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Sacerdote ucraniano: levamos conforto aos que estão dominados pelo horror

Don Oleksandr Bohomaz, um padre greco-católico, viveu a ocupação russa, com interrogatórios e depois expulsão: “Era como um grande campo de concentração. Não sabíamos quando eles viriam e colocariam um saco em nossas cabeças e nos levariam embora.” Continuei próximo das pessoas: “É uma honra estar ao lado delas”
Svitlana Dukhovych – Cidade do Vaticano
“Aos católicos de todo o mundo quero dizer que Deus está mais próximo do que podemos imaginar. E depois peço-lhes que rezem pelo nosso povo, para que todos possamos ser testemunhas não só das ruínas, mas de como Deus renova”, diz o sacerdote greco-católico Oleksandr Bohomaz, 34 anos, dois anos depois da eclosão do conflito na Ucrânia.
Por nove meses após o início da invasão russa, até ser expulso pelos ocupantes russos acusado ​​de “incitamento ao ódio racial e inter-religioso”, padre Oleksandr continuou a servir a comunidade greco-católica de Melitopol, cidade no sul do país ocupada em 26 de fevereiro de 2022. Uma comunidade, fundada em 2010 pelo sacerdote eslovaco Peter Krenicky, que teve um grande desenvolvimento: “Novas comunidades eram fundadas na cidade e nos povoados vizinhos. Em Melitopol, onde tudo começou com um sacerdote e três paroquianos, até 23 de fevereiro de 2022 havia cinco sacerdotes greco-católicos e um sacerdote católico romano. Desenvolvemos atividade pastoral com as crianças e os jovens, abrimos centros para idosos solitários e pessoas com deficiência e ajudamos os sem-teto”.
Os fiéis das novas comunidades e a sua memória da fé
 
A maior parte dos membros destas comunidades greco-católicas recém-fundadas eram ex-prisioneiros políticos provenientes do oeste da Ucrânia, deportados pelo governo soviético para trabalhos forçados na Sibéria. Quando foram libertados, foram proibidos de regressar às suas regiões e assim estabeleceram-se no sul e no leste da Ucrânia. Também houve muitas pessoas que vieram das regiões ocidentais para trabalhar depois da guerra.
“E também havia muitas pessoas que antes não tinham contato com a Igreja, não eram batizadas e que as batizamos quando adultos”, explica o sacerdote. “Não eram comunidades muito grandes, mas sólidas. Claro que não foi fácil, sempre foi preciso trabalhar muito, mas as recordações são muito belas, porque ali passei os primeiros sete anos do meu ministério sacerdotal e ali se tornou minha casa. Sou da região de Kherson, o meu povoado ainda está sob ocupação russa e Melitopol tornou-se a minha segunda cidade natal. Gostaria de voltar, sonho com isso, rezo e acredito que voltaremos”.

Padre Oleksandr Bohomaz, sacerdote greco-católico ucraniano, à direita da foto

“Por que precisamente a nós?”
 
Como muitos ucranianos, e não só, antes da invasão, Bohomaz não acreditava que haveria uma guerra. “No início me perguntava: por quê? O que vai acontecer depois? Somos mais pecadores do que outros? Por que esse mal atingiu precisamente a nós, em particular? Havia desespero…”.
Padre Oleksander, no entanto, não quis perder-se em pensamentos e, juntamente com outros párocos, agiu para responder aos desafios pastorais e humanitários. “Continuamos a trabalhar apesar das dificuldades. Não sabíamos quando eles viriam e colocariam um saco em nossas cabeças e nos levariam embora. Sabemos que dois sacerdotes redentoristas de Berdiansk (a 120 km de Melitopol) estão em cativeiro há mais de um ano e nada sabemos sobre eles. Achávamos que isso poderia acontecer conosco também, ficávamos ansiosos todos os dias. Era difícil se distrair de alguma forma ou repousar. O descanso estava no trabalho, no serviço. Nas primeiras semanas, em um momento de desespero, perguntei a Deus: Senhor, quem sou eu? O que estou fazendo aqui? E a resposta que recebi no meu coração foi que sou sacerdote e devo exercer o ministério. Então não deixei, junto com os outros, de fazer isso: visitamos as comunidades, celebramos Missas, ouvimos confissões. A certa altura – já era verão quando ocorreram os primeiros interrogatórios e buscas – percebi que era uma honra para mim estar ao lado dos fiéis naquele momento. Eu não merecia, sou uma pessoa bem medrosa, mas Deus me deu essa graça e sou grato a Ele por poder estar com pessoas que tinham sede da palavra de Deus e dos sacramentos. Muitos paroquianos tinham ido embora, mas isso não foi notado durante a Missa dominical porque novas famílias estavam chegando. Isso deu algum conforto, mesmo que a corda em volta do meu pescoço ficasse cada vez mais apertada, cada vez mais apertada…”.
Momentos sombrios
 
