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Sonhando com a paz: as palavras dos Papas após as guerras

Neste período de aniversário de 2 anos da eclosão da guerra na Ucrânia, percorremos, através das palavras dos Pontífices, alguns dos momentos em que, depois de trágicos acontecimentos, finalmente chega a hora de acolher a reconciliação e iniciar um caminho de reconstrução que não é apenas material. O desejo é que, neste sulco marcado por eventos bélicos, em breve seja possível alcançar o dom da paz na Ucrânia e em todas as terras abaladas por conflitos.
Amedeo Lomonaco – Vatican News
Dois anos se passaram desde o início da guerra na Ucrânia (em 24 de fevereiro de 2022). Repercorrer os horrores desses 24 meses significa ver, através do dramático número de vítimas, a face de uma tragédia que ainda está ensanguentando a Europa.
Desde o início da invasão das forças militares russas, pelo menos 500 mil soldados russos e ucranianos morreram ou ficaram feridos nos campos de batalha – de acordo com várias fontes. De acordo com dados divulgados pelas Nações Unidas, mais de 10 mil civis foram mortos e 18.500 ficaram feridos. Além disso, mais de 6,4 milhões de pessoas deixaram a Ucrânia. “Um massacre inútil”, citando as palavras usadas pelo Papa Bento XV em carta endereçada em 1917 aos líderes dos povos beligerantes, que ainda aguarda o único epílogo verdadeiramente desejável, aquele da paz.
Abismos de dor antes da paz
A guerra na Ucrânia é uma página dramática como tantas outras catástrofes desencadeadas por conflitos que assolam toda a história da humanidade. Quando se segue o doloroso caminho das armas, povos inteiros são desfigurados e dilacerados pelo ódio. Uma “loucura” – como o Papa Francisco a definiu em várias ocasiões – que devastou muitos momentos também do século passado e deste início do terceiro milênio.
Mas, diante desses abismos de dor, os olhos do homem não podem fechar o olhar para a esperança. Depois de um sofrimento atroz, mais cedo ou mais tarde – finalmente – chega a hora em que a dádiva da paz pode ser acolhida. Depois de pilhas de vítimas e de escombros, chega o momento em que a reconciliação germina: nasce aquele instante em que os esforços para o diálogo e para a reconstrução prevalecem, e não as armas.
Há muitos desses momentos históricos, há muito esperados, em que as reflexões dos Pontífices ressoam após o fim de uma guerra. Em geral, são palavras pronunciadas para exortar a não esquecer os horrores que acabamos de vivenciar e para construir uma nova era, capaz de evitar novas destruições e de promover a verdadeira fraternidade.

Os efeitos da guerra na Ucrânia (Afp)

Primeira Guerra Mundial, Bento XV: o amanhecer após um ódio brutal
Um desses momentos históricos, marcado pelos frutos da paz, foi vivido em 11 de novembro de 1918, quando terminou a I Guerra Mundial, uma tragédia que custou mais de 37 milhões de vidas. Na véspera da solenidade de Natal daquele ano, Bento XV, dirigindo-se ao Sacro Colégio de Cardeais, relembrou esse capítulo dramático da história: “Nas alturas do Vaticano”, disse o Pontífice, “os gritos de dor desses anos de guerra infelizmente chegaram até nós”. Foi, portanto, “com estímulo, mas também com medida, de Pai” que, continuou o Papa da Igreja, “deploramos e condenamos os excessos de ódio brutal” e com os “nossos esforços” procuramos “apressar o alvorecer da paz, lembrando os princípios da imutável (…) justiça de Cristo”.

Soldados nas trincheiras durante a Primeira Guerra Mundial (foto de arquivo)

Pio XII após a II Guerra Mundial: um novo universo desponta
Em 8 de maio de 1945, terminou o segundo conflito mundial na Europa que custou a vida de pelo menos 55 milhões de pessoas. No dia seguinte, na mensagem transmitida em rádio intitulada “Aqui finalmente está o fim”, o Papa Pio XII enfatizou que “a guerra acumulou um caos de ruínas, ruínas materiais e ruínas morais, como a raça humana nunca conheceu em toda a sua história”.
O olhar do Pontífice se dirigiu, em primeiro lugar, aos “túmulos, às ravinas devastadas e vermelhas de sangue, onde repousam os inúmeros restos mortais daqueles que foram vítimas de combates ou massacres desumanos, da fome ou da miséria”. Parece que os mortos, acrescentou o Papa Pacelli, “admoestam os sobreviventes do terrível flagelo” e dizem a eles: “Levantem-se de nossos ossos, de nossos sepulcros e da terra, onde fomos jogados como grãos de trigo, os moldadores e construtores de uma Europa nova e melhor, de um universo novo e melhor, fundado no temor filial de Deus, na fidelidade a seus santos mandamentos, no respeito à dignidade humana, no princípio sagrado da igualdade de direitos para todos os povos e todos os Estados, grandes e pequenos, fracos e fortes”.

