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Santuário de Lourdes: quem chega como turista, sai peregrino

O missionário da misericórdia Pe. Paulo Dalla Dea, depois do Santuário de Ars, exerce agora seu ministério em Lourdes, meta de peregrinações para a busca não só da cura de doenças, mas também do perdão, “do perdão dos relacionamentos, de uma conversão espiritual”. Além da fiel presença de portugueses, o Santuário tem registrado um vertiginoso aumento da presença brasileira. Assim, a partir do mês de abril, haverá um impulso no português como língua nas celebrações e atividades no Santuário.
Jackson Erpen – Cidade do Vaticano

“A espiritualidade de Lourdes é profundamente contemporânea e é isso que me deixa assim atônito, surpreso e maravilhado aqui em Lourdes”, confessa Pe. Paulo Dalla Dea, por anos missionário da misericórdia no Santuário de Ars, na França, e que agora exerce seu ministério no Santuário mariano incravado nos Pirineus franceses, um lugar de partilha, de encontro, de conversão.
Ali o sacerdote brasileiro se desdobra entre celebrações, confissões e outras atividades para bem atender, em particular os peregrinos de língua portuguesa, sempre em maior número, motivo pelo qual, a partir da Páscoa deste ano, haverá um incremento das celebrações em português, o que incluirá também a visita guiada “Passos de Bernadette” e a Procissão Luminosa.
O sacerdote fidei donum, da Diocese de São Carlos (SP), começou falando ao Vatican News sobre a espiritualidade no Santuário de Lourdes, que destaca ser profundamente batismal, leiga e feminina – protagonizada por duas mulheres, Maria e Bernadete – , baseada na oração, na conversão espiritual:
Uma coisa importante aqui é rezar pelos pecadores, rezar pelos doentes, rezar pelos outros. Nossa Senhora nas aparições a Bernadete, ela disse: “Reze pelos pecadores”, mas não só pelos pecadores para se converter, também pelos doentes. Então essa espiritualidade de você sair de si para rezar, se preocupar, trabalhar pelo outro, está muito no fundamento da espiritualidade de Lourdes. Outra coisa quando você fala de rezar pelos pecadores, você tá pensando em converter, mas converter nada mais é do que voltar ao primeiro amor, voltar ao primeiro toque de Deus na vida da pessoa. Então, voltar ao primeiro amor, os peregrinos que aqui passam, querem voltar ao primeiro amor, renovar sua vida cristã, a sua vida batismal.

©Photo SNDL / Pierre Vincent

E outra coisa que a gente pode falar da espiritualidade de Lourdes, é que as pessoas vem aqui pedir a cura, uma cura corporal, uma cura dos relacionamentos, uma cura da sua vida cristã – e aqui a gente fala de conversão. Então, quando a gente fala de cura, a gente tá falando não só da cura da doença, mas do perdão, do perdão dos relacionamentos, de uma conversão espiritual. Isso tudo tá dentro da espiritualidade de Lourdes.
E aqui a espiritualidade de Lourdes me deixa muito entusiasmado, porque para mim, mesmo que as aparições sejam do século XIX, ela é uma espiritualidade leiga. Bernadete nunca foi padre! Bernadete na época era uma adolescente, pobre, analfabeta, que não tinha feita ainda a Primeira Comunhão no momento da primeira aparição. Ou seja, é uma espiritualidade leiga, é uma espiritualidade feminina, porque aqui nós estamos falando de duas mulheres, de Maria, a grande mãe de Deus Maria Santíssima, e de Bernadete, uma pequena garota, uma adolescente pobre do interior da França, e é uma espiritualidade feminina. A gente vê aqui, são duas mulheres conversando, se relacionando, se conhecendo, e uma ajudando a outra a crescer.
E temos aqui uma espiritualidade profundamente batismal! Todos os símbolos de Lourdes se referem ao batismo. Por exemplo, nós estamos falando da fonte, da Gruta, o rochedo que as pessoas passam aqui tocando, a nossa rocha é o Cristo! Estamos falando das velas que as pessoas vêm, desde as primeiras aparições Bernardete vinha com uma vela e ainda hoje as pessoas vêm depositar uma vela. Diante da Gruta de Lourdes, tem um grande castiçal que parece uma árvore de Natal iluminada, vamos dizer assim.  Então o símbolo da luz, o símbolo da luz é profundamente batismal; depois, na primeira aparição, Bernadete conta que escutou um barulho como de um vento, a primeira vez ela achou estranho, depois a segunda vez esse barulho se repetiu, aí ela viu Maria? Esse barulho de vento nos remete a Pentecostes. O vento do Espírito Santo que sopra sobre os Apóstolos. Então nós estamos falando aqui de uma espiritualidade profundamente batismal: água – rocha – luz – espírito – vento. Tudo isso faz parte da espiritualidade de Lourdes, uma espiritualidade que falou ao século XX, por que ela é precursora do Concílio Vaticano II, e uma espiritualidade que fala ao século XXI, valorizando mulheres, leigos, batizados. A espiritualidade de Lourdes é profundamente contemporânea e a isso que me deixa assim atônito, surpreso e maravilhado aqui em Lourdes.