“O mais difícil durante a ocupação – recorda ainda o sacerdote ucraniano – foi ver como algumas pessoas traíram a sua pátria por dinheiro e se tornaram colaboradores dos russos. Também foi difícil ver como todos os agressores que odeiam a terra onde nasci, cresci e amo tanto, a destruíram, como trataram as pessoas como se fossem animais. Era como um grande campo de concentração… A ocupação é um enorme campo de concentração e tudo o que ouvimos sobre a Coreia do Norte ou vimos em filmes sobre a União Soviética, bem, nós realmente vimos e vivenciamos.”
Também os interrogatórios foram muito difíceis: “Nos postos de controle russos era muito difícil -, recorda padre Oleksandr -, aos domingos eu sempre tinha a liturgia em Melitopol e depois ia para os povoados, e tinha que passar por alguns postos de controle. Muitas vezes eles me agrediam verbalmente e era muito desgastante. Às vezes sentia-me violado moralmente e logo a seguir tinha que ir às paróquias onde as pessoas esperavam para serem encorajadas. Lembro-me que uma vez cheguei a uma paróquia e disse: ‘Vocês esperam que eu os encoraje, mas eu lhes peço: encoragem-me, rezem por mim, porque me sinto muito mal por dentro’. Ao mesmo tempo, nunca havia visto um apoio recíproco como aquele que experimentei durante a ocupação.”

Padre Oleksandr Bohomaz, sacerdote greco-católico ucraniano

As lições da dura realidade
 
Muitas pessoas que passaram por grandes sofrimentos dizem que para sobreviver é preciso focar no presente, sem pensar muito no futuro. “A guerra ensinou-me a concentrar-me em um único dia”, diz padre Oleksandr. “Era preciso viver o hoje da forma mais eficiente e produtiva possível, porque não sabia o que aconteceria comigo amanhã. Já no terceiro ou quarto mês de ocupação percebi que havia parado de sonhar… Escutava muito as pessoas que vinham conversar comigo da manhã à noite. Aí pensei: meu Deus, o dia passou e eu não fiz nada, dediquei-me à escuta durante todo o dia. Mas este também foi um ministério importante. Geralmente todos diziam quase a mesma coisa, mas eu tinha que ouvi-los e depois procurava alguém entre meus amigos para conversar, porque muitas coisas estavam se acumulando na minha cabeça. A ocupação me ensinou a focar no presente, a ouvir as pessoas e valorizar sua presença. A sensação da presença de Deus era incrível.”
A expulsão
 
Na manhã de 1º de dezembro de 2022, os militares russos foram até padre Oleksandr Bohomaz pela sétima vez e o interrogaram por cerca de três horas. Depois levaram-no para Vasylivka, para um dos últimos postos de controle, onde o informaram da sua expulsão, acusando-o de “incitamento ao ódio racial e inter-religioso”.
O deslocamento pela zona de demarcação durou cerca de três horas. Não foi fisicamente difícil, mas perigoso: as balas voavam por cima, o chão estava coberto de minas, conta o sacerdote. À sua frente estavam as posições ucranianas e, atrás, o sofrimento e ao mesmo tempo a experiência do apoio humano e da presença de Deus.
“Quando atravessava esta zona – recorda – rezei: Senhor, não me abandone, fique perto de mim. Tenho medo de te perder. Entendo que aí existe liberdade, mas peço-te: naquela liberdade, esteja ao meu lado como estevestes na ocupação.”
Levar Jesus àqueles que estão dominados pelo horror
 
