendo derramado.

“Esses são dramas que afetam inúmeras vítimas inocentes, cujos gritos de terror e sofrimento questionam a consciência de todos: não podemos e não devemos ceder à lógica das armas!”

O apelo de Paulo VI à ONU
O Pontífice recorda que “vinte anos após o fim da II Guerra Mundial, em 1965, o Papa São Paulo VI, falando na ONU, perguntou: ‘Será que o mundo chegará a mudar a mentalidade particularista e bélica que até agora teceu grande parte de sua história?'” Segundo Francisco, “essa pergunta, que ainda aguarda uma resposta, estimula todos a trabalhar concretamente pela paz na Europa e em todo o mundo”.

“A paz é um dom de Deus que também deve encontrar hoje corações dispostos a acolhê-lo e trabalhar para serem construtores da reconciliação e testemunhas da esperança.”

Ser construtor de paz
Francisco espera “que as iniciativas promovidas para comemorar o voto popular à Mãe de Deus, nos quatro lugares que foram protagonistas daquele acontecimento, possam reavivar nos romanos a intenção de serem construtores de uma verdadeira paz em todos os lugares, relançando a fraternidade como condição essencial para recompor conflitos e hostilidade”. “Pode ser construtor de paz”, ressalta o Papa, “quem a possui dentro de si e, com coragem e mansidão, se compromete em criar vínculos, em estabelecer relações entre as pessoas, em apaziguar as tensões na família, no trabalho, na escola, entre os amigos”.
O Pontífice conclui a carta, pedindo a Nossa Senhora Medianeira para que “obtenha para toda a humanidade o dom da concórdia e da paz” e confia “todos os habitantes de Roma, especialmente os idosos, os doentes, as pessoas sozinhas e em dificuldade, à intercessão materna da Salus Populi Romani”.

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Indonésia. Ilha de Flores ainda é uma “terra prometida” de vocações

“Em junho e julho estão programadas várias ordenações diaconais entre os vários institutos missionários. No domingo, 2 de junho, 48 foram ordenados diáconos Verbitas, que serão seguidos por outros 8 diáconos Carmelitas no dia 7 de junho, e 27 interdiocesanos (Dioceses de Maumere, Ende, Ruteng, Larantuka e Denpasar) no domingo, 9 de junho. A esses se seguirão as ordenações de cinco diáconos Camilianos no próximo dia 14 de julho, na festa de nosso fundador, São Camilo de Lellis”, conta Pe. Galvani
Vatican News

 

Em 1924 os vigários e prefeitos apostólicos encontraram-se pela primeira vez, para definir uma orientação comum sobre diversas questões da vida da Igreja e sobre a relação com as …

“Nesta época de final de ano letivo, estamos obtendo bons resultados vocacionais. Nós, Camilianos, tentamos nos manter em forma tanto quanto possível com muitas pequenas coisas boas para fazer, não apenas no campo vocacional, mas também com nossas iniciativas sociais e de caridade.”
É o que conta à agência missionária Fides o padre Luigi Galvani, pioneiro na Diocese de Maumere, na Indonésia, onde os Missionários Camilianos estão presentes em três dioceses com 4 seminários, dois centros sociais onde coordenam um programa de nutrição para 160 crianças pobres, apoio à distância para cerca de 20 estudantes merecedores, um projeto de “casas especiais” para libertar os doentes mentais de situações de opressão e, por fim, um modesto projeto de produção de água mineral e do sorvete “São Camilo”.
Ordenações diaconais entre os vários institutos missionários
“Em junho e julho – explica ele – estão programadas várias ordenações diaconais entre os vários institutos missionários. No domingo, 2 de junho, 48 foram ordenados diáconos Verbitas, que serão seguidos por outros 8 diáconos Carmelitas no dia 7 de junho, e 27 interdiocesanos (Dioceses de Maumere, Ende, Ruteng, Larantuka e Denpasar) no domingo, 9 de junho. A esses se seguirão as ordenações de cinco diáconos Camilianos no próximo dia 14 de julho, na festa de nosso fundador, São Camilo de Lellis”.
A mais católica das 17.000 ilhas do arquipélago indonésio