Pereginos tocam a rocha na Gruta das Aparições. (©Photo SNDL / Pierre Vincent)

Mas, o que os peregrinos buscam e o que encontram em Lourdes?
Eu acho que os peregrinos vêm a Lourdes, porque vem a um Santuário. E o Santuário é um lugar onde Deus colocou o seu dedo, Deus tocou a terra. Então, os peregrinos vêm para ser também tocados por Deus, para serem também curados. Aqui é um lugar de abertura ao Divino, vamos dizer, ao maravilhoso, a Deus que se faz presente, que se faz Emanuel, Deus conosco, Emanuel figura de Jesus, mas no Santuário ele se faz concreto em algumas situações, mas também tem muita gente que vem para cá como turista, vem aqui para tirar foto, porque o lugar é bonito, é iluminado, tem uma Gruta e tal. Mas eu tenho visto aqui que muita gente chega como turista e sai como peregrino, chega, por exemplo, para trazer um doente, um parente que está em estado terminal, que é católico e quer vir aqui a Lourdes e acompanhando esse parente, esse doente, a pessoa tem um momento, uma revelação, uma epifania, um toque de Deus na sua vida. E eu às vezes estou lá no confessionário e a pessoa chega e fala: padre Paulo, eu nem acreditava em Deus, faz 40 anos que eu não piso numa igreja, mas aqui em Lourdes eu senti alguma coisa, Deus me falou, Nossa senhora me tocou, eu venho aqui depositar minha vida, quero pedir perdão de meus pecados. E aí joga que nem um saco de batata na confissão, abre o saco de batata, vamos dizer assim, e pede perdão por 30 anos, 40 anos, 50 anos de vida. Os peregrinos vêm para serem tocados e muita gente é tocada, muita gente recebe esse toque de Deus, não só na gruta, mas as experiências que estão em volta e às vezes até nas experiências de troca, de partilha, vamos dizer assim. Aqui é um lugar de partilha da fé, é lugar de encontro, onde as pessoas se encontram, entre si e com Deus. É um lugar da fé ser vivida na alegria, é o lugar da fé ser vivida na simplicidade do serviço. Aqui nós temos milhares de voluntários que vêm durante o ano servir, servir os doentes, servir os peregrinos, dar informação, trabalhar na limpeza de tudo, de tudo, gente que vem e faz o que pode, gente que vive a simplicidade do serviço. E aqui é o lugar da experiência com Maria. Maria é aquela mulher que fala pouco, mas que vive muito do Evangelho. Então isso acho que os peregrinos encontram: partilha de fé, uma fé vivida na alegria, uma fé vivida na simplicidade do serviço e sobretudo uma experiência com Maria.
Perguntamos ao Pe. Paulo, do porquê exatamente desse incremento da língua portuguesa no Santuário…
Acho que primeiro vamos ser justos: a população portuguesa aqui é muito fiel, há mais de 40 anos os portugueses são muito fiéis aqui no Santuário. Mas a nossa grande dificuldade era achar padre, era achar gente para trabalhar aqui em português. Não conseguimos padres portugueses para trabalhar aqui. O Santuário e teve muita dificuldade. Antes eu estava em Ars, agora estou aqui em Lourdes trabalhando como missionário da misericórdia. O Papa Francisco pediu que nós missionários trabalhássemos nos Santuários. Então estou eu aqui. Resolvido esse problema, a gente viu esses tempos atrás que teve um aumento comparando 2019 com 2023, foi o período antes e pós pandemia, vamos dizer assim, para desprezar a pandemia que foi um período meio louco, meio especial, então comparando 2019 com 2023, nós tivemos um aumento de 400% de brasileiros que passam por aqui. Então acho que a gente pode somar as razões, o aumento da importância econômica do Brasil no mundo, o Brasil tem, de uns 10 anos para cá, tem aumentado a importância econômica no mundo, com alguma variação, a gente sabe de algum alto e baixo, e tal, mas a língua brasileira também tem sido importante, especialmente para o número de turistas, a situação econômica do Brasil melhora, a de Portugal também melhora, aí então as pessoas começam passear mais, comprar mais, rezar mais, visitar mais os santuários, e isso tem refletidos aqui em Lourdes e por isso também se justifica o fato de ter um padre brasileiro.