Agora padre Oleksandr exerce o seu ministério em uma paróquia greco-católica em Zaporizhzhia, mas também visita frequentemente os militares. “Eles sacrificam suas vidas para que eu possa voltar para casa. Também falo sobre amigos meus que morreram. Sempre que visito soldados que combatem nas zonas quentes do conflito, vejo que estão tão traumatizados pela guerra que é difícil expressar o horror em palavras. Eles não podem e não querem conversar. Quando vou para lá, rezo: Jesus, sou eu quem vai, mas és Tu quem vai para lá. Não sou eu que celebro, és Tu que celebras e dize na Missa: A paz esteja convosco”.
Testemunhas de como Deus renova tudo
 
Padre Oleksandr tem uma mensagem para os católicos de todo o mundo: “Deus está mais próximo do que possamos imaginar. Tive essa experiência quando cruzei a linha de demarcação, sem saber se chegaria vivo ou não, e quando estava sentado no carro com os ocupantes que me levavam.” O sacerdote pede-nos que rezemos pelo povo ucraniano, “para que todos possamos ser testemunhas não só das ruínas, mas também de como Deus renova”.
“Recentemente – diz ele – estive em Huljajpole (uma cidade perto da linha do front, ndr) e tive a impressão de que um gigante tenha pego um martelo e destruído a cidade inteira. Meus olhos queriam fixar-se em alguma coisa inteira, mas não conseguiram. Contudo, queremos ser testemunhas de como Deus renova. Acredito que seja isto: amar a Deus e acreditar que Ele nos ama. Confesso: mesmo sendo sacerdote, antes da guerra não acreditava nisso plenamente, mas durante estes dois anos acreditei verdadeiramente que Deus me ama. E esta é a coisa mais importante que os católicos precisam ouvir hoje: que Deus ama. Porque quando acredito que Deus me ama, não tenho medo. E isso me dá liberdade, liberdade de fazer o bem, de sacrificar e até de dar a vida, porque sei que Ele me acolherá ali”.

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O Papa: muitos conflitos abertos, não ceder à lógica das armas

Francisco divulgou uma carta por ocasião dos 80 anos do voto de Pio XII e da cidade de Roma a Maria Salus Populi Romani durante a fúria da II Guerra Mundial. O Pontífice pede que o aniversário seja uma oportunidade para “meditar em torno do terrível flagelo da guerra”. Olhando para a Ucrânia, Oriente Médio, Sudão e Mianmar, exorta a ouvir os “gritos de terror e de sofrimento” que questionam a consciência de todos e a “trabalhar pela paz na Europa e no mundo”.
Mariangela Jaguraba- Vatican News
O Papa Francisco enviou uma carta ao vice-gerente da Diocese de Roma, dom Baldassarre Reina, por ocasião dos 80 anos do voto de Pio XII e da cidade de Roma ao ícone de Nossa Senhora conhecido como “Salus Populi Romani” durante a II Guerra Mundial.
O Pontífice une-se espiritualmente a toda a comunidade diocesana que celebra pela primeira vez a memória litúrgica da Salus Populi Romani, e recorda o voto que o povo de Roma e seu Pastor, Papa Pio XII, fez a Nossa Senhora em 4 de junho de 1944 para implorar a salvação da cidade, quando o confronto direto entre o exército alemão e os aliados anglo-americanos estava prestes a acontecer”, escreve o Papa no texto.
“A devoção ao antigo ícone conservado na Basílica de Santa Maria Maior está viva há séculos no coração dos romanos, que recorriam a ele para fazer súplicas e invocações, especialmente durante pragas, desastres naturais e guerras”, escreve ainda Francisco. “Os eventos marcantes da vida religiosa e civil de Roma eram registrados em frente a essa imagem. Portanto, não é de surpreender que o povo romano desejou confiar-se mais uma vez a Maria Salus Populi Romani enquanto a Urbe vivia o pesadelo da devastação nazista”, ressalta ainda o Papa.