Em algumas áreas do país, que o Papa visitará em setembro, membros do clero local e de ordens religiosas masculinas e femininas moram por alguns dias em famílias católicas, …

“Nos próximos meses, haverá também as profissões religiosas de numerosos noviços e noviças dos vários institutos masculinos e femininos presentes na Diocese de Maumere, que, no momento, atingiram o número de 62 comunidades religiosas”.
“Todos esses resultados vocacionais encorajadores – conclui o missionário – certamente recompensam o empenho dos vários promotores, mas também são um testemunho da fé e do espírito missionário de centenas e centenas de famílias na ilha de Flores, que continua sendo a mais católica das 17.000 ilhas do arquipélago indonésio. Talvez seja também por isso que Flores é chamada de “terra prometida” de vocações.
(com Fides)

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África Central, quando uma Porta Santa se abriu para o mundo

O Jubileu Extraordinário da Misericórdia, em 2015, foi aberto em um lugar sem precedentes, longe do coração cristão do mundo, a Basílica de São Pedro, mas dentro do coração do Papa Francisco, em Bangui. O cardeal Dieudonné Nzapalainga, então arcebispo da capital da África Central, revive aquele dia memorável e o significado benéfico que a visita do Pontífice produziu ao longo do tempo.
Maria Milvia Morciano e Jean Charles Putzolu – Vatican News
É tarde e a noite se prepara lentamente para chegar, tingindo o céu de rosa e dourado. A porta da Catedral de Notre-Dame em Bangui se abre, empurrada por duas mãos firmes. A figura de Francisco está de pé, vigorosa. Muitos anos se passaram desde aquele 29 de novembro de 2015, o primeiro dia do Advento e a data de início do Jubileu Extraordinário da Misericórdia, que foi inaugurado, antecipadamente, em um lugar igualmente extraordinário, na capital da África Central. Pela primeira vez na história, a abertura da Porta Santa não se realiza na Basílica de São Pedro, no túmulo do Apóstolo, no centro do mundo cristão, mas em um lugar remoto, para muitos desconhecido.
Capital espiritual
A África Central é um dos países mais sangrentos e divididos do mundo. O Papa o escolheu justamente por esse motivo, para levar misericórdia e uma mensagem de paz a uma “terra que está sofrendo há vários anos com a guerra e o ódio, a incompreensão e a falta de paz. Mas nessa terra sofrida há também todos os países que estão passando através da cruz da guerra. Bangui se torna a capital espiritual da oração pela misericórdia do Pai. Todos nós pedimos paz, misericórdia, reconciliação, perdão, amor. Por Bangui, por toda a República Centro-Africana, por todo o mundo, pelos países que estão sofrendo com a guerra, pedimos paz!”, disse o Papa na praça da igreja, depois de sair de um papamóvel, desprovido de qualquer proteção contra possíveis perigos, onde o imã também concordou em se sentar.
Um gesto universal compreendido por todos
Uma tradição antiga é transferida para um país jovem. O significado de abrir a Porta Santa e cruzar o limiar está enraizado em um simbolismo ancestral que, em Bangui, se ramifica e dá novos frutos. Ele está revestido de futuro. O gesto do Papa Francisco foi revolucionário porque, em um lugar fechado, cheio de barreiras, ele abre uma porta para a esperança, convida as pessoas a entrarem para encontrar misericórdia e paz, para encontrar Cristo e serem transformadas. Ele traduz de forma cristã uma metáfora compreensível para todos, em qualquer lugar do mundo, de qualquer tradição, religião, experiência e história. Todos entendem que se trata de um rito de passagem fundamental e sagrado.