©Photo SNDL / Pierre Vincent

Missas em diversas línguas
 
O Santuário acolhe peregrinos e turistas de todas as partes do mundo. Neste sentido, padre Paulo Dalla Dea explica que durante aquela que é considerada a “baixa temporada”, ou seja, agora durante o inverno, são celebradas nove Missas diárias em francês, mas dependendo da presença de diferentes grupos linguísticos, também há celebrações em outras línguas. Por outro lado, entre a Páscoa e 8 de dezembro, período com grande presença de peregrinos, são celebradas mais de 25 Missas nas 3 basílicas e 26 igrejas e capelas, naquelas que são as línguas “oficiais” do Santuário, ou seja, o francês, o inglês, alemão, espanhol, italiano. A estas somam-se as Missas celebradas por sacerdotes que acompanham os grupos vindos de várias partes do mundo.
Programação em português
 
Mas a novidade a partir da Páscoa deste ano, é a maior presença da língua portuguesa para melhor atender aos peregrinos. Assim, serão celebradas três Missas por semana em português – segundas, quartas e sextas-feiras, às 17 horas. Haverá atendimento de confissões diariamente, à exceção das quintas-feiras. Já às 9h30 de segunda à sexta, haverá a visita guiada em português de ‘Passos de Bernadete”, que percorre o Santuário, passando pelo local das aparições, a casa da Bernadete, entre outros.
Além disso, todo dia 13 do mês, será celebrada uma Missa em honra a Nossa Senhora de Fátima, também às 17 horas, para incentivar a participação, visto ter muitos portugueses trabalhando em Lourdes, quer na hotelaria como nos restaurantes.
O sacerdote brasileiro também está traduzindo para o português os Mistérios do Rosário para a Procissão Luminosa noturna, para quando houver um maior afluxo de peregrinos lusófonos.

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O Papa: muitos conflitos abertos, não ceder à lógica das armas

Francisco divulgou uma carta por ocasião dos 80 anos do voto de Pio XII e da cidade de Roma a Maria Salus Populi Romani durante a fúria da II Guerra Mundial. O Pontífice pede que o aniversário seja uma oportunidade para “meditar em torno do terrível flagelo da guerra”. Olhando para a Ucrânia, Oriente Médio, Sudão e Mianmar, exorta a ouvir os “gritos de terror e de sofrimento” que questionam a consciência de todos e a “trabalhar pela paz na Europa e no mundo”.
Mariangela Jaguraba- Vatican News
O Papa Francisco enviou uma carta ao vice-gerente da Diocese de Roma, dom Baldassarre Reina, por ocasião dos 80 anos do voto de Pio XII e da cidade de Roma ao ícone de Nossa Senhora conhecido como “Salus Populi Romani” durante a II Guerra Mundial.
O Pontífice une-se espiritualmente a toda a comunidade diocesana que celebra pela primeira vez a memória litúrgica da Salus Populi Romani, e recorda o voto que o povo de Roma e seu Pastor, Papa Pio XII, fez a Nossa Senhora em 4 de junho de 1944 para implorar a salvação da cidade, quando o confronto direto entre o exército alemão e os aliados anglo-americanos estava prestes a acontecer”, escreve o Papa no texto.
“A devoção ao antigo ícone conservado na Basílica de Santa Maria Maior está viva há séculos no coração dos romanos, que recorriam a ele para fazer súplicas e invocações, especialmente durante pragas, desastres naturais e guerras”, escreve ainda Francisco. “Os eventos marcantes da vida religiosa e civil de Roma eram registrados em frente a essa imagem. Portanto, não é de surpreender que o povo romano desejou confiar-se mais uma vez a Maria Salus Populi Romani enquanto a Urbe vivia o pesadelo da devastação nazista”, ressalta ainda o Papa.