Pio XII com os cidadãos romanos após o bombardeio do bairro de São Lourenço

Não ceder à lógica das armas
De acordo com Francisco, “oitenta anos depois, a lembrança desse acontecimento tão cheio de significado quer ser uma ocasião para rezar por aqueles que perderam a vida na II Guerra Mundial e para fazer uma meditação renovada sobre o tremendo flagelo da guerra”.
Muitos conflitos em diferentes partes do mundo ainda estão abertos hoje. Penso em particular na martirizada Ucrânia, na Palestina e Israel, no Sudão e Mianmar, onde as armas ainda fazem barulho e mais sangue humano continua sendo derramado.

“Esses são dramas que afetam inúmeras vítimas inocentes, cujos gritos de terror e sofrimento questionam a consciência de todos: não podemos e não devemos ceder à lógica das armas!”

O apelo de Paulo VI à ONU
O Pontífice recorda que “vinte anos após o fim da II Guerra Mundial, em 1965, o Papa São Paulo VI, falando na ONU, perguntou: ‘Será que o mundo chegará a mudar a mentalidade particularista e bélica que até agora teceu grande parte de sua história?'” Segundo Francisco, “essa pergunta, que ainda aguarda uma resposta, estimula todos a trabalhar concretamente pela paz na Europa e em todo o mundo”.

“A paz é um dom de Deus que também deve encontrar hoje corações dispostos a acolhê-lo e trabalhar para serem construtores da reconciliação e testemunhas da esperança.”

Ser construtor de paz
Francisco espera “que as iniciativas promovidas para comemorar o voto popular à Mãe de Deus, nos quatro lugares que foram protagonistas daquele acontecimento, possam reavivar nos romanos a intenção de serem construtores de uma verdadeira paz em todos os lugares, relançando a fraternidade como condição essencial para recompor conflitos e hostilidade”. “Pode ser construtor de paz”, ressalta o Papa, “quem a possui dentro de si e, com coragem e mansidão, se compromete em criar vínculos, em estabelecer relações entre as pessoas, em apaziguar as tensões na família, no trabalho, na escola, entre os amigos”.
O Pontífice conclui a carta, pedindo a Nossa Senhora Medianeira para que “obtenha para toda a humanidade o dom da concórdia e da paz” e confia “todos os habitantes de Roma, especialmente os idosos, os doentes, as pessoas sozinhas e em dificuldade, à intercessão materna da Salus Populi Romani”.

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Indonésia. Ilha de Flores ainda é uma “terra prometida” de vocações

“Em junho e julho estão programadas várias ordenações diaconais entre os vários institutos missionários. No domingo, 2 de junho, 48 foram ordenados diáconos Verbitas, que serão seguidos por outros 8 diáconos Carmelitas no dia 7 de junho, e 27 interdiocesanos (Dioceses de Maumere, Ende, Ruteng, Larantuka e Denpasar) no domingo, 9 de junho. A esses se seguirão as ordenações de cinco diáconos Camilianos no próximo dia 14 de julho, na festa de nosso fundador, São Camilo de Lellis”, conta Pe. Galvani
Vatican News

 

Em 1924 os vigários e prefeitos apostólicos encontraram-se pela primeira vez, para definir uma orientação comum sobre diversas questões da vida da Igreja e sobre a relação com as …

“Nesta época de final de ano letivo, estamos obtendo bons resultados vocacionais. Nós, Camilianos, tentamos nos manter em forma tanto quanto possível com muitas pequenas coisas boas para fazer, não apenas no campo vocacional, mas também com nossas iniciativas sociais e de caridade.”
É o que conta à agência missionária Fides o padre Luigi Galvani, pioneiro na Diocese de Maumere, na Indonésia, onde os Missionários Camilianos estão presentes em três dioceses com 4 seminários, dois centros sociais onde coordenam um programa de nutrição para 160 crianças pobres, apoio à distância para cerca de 20 estudantes merecedores, um projeto de “casas especiais” para libertar os doentes mentais de situações de opressão e, por fim, um modesto projeto de produção de água mineral e do sorvete “São Camilo”.
Ordenações diaconais entre os vários institutos missionários
“Em junho e julho – explica ele – estão programadas várias ordenações diaconais entre os vários institutos missionários. No domingo, 2 de junho, 48 foram ordenados diáconos Verbitas, que serão seguidos por outros 8 diáconos Carmelitas no dia 7 de junho, e 27 interdiocesanos (Dioceses de Maumere, Ende, Ruteng, Larantuka e Denpasar) no domingo, 9 de junho. A esses se seguirão as ordenações de cinco diáconos Camilianos no próximo dia 14 de julho, na festa de nosso fundador, São Camilo de Lellis”.
A mais católica das 17.000 ilhas do arquipélago indonésio