Destruição de Colônia durante a II Guerra Mundial (foto de arquivo)

Guerra do Vietnã, Paulo VI: futuro não isento de incógnitas
O ano de 1975 viu o fim de outro conflito sangrento, o que devastou o Vietnã. De acordo com várias fontes, mais de 58 mil soldados americanos, 250 mil soldados sul-vietnamitas e mais de 3 milhões de soldados e civis norte-vietnamitas morreram. Dois anos antes, após a assinatura dos Acordos de Paz de Paris, os Estados Unidos haviam deixado o país.
Em 22 de dezembro de 1975, o Papa Paulo VI falou sobre esse grande acontecimento do fim da guerra no país asiático durante discurso ao Sacro Colégio e à prelazia romana. “A conclusão das hostilidades no Vietnã, após 30 anos de guerra e de luta, abre para a Indochina e para todo o Sudeste Asiático um novo capítulo, não isento de incógnitas”. A Santa Sé, recordou o Papa Montini, procurou “colocar-se e permanecer em contato com as autoridades do Vietnã, desejando que assim possa agir em benefício mútuo, do Estado e da Igreja, em espírito de participação amistosa na obra de reconstrução do país e com a esperança de que àquela Comunidade Católica, uma das mais florescentes do grande mundo asiático, berço de antigas e nobres civilizações, seja dado espaço suficiente de vida e de atividades, no campo religioso que é próprio da Igreja, mas não sem influência benéfica para o desenvolvimento tranquilo e ordenado de toda a coletividade nacional”.

Explosão durante a Guerra do Vietnã (Afp)

Bálcãs, João Paulo II: Sarajevo seja uma encruzilhada de paz
Em 14 de dezembro de 1995, os Acordos de Dayton foram ratificados em Paris, pondo fim ao conflito na Bósnia e Herzegovina, que havia custado a vida de pelo menos 100 mil pessoas, incluindo 40 mil civis. Dirigindo-se ao corpo diplomático em 13 de janeiro de 1996, o Papa João Paulo II enfatizou que “um clima de paz parece se instaurar em certas partes da Europa”. “A Bósnia e Herzegovina pôde se beneficiar de um acordo que deve – nós esperamos – salvaguardar a sua fisionomia, levando em conta a sua composição étnica. Sarajevo, em particular, outra cidade simbólica, também deve se tornar uma encruzilhada de paz”. “Por outro lado”, observou o Papa Wojtyła, “não é chamada de ‘Jerusalém da Europa’? Se a eclosão da I Guerra Mundial está ligada a essa cidade, seu nome deve finalmente se tornar sinônimo de cidade da paz, e os encontros e intercâmbios culturais, sociais e religiosos devem fecundar a convivência multiétnica. Trata-se de um processo que será longo e não sem dificuldades”.
Francisco, mensageiro da paz no Iraque
Em 2021, em um momento em que o mundo inteiro está tenta sair da crise da pandemia da Covid-19, Papa Francisco é um mensageiro da paz no Iraque, um país profundamente marcado na sua história recente por múltiplos conflitos. Após a primeira e a segunda Guerras do Golfo e o fim do regime de Saddam Hussein, o Iraque foi dilacerado por uma longa série de atentados e violência. A guerrilha se fortalece e nasce o autodenominado Estado Islâmico (Isis). Em 9 de dezembro de 2017, o então primeiro-ministro iraquiano al-Abadi declara oficialmente vencida a guerra contra os milicianos do Isis. Mas a paz continua sendo um dom frágil que deve ser protegido.
Francisco lembrou disso em várias ocasiões durante a sua viagem apostólica à terra de Abraão. “Nas últimas décadas”, disse ele no encontro com as autoridades, a sociedade civil e o corpo diplomático, “o Iraque sofreu os infortúnios das guerras, o flagelo do terrorismo e conflitos sectários, muitas vezes baseados em um fundamentalismo incapaz de aceitar a convivência pacífica de vários grupos étnicos e religiosos, de ideias e culturas diferentes. Tudo isso trouxe morte, destruição, ruínas ainda visíveis… E não só em nível material: os danos são ainda mais profundos, quando se pensa nas feridas dos corações de tantas pessoas e comunidades que precisarão de anos para se curar”. “Atender às necessidades essenciais de tantos irmãos e irmãs”, acrescentou Francisco, “é um ato de caridade e justiça, e contribui para uma paz duradoura”.