Pio XII com os cidadãos romanos após o bombardeio do bairro de São Lourenço

Não ceder à lógica das armas
De acordo com Francisco, “oitenta anos depois, a lembrança desse acontecimento tão cheio de significado quer ser uma ocasião para rezar por aqueles que perderam a vida na II Guerra Mundial e para fazer uma meditação renovada sobre o tremendo flagelo da guerra”.
Muitos conflitos em diferentes partes do mundo ainda estão abertos hoje. Penso em particular na martirizada Ucrânia, na Palestina e Israel, no Sudão e Mianmar, onde as armas ainda fazem barulho e mais sangue humano continua sendo derramado.

“Esses são dramas que afetam inúmeras vítimas inocentes, cujos gritos de terror e sofrimento questionam a consciência de todos: não podemos e não devemos ceder à lógica das armas!”

O apelo de Paulo VI à ONU
O Pontífice recorda que “vinte anos após o fim da II Guerra Mundial, em 1965, o Papa São Paulo VI, falando na ONU, perguntou: ‘Será que o mundo chegará a mudar a mentalidade particularista e bélica que até agora teceu grande parte de sua história?'” Segundo Francisco, “essa pergunta, que ainda aguarda uma resposta, estimula todos a trabalhar concretamente pela paz na Europa e em todo o mundo”.

“A paz é um dom de Deus que também deve encontrar hoje corações dispostos a acolhê-lo e trabalhar para serem construtores da reconciliação e testemunhas da esperança.”

Ser construtor de paz
Francisco espera “que as iniciativas promovidas para comemorar o voto popular à Mãe de Deus, nos quatro lugares que foram protagonistas daquele acontecimento, possam reavivar nos romanos a intenção de serem construtores de uma verdadeira paz em todos os lugares, relançando a fraternidade como condição essencial para recompor conflitos e hostilidade”. “Pode ser construtor de paz”, ressalta o Papa, “quem a possui dentro de si e, com coragem e mansidão, se compromete em criar vínculos, em estabelecer relações entre as pessoas, em apaziguar as tensões na família, no trabalho, na escola, entre os amigos”.
O Pontífice conclui a carta, pedindo a Nossa Senhora Medianeira para que “obtenha para toda a humanidade o dom da concórdia e da paz” e confia “todos os habitantes de Roma, especialmente os idosos, os doentes, as pessoas sozinhas e em dificuldade, à intercessão materna da Salus Populi Romani”.

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Indonésia. Ilha de Flores ainda é uma “terra prometida” de vocações

“Em junho e julho estão programadas várias ordenações diaconais entre os vários institutos missionários. No domingo, 2 de junho, 48 foram ordenados diáconos Verbitas, que serão seguidos por outros 8 diáconos Carmelitas no dia 7 de junho, e 27 interdiocesanos (Dioceses de Maumere, Ende, Ruteng, Larantuka e Denpasar) no domingo, 9 de junho. A esses se seguirão as ordenações de cinco diáconos Camilianos no próximo dia 14 de julho, na festa de nosso fundador, São Camilo de Lellis”, conta Pe. Galvani
Vatican News

 

Em 1924 os vigários e prefeitos apostólicos encontraram-se pela primeira vez, para definir uma orientação comum sobre diversas questões da vida da Igreja e sobre a relação com as …