Em algumas áreas do país, que o Papa visitará em setembro, membros do clero local e de ordens religiosas masculinas e femininas moram por alguns dias em famílias católicas, …

“Nos próximos meses, haverá também as profissões religiosas de numerosos noviços e noviças dos vários institutos masculinos e femininos presentes na Diocese de Maumere, que, no momento, atingiram o número de 62 comunidades religiosas”.
“Todos esses resultados vocacionais encorajadores – conclui o missionário – certamente recompensam o empenho dos vários promotores, mas também são um testemunho da fé e do espírito missionário de centenas e centenas de famílias na ilha de Flores, que continua sendo a mais católica das 17.000 ilhas do arquipélago indonésio. Talvez seja também por isso que Flores é chamada de “terra prometida” de vocações.
(com Fides)

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África Central, quando uma Porta Santa se abriu para o mundo

O Jubileu Extraordinário da Misericórdia, em 2015, foi aberto em um lugar sem precedentes, longe do coração cristão do mundo, a Basílica de São Pedro, mas dentro do coração do Papa Francisco, em Bangui. O cardeal Dieudonné Nzapalainga, então arcebispo da capital da África Central, revive aquele dia memorável e o significado benéfico que a visita do Pontífice produziu ao longo do tempo.
Maria Milvia Morciano e Jean Charles Putzolu – Vatican News
É tarde e a noite se prepara lentamente para chegar, tingindo o céu de rosa e dourado. A porta da Catedral de Notre-Dame em Bangui se abre, empurrada por duas mãos firmes. A figura de Francisco está de pé, vigorosa. Muitos anos se passaram desde aquele 29 de novembro de 2015, o primeiro dia do Advento e a data de início do Jubileu Extraordinário da Misericórdia, que foi inaugurado, antecipadamente, em um lugar igualmente extraordinário, na capital da África Central. Pela primeira vez na história, a abertura da Porta Santa não se realiza na Basílica de São Pedro, no túmulo do Apóstolo, no centro do mundo cristão, mas em um lugar remoto, para muitos desconhecido.
Capital espiritual
A África Central é um dos países mais sangrentos e divididos do mundo. O Papa o escolheu justamente por esse motivo, para levar misericórdia e uma mensagem de paz a uma “terra que está sofrendo há vários anos com a guerra e o ódio, a incompreensão e a falta de paz. Mas nessa terra sofrida há também todos os países que estão passando através da cruz da guerra. Bangui se torna a capital espiritual da oração pela misericórdia do Pai. Todos nós pedimos paz, misericórdia, reconciliação, perdão, amor. Por Bangui, por toda a República Centro-Africana, por todo o mundo, pelos países que estão sofrendo com a guerra, pedimos paz!”, disse o Papa na praça da igreja, depois de sair de um papamóvel, desprovido de qualquer proteção contra possíveis perigos, onde o imã também concordou em se sentar.
Um gesto universal compreendido por todos
Uma tradição antiga é transferida para um país jovem. O significado de abrir a Porta Santa e cruzar o limiar está enraizado em um simbolismo ancestral que, em Bangui, se ramifica e dá novos frutos. Ele está revestido de futuro. O gesto do Papa Francisco foi revolucionário porque, em um lugar fechado, cheio de barreiras, ele abre uma porta para a esperança, convida as pessoas a entrarem para encontrar misericórdia e paz, para encontrar Cristo e serem transformadas. Ele traduz de forma cristã uma metáfora compreensível para todos, em qualquer lugar do mundo, de qualquer tradição, religião, experiência e história. Todos entendem que se trata de um rito de passagem fundamental e sagrado.
