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“Sitz im Leben” – situação vital

A “salvação de Deus acontece no tempo, no mergulho de Deus na história humana para carregar todos nós com Ele para uma vida por Ele resgatada e redimida. Esse resgate acontece por meio de ações concretas, de fatos, de acontecimentos, ritos, sacramentais, sacramentos e gestos de amor.”
Jackson Erpen – Cidade do Vaticano

Em um ensaio sobre o pensamento do teólogo dominicano belga Schillebeeckx, Paola Mancinelli¹ recorda que “o evento cristológico é o que estabelece uma antropologia do sobrenatural que, inegavelmente é significada no sacramento, dado que a humanidade recebe a própria santificação deste participar misticamente no ato teândrico do Senhor Jesus, presente na Igreja depositária, como no Seu Verdadeiro Corpo e como visibilidade da graça oferecida a cada criatura.”
Depois de “A dimensão corpórea da liturgia”, Pe. Gerson Schmidt* nos propõe hoje a reflexão “Sitz in Leben – situação vital”:
“A dimensão antropológica é fundamental até porque os anjos não precisam de sacramentos ou liturgia, embora no céu aconteça um eterno louvor. Os sacramentos se definem como sinais sensíveis e eficazes de Deus para o homem do nosso tempo, lá onde o rito acontece, por meio de gestos e símbolos audíveis, palpáveis, concretos, realizados no tempo e no espaço litúrgico-existencial. Aqui poderíamos referendar o termo teológico-bíblico do “Sitz im Leben”, que foi criado pelo biblista Herman Gunkel (1962-1932), referindo-se aos termos bíblicos em seu contexto de criação, nas circunstâncias em que ocorreu uma frase, uma história, ou um gênero textual. Na verdade, o texto, dentro do contexto, mergulhado e pesquisado na admosfera que foi dito, semeado, contextualizado. Tanto a Palavra de Deus, mergulhada no homem em seu status quo, quanto os sacramentos atuam no homem concreto, mergulhado – como se traduz o Sitz im Leben – na vida no aqui e agora existencial, dentro das suas circunstâncias.  

A Igreja no Brasil realiza uma Terceira Edição melhorada e atualizada do Missal “com alguns pontos adaptados, segundo à renovação querida pela Constituição Sacrosanctum Concilium, …

 
Já dizia o filósofo espanhol Ortega e y Casset( 1883-1955) em sua frase mais conhecida: “Eu sou eu e minhas circunstâncias, e se não a salvo a ela, não me salvo a mim”. O saudoso bispo e frei carmelita, bispo auxiliar de Porto Alegre, Dom Antônio do Carmo Cheuiche (1927-2009), foi membro do Conselho Episcopal Latino Americano (CELAM). Homem da cultura, foi o presidente fundador do Departamento da Cultura. Foi o organizador da visita do Papa João Paulo II à  capital gaúcha, em 1980. Em 1994, tomou parte de IV Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, que falou sobre a “inculturação do Evangelho”, tema candente na época. Cheuiche era especialista no assunto e fez sua rica contribuição no Documento final de São Domingos, da IV conferência do CELAM. Homem sábio, viajado e requisitado em inúmeras palestras e conferências. Foi o primeiro vigário episcopal do recém-criado Vicariato da Cultura da Arquidiocese de Porto Alegre, em 2001.
Por que referendamos a ele aqui? Porque, onde ele passava recordava a máxima de Ortega y Casset: “o homem é o homem e suas circunstâncias”. Talvez uma frase pelas pessoas mais escutadas da boca de Cheuiche. Conforme a Gaudium et Spes, número 53, “O Evangelho de Cristo foi anunciado às diversas nações na diversidade de suas culturas”. Portanto, ao homem situado e implantado, enxertado no seu contexto atual, não fictício, utópico, imaginário.
Kairós, que do grego se traduz por momento especial da graça de Deus no tempo, é o momento pontual da graça não para uma longínqua eternidade, mas para o momento pontual e momento presente, onde Deus atua com força, com sua mão prodigiosa e poderosa ao homem concreto dentro de sua cultura onde vive, convive e faz história. É, em última conclusão, a pessach (Páscoa), a passagem de Deus na vida da pessoa, situada dentro de um tempo e de um espaço vital, sobretudo dentro de uma comunidade eucarística que celebra e atualiza o mistério Pascal, atualizando esse mistério da fé e mistério pascal no hoje de sua e nossa história comunitária.
As manifestações e saudações constantes dos anjos, na narrativa bíblica, como referendamos, estão dentro de uma delicadeza da linguagem divina utilizada ao homem para que possa entender e compreender, dentro da condição humana perceptível, ou seja, condescendentes à corporeidade do ser humano. Senão não adiantaria se manifestarem se o homem não captasse o que dizem e revelam. Por isso, aparecerem de modo visível, mesmo sendo invisíveis, ou de forma claramente perceptível, mesmo em sonhos como José que acreditou na forma como o Arcanjo São Gabriel o havia avisado e preparado.  
Vamos repetir o que já dissemos, para podermos gravar a profundidade do assunto, sobretudo em programa de rádio. “A repetição é a rainha das ciências, diz o provérbio popular, tamanha importância, para amarrar bem esse tema. Se é assim a condição dos anjos invisíveis que se manifestam de maneira perceptível e em linguagem que o homem possa entender, quão profundo é o mistério do Natal!! Não se trata de um anjo ou arcanjo a visitar a humanidade e nos fazer uma revelação divina, embora bombástica e maravilhosa. Não se trata de uma manifestação pontual de Deus do anjo que vem com uma missão para anunciar uma Boa Nova e ir depois embora. É bem mais que isso. O Natal é um acontecimento ímpar, novo, sem precedentes na história salvífica, onde o Deus generoso e criativo decide se fazer um de nós, quando se faz carne e vem habitar entre nós, que não somos anjos, mas pecadores, necessitados da sua salvação e redenção. Essa salvação de Deus acontece no tempo, no mergulho de Deus na história humana para carregar todos nós com Ele para uma vida por Ele resgatada e redimida. Esse resgate acontece por meio de ações concretas, de fatos, de acontecimentos, ritos, sacramentais, sacramentos e gestos de amor.”
*Padre Gerson Schmidt foi ordenado em 2 de janeiro de 1993, em Estrela (RS). Além da Filosofia e Teologia, também é graduado em Jornalismo e é Mestre em Comunicação pela FAMECOS/PUCRS._______________
¹MANCINELLI, Paola. Sacramentalidade, símbolo, historicidade no pensamento de Schillebeeckx, 2009.

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