“Nesta época de final de ano letivo, estamos obtendo bons resultados vocacionais. Nós, Camilianos, tentamos nos manter em forma tanto quanto possível com muitas pequenas coisas boas para fazer, não apenas no campo vocacional, mas também com nossas iniciativas sociais e de caridade.”
É o que conta à agência missionária Fides o padre Luigi Galvani, pioneiro na Diocese de Maumere, na Indonésia, onde os Missionários Camilianos estão presentes em três dioceses com 4 seminários, dois centros sociais onde coordenam um programa de nutrição para 160 crianças pobres, apoio à distância para cerca de 20 estudantes merecedores, um projeto de “casas especiais” para libertar os doentes mentais de situações de opressão e, por fim, um modesto projeto de produção de água mineral e do sorvete “São Camilo”.
Ordenações diaconais entre os vários institutos missionários
“Em junho e julho – explica ele – estão programadas várias ordenações diaconais entre os vários institutos missionários. No domingo, 2 de junho, 48 foram ordenados diáconos Verbitas, que serão seguidos por outros 8 diáconos Carmelitas no dia 7 de junho, e 27 interdiocesanos (Dioceses de Maumere, Ende, Ruteng, Larantuka e Denpasar) no domingo, 9 de junho. A esses se seguirão as ordenações de cinco diáconos Camilianos no próximo dia 14 de julho, na festa de nosso fundador, São Camilo de Lellis”.
A mais católica das 17.000 ilhas do arquipélago indonésio

Em algumas áreas do país, que o Papa visitará em setembro, membros do clero local e de ordens religiosas masculinas e femininas moram por alguns dias em famílias católicas, …

“Nos próximos meses, haverá também as profissões religiosas de numerosos noviços e noviças dos vários institutos masculinos e femininos presentes na Diocese de Maumere, que, no momento, atingiram o número de 62 comunidades religiosas”.
“Todos esses resultados vocacionais encorajadores – conclui o missionário – certamente recompensam o empenho dos vários promotores, mas também são um testemunho da fé e do espírito missionário de centenas e centenas de famílias na ilha de Flores, que continua sendo a mais católica das 17.000 ilhas do arquipélago indonésio. Talvez seja também por isso que Flores é chamada de “terra prometida” de vocações.
(com Fides)

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África Central, quando uma Porta Santa se abriu para o mundo