A linha de fronteira, o limes latim, ponto final, fechamento, é transformada em limen, limiar, abertura. Talvez não seja coincidência o fato de duas palavras opostas conterem a mesma raiz, mas é interessante lembrar o fato de que, na linguagem eclesiástica, a “visitatio ad limina apostolorum” é a visita dos peregrinos aos túmulos dos apóstolos Pedro e Paulo, que remonta aos primeiros séculos da Igreja, mais tarde estendida aos bispos. Tudo fala de Jubileu.
Portas Santas em toda parte
Naquele ano de Misericórdia, muitas Portas Santas foram abertas em todo o mundo, quase um sistema solar composto por milhares de estrelas brilhantes espalhadas pela Terra, mesmo nos lugares mais remotos. Foi uma grande oportunidade, um presente dado a todos, mesmo àqueles que, por vários motivos, não podiam se locomover e viajar. Foi um jubileu extraordinário que pôde ser vivenciado em todas as igrejas locais, permitindo que aqueles que quisessem vivenciar plenamente o evento, fazer a peregrinação e atravessar a Porta da Misericórdia em sua própria diocese.
Uma esperança que vem de Roma
O cardeal Dieudonné Nzapalainga, então arcebispo de Bangui, é um dos intérpretes nodais de seu país. Sua história é de fé e de uma árdua “luta pela paz”, lembrando o título de seu livro na versão italiana, publicado pela Livraria Editora Vaticana em 2022. O cardeal centro-africano compartilhou com a mídia vaticana, aos microfones de Jean Charles Putzolu, a memória daqueles dias e as consequências benéficas da visita do Papa à África Central.
Gostaria de levá-los de volta ao dia 29 de novembro de 2015, o primeiro domingo do Advento, quando o Papa Francisco abriu a Porta Santa do Jubileu da Misericórdia. Foi em Bangui, na República Centro-Africana, portanto, em seu país: uma tradição muito antiga chegando a um país jovem. Em sua opinião, qual foi o significado desse gesto para todos os centro-africanos?
É um gesto único na história não apenas da Igreja universal, mas também da nossa Igreja.
Porque nós, centro-africanos, diante da violência, do sofrimento e da morte, encontrando-nos vivendo em um estado de absurdo, sentimos a esperança que veio de Roma por meio do homem de Deus, o Papa, que veio para aplacar, para trazer paz, tranquilidade e perdão, para trazer reconciliação, convidando nós, centro-africanos, a abrir as portas de nossos corações, cheios de ódio, rancor e vingança, para que pudéssemos nos enfrentar. É por isso que ele mesmo disse para depormos nossas armas: “leve a justiça, leve o amor”. Acredito que seu gesto será sempre lembrado aqui na República Centro-Africana. Muçulmanos, protestantes, católicos, todos nós somos unânimes em dizer que sua chegada foi salutar.
E o Papa de fato chegou. Ela se lembrou dessa mensagem, desse chamado para depor as armas. Havia uma enorme tensão até quase dois dias antes de sua chegada a Bangui. Houve mais tensão desde então? Essa mensagem foi ouvida? A mensagem do Papa foi ouvida e atendida? As armas ficaram em silêncio?
Acho que a mensagem foi ouvida. Passamos seis meses desde a partida do Papa como se estivéssemos em um país normal, algo impensável até dois dias antes de sua chegada. Sua chegada aliviou a pressão. Vimos muçulmanos saindo de seus enclaves para se juntarem a seus irmãos e irmãs católicos no estádio, para participar da grande celebração. As pessoas iam e vinham. O Km 5 [marco 5] era considerado um local onde havia muitas armas e, portanto, não se podia entrar. Mas fui até lá com os cristãos para acompanhar o Papa, dizendo aos muçulmanos: “vamos caminhar juntos!”
O Papa veio de Roma para a República Centro-Africana, os cristãos de Bangui deixaram nossos bairros para ir ao encontro de nossos irmãos, caminhando pela paz. Bem, nós marchamos e continuamos a fazê-lo desde aquele dia. Um líder rebelde nos disse que deveríamos conversar sobre espiritualidade com os imãs. Os imãs organizaram uma grande reunião para pedir aos líderes rebeldes que depusessem suas armas e muita coisa mudou desde então. Isso também foi resultado da visita do Papa.