A linha de fronteira, o limes latim, ponto final, fechamento, é transformada em limen, limiar, abertura. Talvez não seja coincidência o fato de duas palavras opostas conterem a mesma raiz, mas é interessante lembrar o fato de que, na linguagem eclesiástica, a “visitatio ad limina apostolorum” é a visita dos peregrinos aos túmulos dos apóstolos Pedro e Paulo, que remonta aos primeiros séculos da Igreja, mais tarde estendida aos bispos. Tudo fala de Jubileu.
Portas Santas em toda parte
Naquele ano de Misericórdia, muitas Portas Santas foram abertas em todo o mundo, quase um sistema solar composto por milhares de estrelas brilhantes espalhadas pela Terra, mesmo nos lugares mais remotos. Foi uma grande oportunidade, um presente dado a todos, mesmo àqueles que, por vários motivos, não podiam se locomover e viajar. Foi um jubileu extraordinário que pôde ser vivenciado em todas as igrejas locais, permitindo que aqueles que quisessem vivenciar plenamente o evento, fazer a peregrinação e atravessar a Porta da Misericórdia em sua própria diocese.
Uma esperança que vem de Roma
O cardeal Dieudonné Nzapalainga, então arcebispo de Bangui, é um dos intérpretes nodais de seu país. Sua história é de fé e de uma árdua “luta pela paz”, lembrando o título de seu livro na versão italiana, publicado pela Livraria Editora Vaticana em 2022. O cardeal centro-africano compartilhou com a mídia vaticana, aos microfones de Jean Charles Putzolu, a memória daqueles dias e as consequências benéficas da visita do Papa à África Central.
Gostaria de levá-los de volta ao dia 29 de novembro de 2015, o primeiro domingo do Advento, quando o Papa Francisco abriu a Porta Santa do Jubileu da Misericórdia. Foi em Bangui, na República Centro-Africana, portanto, em seu país: uma tradição muito antiga chegando a um país jovem. Em sua opinião, qual foi o significado desse gesto para todos os centro-africanos?
É um gesto único na história não apenas da Igreja universal, mas também da nossa Igreja.
Porque nós, centro-africanos, diante da violência, do sofrimento e da morte, encontrando-nos vivendo em um estado de absurdo, sentimos a esperança que veio de Roma por meio do homem de Deus, o Papa, que veio para aplacar, para trazer paz, tranquilidade e perdão, para trazer reconciliação, convidando nós, centro-africanos, a abrir as portas de nossos corações, cheios de ódio, rancor e vingança, para que pudéssemos nos enfrentar. É por isso que ele mesmo disse para depormos nossas armas: “leve a justiça, leve o amor”. Acredito que seu gesto será sempre lembrado aqui na República Centro-Africana. Muçulmanos, protestantes, católicos, todos nós somos unânimes em dizer que sua chegada foi salutar.
E o Papa de fato chegou. Ela se lembrou dessa mensagem, desse chamado para depor as armas. Havia uma enorme tensão até quase dois dias antes de sua chegada a Bangui. Houve mais tensão desde então? Essa mensagem foi ouvida? A mensagem do Papa foi ouvida e atendida? As armas ficaram em silêncio?
Acho que a mensagem foi ouvida. Passamos seis meses desde a partida do Papa como se estivéssemos em um país normal, algo impensável até dois dias antes de sua chegada. Sua chegada aliviou a pressão. Vimos muçulmanos saindo de seus enclaves para se juntarem a seus irmãos e irmãs católicos no estádio, para participar da grande celebração. As pessoas iam e vinham. O Km 5 [marco 5] era considerado um local onde havia muitas armas e, portanto, não se podia entrar. Mas fui até lá com os cristãos para acompanhar o Papa, dizendo aos muçulmanos: “vamos caminhar juntos!”
O Papa veio de Roma para a República Centro-Africana, os cristãos de Bangui deixaram nossos bairros para ir ao encontro de nossos irmãos, caminhando pela paz. Bem, nós marchamos e continuamos a fazê-lo desde aquele dia. Um líder rebelde nos disse que deveríamos conversar sobre espiritualidade com os imãs. Os imãs organizaram uma grande reunião para pedir aos líderes rebeldes que depusessem suas armas e muita coisa mudou desde então. Isso também foi resultado da visita do Papa.