O Jubileu Extraordinário da Misericórdia, em 2015, foi aberto em um lugar sem precedentes, longe do coração cristão do mundo, a Basílica de São Pedro, mas dentro do coração do Papa Francisco, em Bangui. O cardeal Dieudonné Nzapalainga, então arcebispo da capital da África Central, revive aquele dia memorável e o significado benéfico que a visita do Pontífice produziu ao longo do tempo.
Maria Milvia Morciano e Jean Charles Putzolu – Vatican News
É tarde e a noite se prepara lentamente para chegar, tingindo o céu de rosa e dourado. A porta da Catedral de Notre-Dame em Bangui se abre, empurrada por duas mãos firmes. A figura de Francisco está de pé, vigorosa. Muitos anos se passaram desde aquele 29 de novembro de 2015, o primeiro dia do Advento e a data de início do Jubileu Extraordinário da Misericórdia, que foi inaugurado, antecipadamente, em um lugar igualmente extraordinário, na capital da África Central. Pela primeira vez na história, a abertura da Porta Santa não se realiza na Basílica de São Pedro, no túmulo do Apóstolo, no centro do mundo cristão, mas em um lugar remoto, para muitos desconhecido.
Capital espiritual
A África Central é um dos países mais sangrentos e divididos do mundo. O Papa o escolheu justamente por esse motivo, para levar misericórdia e uma mensagem de paz a uma “terra que está sofrendo há vários anos com a guerra e o ódio, a incompreensão e a falta de paz. Mas nessa terra sofrida há também todos os países que estão passando através da cruz da guerra. Bangui se torna a capital espiritual da oração pela misericórdia do Pai. Todos nós pedimos paz, misericórdia, reconciliação, perdão, amor. Por Bangui, por toda a República Centro-Africana, por todo o mundo, pelos países que estão sofrendo com a guerra, pedimos paz!”, disse o Papa na praça da igreja, depois de sair de um papamóvel, desprovido de qualquer proteção contra possíveis perigos, onde o imã também concordou em se sentar.
Um gesto universal compreendido por todos
Uma tradição antiga é transferida para um país jovem. O significado de abrir a Porta Santa e cruzar o limiar está enraizado em um simbolismo ancestral que, em Bangui, se ramifica e dá novos frutos. Ele está revestido de futuro. O gesto do Papa Francisco foi revolucionário porque, em um lugar fechado, cheio de barreiras, ele abre uma porta para a esperança, convida as pessoas a entrarem para encontrar misericórdia e paz, para encontrar Cristo e serem transformadas. Ele traduz de forma cristã uma metáfora compreensível para todos, em qualquer lugar do mundo, de qualquer tradição, religião, experiência e história. Todos entendem que se trata de um rito de passagem fundamental e sagrado.
A linha de fronteira, o limes latim, ponto final, fechamento, é transformada em limen, limiar, abertura. Talvez não seja coincidência o fato de duas palavras opostas conterem a mesma raiz, mas é interessante lembrar o fato de que, na linguagem eclesiástica, a “visitatio ad limina apostolorum” é a visita dos peregrinos aos túmulos dos apóstolos Pedro e Paulo, que remonta aos primeiros séculos da Igreja, mais tarde estendida aos bispos. Tudo fala de Jubileu.
Portas Santas em toda parte
Naquele ano de Misericórdia, muitas Portas Santas foram abertas em todo o mundo, quase um sistema solar composto por milhares de estrelas brilhantes espalhadas pela Terra, mesmo nos lugares mais remotos. Foi uma grande oportunidade, um presente dado a todos, mesmo àqueles que, por vários motivos, não podiam se locomover e viajar. Foi um jubileu extraordinário que pôde ser vivenciado em todas as igrejas locais, permitindo que aqueles que quisessem vivenciar plenamente o evento, fazer a peregrinação e atravessar a Porta da Misericórdia em sua própria diocese.
Uma esperança que vem de Roma
O cardeal Dieudonné Nzapalainga, então arcebispo de Bangui, é um dos intérpretes nodais de seu país. Sua história é de fé e de uma árdua “luta pela paz”, lembrando o título de seu livro na versão italiana, publicado pela Livraria Editora Vaticana em 2022. O cardeal centro-africano compartilhou com a mídia vaticana, aos microfones de Jean Charles Putzolu, a memória daqueles dias e as consequências benéficas da visita do Papa à África Central.
Gostaria de levá-los de volta ao dia 29 de novembro de 2015, o primeiro domingo do Advento, quando o Papa Francisco abriu a Porta Santa do Jubileu da Misericórdia. Foi em Bangui, na República Centro-Africana, portanto, em seu país: uma tradição muito antiga chegando a um país jovem. Em sua opinião, qual foi o significado desse gesto para todos os centro-africanos?
É um gesto único na história não apenas da Igreja universal, mas também da nossa Igreja.
Porque nós, centro-africanos, diante da violência, do sofrimento e da morte, encontrando-nos vivendo em um estado de absurdo, sentimos a esperança que veio de Roma por meio do homem de Deus, o Papa, que veio para aplacar, para trazer paz, tranquilidade e perdão, para trazer reconciliação, convidando nós, centro-africanos, a abrir as portas de nossos corações, cheios de ódio, rancor e vingança, para que pudéssemos nos enfrentar. É por isso que ele mesmo disse para depormos nossas armas: “leve a justiça, leve o amor”. Acredito que seu gesto será sempre lembrado aqui na República Centro-Africana. Muçulmanos, protestantes, católicos, todos nós somos unânimes em dizer que sua chegada foi salutar.