Os imãs realizaram um grande encontro para pedir aos líderes rebeldes que deponham as armas e isso mudou muito. Esse também foi o resultado da visita do Papa, que nos deu um empurrão, nos fez recomeçar e agora estamos vendo os resultados. Hoje as armas não circulam mais como antes.
Em sua opinião, quais foram os outros frutos desse evento?
Foram os encontros entre jovens muçulmanos e jovens cristãos. Encontros bastante regulares entre mulheres muçulmanas e mulheres cristãs, e entre nós, líderes. Há pouco tempo, em março, uma mesquita a 250 quilômetros daqui foi vandalizada. O imã, o pastor protestante e eu falamos ao coração de nossos fiéis para desarmá-los e convidá-los a cooperar, respeitar, valorizar e respeitar o local. Esse, em minha opinião, é o fruto dessa passagem. Agora também pedimos que a justiça seja feita. Isso significa que aqueles que perderam suas casas devem poder recuperá-las, o que significa que aqueles que moram na casa do vizinho há muito tempo devem ter a gentileza de sair. E nós, líderes religiosos, trabalhamos com o coração. Há alguns que saem para deixar a casa para os proprietários sem passar pelos tribunais ou pelo Estado. Portanto, acho que isso também é proveitoso. Agora os corações estão dispostos e podemos conversar, podemos imaginar um futuro comum.
Quando o senhor diz que eles saem de casa, é porque eles realmente a devolvem ao seu legítimo proprietário, certo?
Exatamente isso.
Em um nível mais pessoal, Vossa Eminência, quais são suas lembranças mais fortes e talvez mais vívidas daquele período?
A lembrança mais vívida é a de entrar no quilômetro 5 dois dias antes: era impossível atravessar o posto de controle. Eu estava lá. Vi com meus próprios olhos: o Papa escolheu ir em um veículo não blindado, mas em campo aberto. Todos sabiam que havia muitas armas no local. Francisco teve a coragem de ir até lá e vimos que o imã também concordou em ir no papamóvel. Essa é a imagem mais forte. Quando saí para ir ao estádio, vi muçulmanos saindo em massa, arriscando suas vidas. Foi sua fé que os levou a sair. Um imã nos disse: ‘O Papa não veio para vocês, cristãos, mas para nós, muçulmanos. Estávamos no enclave, estávamos na escravidão. Ele nos libertou!”
Eminência, uma última pergunta: o senhor se tornou inseparável do Imã… entre cristãos e muçulmanos e também com os protestantes. Vocês realizam iniciativas juntos quase diariamente. Esse é outro fruto. É claro que é o resultado de seu trabalho, mas também é o resultado da visita do Papa…
A visita do papa nos confortou, incentivou e apoiou nesse trabalho. E fomos nós três que pedimos a ele que viesse à República Centro-Africana. Acho que todos nós somos gratos a ele. Esse é o fruto de sua passagem.
O Jubileu de 2025. Como estão se preparando para ele?
O Jubileu de 2025 é um momento importante para a Igreja. Bem, já estão sendo criados grupos aqui para refletir, orar, reunir-se e também para ver como, localmente, viveremos esse momento. Este ano celebraremos 130 anos de evangelização na República Centro-Africana e, ao mesmo tempo, estaremos caminhando para 2025, que está logo ali, e estamos trabalhando em ambos. Portanto, acho que há muito entusiasmo. Eu estava com um grupo de jovens que se encontrava na igreja em massa e dissemos uns aos outros: este é um momento importante porque é um momento de graça, mas também é um momento complicado e elevado. Não podemos deixar passar esse momento favorável.

O cardeal Dieudonné Nzapalainga

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