Os imãs realizaram um grande encontro para pedir aos líderes rebeldes que deponham as armas e isso mudou muito. Esse também foi o resultado da visita do Papa, que nos deu um empurrão, nos fez recomeçar e agora estamos vendo os resultados. Hoje as armas não circulam mais como antes.
Em sua opinião, quais foram os outros frutos desse evento?
Foram os encontros entre jovens muçulmanos e jovens cristãos. Encontros bastante regulares entre mulheres muçulmanas e mulheres cristãs, e entre nós, líderes. Há pouco tempo, em março, uma mesquita a 250 quilômetros daqui foi vandalizada. O imã, o pastor protestante e eu falamos ao coração de nossos fiéis para desarmá-los e convidá-los a cooperar, respeitar, valorizar e respeitar o local. Esse, em minha opinião, é o fruto dessa passagem. Agora também pedimos que a justiça seja feita. Isso significa que aqueles que perderam suas casas devem poder recuperá-las, o que significa que aqueles que moram na casa do vizinho há muito tempo devem ter a gentileza de sair. E nós, líderes religiosos, trabalhamos com o coração. Há alguns que saem para deixar a casa para os proprietários sem passar pelos tribunais ou pelo Estado. Portanto, acho que isso também é proveitoso. Agora os corações estão dispostos e podemos conversar, podemos imaginar um futuro comum.
Quando o senhor diz que eles saem de casa, é porque eles realmente a devolvem ao seu legítimo proprietário, certo?
Exatamente isso.
Em um nível mais pessoal, Vossa Eminência, quais são suas lembranças mais fortes e talvez mais vívidas daquele período?
A lembrança mais vívida é a de entrar no quilômetro 5 dois dias antes: era impossível atravessar o posto de controle. Eu estava lá. Vi com meus próprios olhos: o Papa escolheu ir em um veículo não blindado, mas em campo aberto. Todos sabiam que havia muitas armas no local. Francisco teve a coragem de ir até lá e vimos que o imã também concordou em ir no papamóvel. Essa é a imagem mais forte. Quando saí para ir ao estádio, vi muçulmanos saindo em massa, arriscando suas vidas. Foi sua fé que os levou a sair. Um imã nos disse: ‘O Papa não veio para vocês, cristãos, mas para nós, muçulmanos. Estávamos no enclave, estávamos na escravidão. Ele nos libertou!”
Eminência, uma última pergunta: o senhor se tornou inseparável do Imã… entre cristãos e muçulmanos e também com os protestantes. Vocês realizam iniciativas juntos quase diariamente. Esse é outro fruto. É claro que é o resultado de seu trabalho, mas também é o resultado da visita do Papa…
A visita do papa nos confortou, incentivou e apoiou nesse trabalho. E fomos nós três que pedimos a ele que viesse à República Centro-Africana. Acho que todos nós somos gratos a ele. Esse é o fruto de sua passagem.
O Jubileu de 2025. Como estão se preparando para ele?
O Jubileu de 2025 é um momento importante para a Igreja. Bem, já estão sendo criados grupos aqui para refletir, orar, reunir-se e também para ver como, localmente, viveremos esse momento. Este ano celebraremos 130 anos de evangelização na República Centro-Africana e, ao mesmo tempo, estaremos caminhando para 2025, que está logo ali, e estamos trabalhando em ambos. Portanto, acho que há muito entusiasmo. Eu estava com um grupo de jovens que se encontrava na igreja em massa e dissemos uns aos outros: este é um momento importante porque é um momento de graça, mas também é um momento complicado e elevado. Não podemos deixar passar esse momento favorável.

O cardeal Dieudonné Nzapalainga

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