Papa Francisco em Mosul durante a viagem apostólica em 2021

Sonhando com a paz em todas as terras devastadas pela guerra
Toda guerra, como o Papa Francisco nos lembrou em várias ocasiões, é “sempre uma derrota”. Somente a paz leva, ao contrário, mesmo em meio a feridas profundas e indeléveis, a uma cura progressiva. As populações da Ucrânia, do Oriente Médio e de todas as regiões do mundo abaladas por guerras e violência – como o Sudão do Sul, a República Democrática do Congo, Mianmar – esperam que o sonho de uma autêntica reconciliação se torne, o mais rápido possível, um verdadeiro dom a ser acolhido, protegido e fortalecido.
Um milagre a ser valorizado porque a paz é o maior antídoto contra o ódio. E mesmo quando é apenas um fruto que acaba de florescer, ela nos leva a ver novamente a dignidade do outro e o rosto daquele que, em tempos de guerra, é considerado apenas um inimigo. A reconciliação é o autêntico destino da humanidade porque, como enfatizou o Papa Bento XVI em 1º de janeiro de 2013, na Solenidade de Maria Santíssima Mãe de Deus, “o homem é feito para a paz, que é dom de Deus”.

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O Papa: muitos conflitos abertos, não ceder à lógica das armas

Francisco divulgou uma carta por ocasião dos 80 anos do voto de Pio XII e da cidade de Roma a Maria Salus Populi Romani durante a fúria da II Guerra Mundial. O Pontífice pede que o aniversário seja uma oportunidade para “meditar em torno do terrível flagelo da guerra”. Olhando para a Ucrânia, Oriente Médio, Sudão e Mianmar, exorta a ouvir os “gritos de terror e de sofrimento” que questionam a consciência de todos e a “trabalhar pela paz na Europa e no mundo”.
Mariangela Jaguraba- Vatican News
O Papa Francisco enviou uma carta ao vice-gerente da Diocese de Roma, dom Baldassarre Reina, por ocasião dos 80 anos do voto de Pio XII e da cidade de Roma ao ícone de Nossa Senhora conhecido como “Salus Populi Romani” durante a II Guerra Mundial.
O Pontífice une-se espiritualmente a toda a comunidade diocesana que celebra pela primeira vez a memória litúrgica da Salus Populi Romani, e recorda o voto que o povo de Roma e seu Pastor, Papa Pio XII, fez a Nossa Senhora em 4 de junho de 1944 para implorar a salvação da cidade, quando o confronto direto entre o exército alemão e os aliados anglo-americanos estava prestes a acontecer”, escreve o Papa no texto.
“A devoção ao antigo ícone conservado na Basílica de Santa Maria Maior está viva há séculos no coração dos romanos, que recorriam a ele para fazer súplicas e invocações, especialmente durante pragas, desastres naturais e guerras”, escreve ainda Francisco. “Os eventos marcantes da vida religiosa e civil de Roma eram registrados em frente a essa imagem. Portanto, não é de surpreender que o povo romano desejou confiar-se mais uma vez a Maria Salus Populi Romani enquanto a Urbe vivia o pesadelo da devastação nazista”, ressalta ainda o Papa.

Pio XII com os cidadãos romanos após o bombardeio do bairro de São Lourenço

Não ceder à lógica das armas
De acordo com Francisco, “oitenta anos depois, a lembrança desse acontecimento tão cheio de significado quer ser uma ocasião para rezar por aqueles que perderam a vida na II Guerra Mundial e para fazer uma meditação renovada sobre o tremendo flagelo da guerra”.
Muitos conflitos em diferentes partes do mundo ainda estão abertos hoje. Penso em particular na martirizada Ucrânia, na Palestina e Israel, no Sudão e Mianmar, onde as armas ainda fazem barulho e mais sangue humano continua sendo derramado.

“Esses são dramas que afetam inúmeras vítimas inocentes, cujos gritos de terror e sofrimento questionam a consciência de todos: não podemos e não devemos ceder à lógica das armas!”

O apelo de Paulo VI à ONU
O Pontífice recorda que “vinte anos após o fim da II Guerra Mundial, em 1965, o Papa São Paulo VI, falando na ONU, perguntou: ‘Será que o mundo chegará a mudar a mentalidade particularista e bélica que até agora teceu grande parte de sua história?'” Segundo Francisco, “essa pergunta, que ainda aguarda uma resposta, estimula todos a trabalhar concretamente pela paz na Europa e em todo o mundo”.

“A paz é um dom de Deus que também deve encontrar hoje corações dispostos a acolhê-lo e trabalhar para serem construtores da reconciliação e testemunhas da esperança.”