E o Papa de fato chegou. Ela se lembrou dessa mensagem, desse chamado para depor as armas. Havia uma enorme tensão até quase dois dias antes de sua chegada a Bangui. Houve mais tensão desde então? Essa mensagem foi ouvida? A mensagem do Papa foi ouvida e atendida? As armas ficaram em silêncio?
Acho que a mensagem foi ouvida. Passamos seis meses desde a partida do Papa como se estivéssemos em um país normal, algo impensável até dois dias antes de sua chegada. Sua chegada aliviou a pressão. Vimos muçulmanos saindo de seus enclaves para se juntarem a seus irmãos e irmãs católicos no estádio, para participar da grande celebração. As pessoas iam e vinham. O Km 5 [marco 5] era considerado um local onde havia muitas armas e, portanto, não se podia entrar. Mas fui até lá com os cristãos para acompanhar o Papa, dizendo aos muçulmanos: “vamos caminhar juntos!”
O Papa veio de Roma para a República Centro-Africana, os cristãos de Bangui deixaram nossos bairros para ir ao encontro de nossos irmãos, caminhando pela paz. Bem, nós marchamos e continuamos a fazê-lo desde aquele dia. Um líder rebelde nos disse que deveríamos conversar sobre espiritualidade com os imãs. Os imãs organizaram uma grande reunião para pedir aos líderes rebeldes que depusessem suas armas e muita coisa mudou desde então. Isso também foi resultado da visita do Papa.
Os imãs realizaram um grande encontro para pedir aos líderes rebeldes que deponham as armas e isso mudou muito. Esse também foi o resultado da visita do Papa, que nos deu um empurrão, nos fez recomeçar e agora estamos vendo os resultados. Hoje as armas não circulam mais como antes.
Em sua opinião, quais foram os outros frutos desse evento?
Foram os encontros entre jovens muçulmanos e jovens cristãos. Encontros bastante regulares entre mulheres muçulmanas e mulheres cristãs, e entre nós, líderes. Há pouco tempo, em março, uma mesquita a 250 quilômetros daqui foi vandalizada. O imã, o pastor protestante e eu falamos ao coração de nossos fiéis para desarmá-los e convidá-los a cooperar, respeitar, valorizar e respeitar o local. Esse, em minha opinião, é o fruto dessa passagem. Agora também pedimos que a justiça seja feita. Isso significa que aqueles que perderam suas casas devem poder recuperá-las, o que significa que aqueles que moram na casa do vizinho há muito tempo devem ter a gentileza de sair. E nós, líderes religiosos, trabalhamos com o coração. Há alguns que saem para deixar a casa para os proprietários sem passar pelos tribunais ou pelo Estado. Portanto, acho que isso também é proveitoso. Agora os corações estão dispostos e podemos conversar, podemos imaginar um futuro comum.
Quando o senhor diz que eles saem de casa, é porque eles realmente a devolvem ao seu legítimo proprietário, certo?
Exatamente isso.
Em um nível mais pessoal, Vossa Eminência, quais são suas lembranças mais fortes e talvez mais vívidas daquele período?
A lembrança mais vívida é a de entrar no quilômetro 5 dois dias antes: era impossível atravessar o posto de controle. Eu estava lá. Vi com meus próprios olhos: o Papa escolheu ir em um veículo não blindado, mas em campo aberto. Todos sabiam que havia muitas armas no local. Francisco teve a coragem de ir até lá e vimos que o imã também concordou em ir no papamóvel. Essa é a imagem mais forte. Quando saí para ir ao estádio, vi muçulmanos saindo em massa, arriscando suas vidas. Foi sua fé que os levou a sair. Um imã nos disse: ‘O Papa não veio para vocês, cristãos, mas para nós, muçulmanos. Estávamos no enclave, estávamos na escravidão. Ele nos libertou!”
Eminência, uma última pergunta: o senhor se tornou inseparável do Imã… entre cristãos e muçulmanos e também com os protestantes. Vocês realizam iniciativas juntos quase diariamente. Esse é outro fruto. É claro que é o resultado de seu trabalho, mas também é o resultado da visita do Papa…
A visita do papa nos confortou, incentivou e apoiou nesse trabalho. E fomos nós três que pedimos a ele que viesse à República Centro-Africana. Acho que todos nós somos gratos a ele. Esse é o fruto de sua passagem.
O Jubileu de 2025. Como estão se preparando para ele?
O Jubileu de 2025 é um momento importante para a Igreja. Bem, já estão sendo criados grupos aqui para refletir, orar, reunir-se e também para ver como, localmente, viveremos esse momento. Este ano celebraremos 130 anos de evangelização na República Centro-Africana e, ao mesmo tempo, estaremos caminhando para 2025, que está logo ali, e estamos trabalhando em ambos. Portanto, acho que há muito entusiasmo. Eu estava com um grupo de jovens que se encontrava na igreja em massa e dissemos uns aos outros: este é um momento importante porque é um momento de graça, mas também é um momento complicado e elevado. Não podemos deixar passar esse momento favorável.

O cardeal Dieudonné Nzapalainga

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