Ser construtor de paz
Francisco espera “que as iniciativas promovidas para comemorar o voto popular à Mãe de Deus, nos quatro lugares que foram protagonistas daquele acontecimento, possam reavivar nos romanos a intenção de serem construtores de uma verdadeira paz em todos os lugares, relançando a fraternidade como condição essencial para recompor conflitos e hostilidade”. “Pode ser construtor de paz”, ressalta o Papa, “quem a possui dentro de si e, com coragem e mansidão, se compromete em criar vínculos, em estabelecer relações entre as pessoas, em apaziguar as tensões na família, no trabalho, na escola, entre os amigos”.
O Pontífice conclui a carta, pedindo a Nossa Senhora Medianeira para que “obtenha para toda a humanidade o dom da concórdia e da paz” e confia “todos os habitantes de Roma, especialmente os idosos, os doentes, as pessoas sozinhas e em dificuldade, à intercessão materna da Salus Populi Romani”.

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Indonésia. Ilha de Flores ainda é uma “terra prometida” de vocações

“Em junho e julho estão programadas várias ordenações diaconais entre os vários institutos missionários. No domingo, 2 de junho, 48 foram ordenados diáconos Verbitas, que serão seguidos por outros 8 diáconos Carmelitas no dia 7 de junho, e 27 interdiocesanos (Dioceses de Maumere, Ende, Ruteng, Larantuka e Denpasar) no domingo, 9 de junho. A esses se seguirão as ordenações de cinco diáconos Camilianos no próximo dia 14 de julho, na festa de nosso fundador, São Camilo de Lellis”, conta Pe. Galvani
Vatican News

 

Em 1924 os vigários e prefeitos apostólicos encontraram-se pela primeira vez, para definir uma orientação comum sobre diversas questões da vida da Igreja e sobre a relação com as …

“Nesta época de final de ano letivo, estamos obtendo bons resultados vocacionais. Nós, Camilianos, tentamos nos manter em forma tanto quanto possível com muitas pequenas coisas boas para fazer, não apenas no campo vocacional, mas também com nossas iniciativas sociais e de caridade.”
É o que conta à agência missionária Fides o padre Luigi Galvani, pioneiro na Diocese de Maumere, na Indonésia, onde os Missionários Camilianos estão presentes em três dioceses com 4 seminários, dois centros sociais onde coordenam um programa de nutrição para 160 crianças pobres, apoio à distância para cerca de 20 estudantes merecedores, um projeto de “casas especiais” para libertar os doentes mentais de situações de opressão e, por fim, um modesto projeto de produção de água mineral e do sorvete “São Camilo”.
Ordenações diaconais entre os vários institutos missionários
“Em junho e julho – explica ele – estão programadas várias ordenações diaconais entre os vários institutos missionários. No domingo, 2 de junho, 48 foram ordenados diáconos Verbitas, que serão seguidos por outros 8 diáconos Carmelitas no dia 7 de junho, e 27 interdiocesanos (Dioceses de Maumere, Ende, Ruteng, Larantuka e Denpasar) no domingo, 9 de junho. A esses se seguirão as ordenações de cinco diáconos Camilianos no próximo dia 14 de julho, na festa de nosso fundador, São Camilo de Lellis”.
A mais católica das 17.000 ilhas do arquipélago indonésio

Em algumas áreas do país, que o Papa visitará em setembro, membros do clero local e de ordens religiosas masculinas e femininas moram por alguns dias em famílias católicas, …

“Nos próximos meses, haverá também as profissões religiosas de numerosos noviços e noviças dos vários institutos masculinos e femininos presentes na Diocese de Maumere, que, no momento, atingiram o número de 62 comunidades religiosas”.
“Todos esses resultados vocacionais encorajadores – conclui o missionário – certamente recompensam o empenho dos vários promotores, mas também são um testemunho da fé e do espírito missionário de centenas e centenas de famílias na ilha de Flores, que continua sendo a mais católica das 17.000 ilhas do arquipélago indonésio. Talvez seja também por isso que Flores é chamada de “terra prometida” de vocações.
(com Fides)

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África Central, quando uma Porta Santa se abriu para o mundo

O Jubileu Extraordinário da Misericórdia, em 2015, foi aberto em um lugar sem precedentes, longe do coração cristão do mundo, a Basílica de São Pedro, mas dentro do coração do Papa Francisco, em Bangui. O cardeal Dieudonné Nzapalainga, então arcebispo da capital da África Central, revive aquele dia memorável e o significado benéfico que a visita do Pontífice produziu ao longo do tempo.
Maria Milvia Morciano e Jean Charles Putzolu – Vatican News
É tarde e a noite se prepara lentamente para chegar, tingindo o céu de rosa e dourado. A porta da Catedral de Notre-Dame em Bangui se abre, empurrada por duas mãos firmes. A figura de Francisco está de pé, vigorosa. Muitos anos se passaram desde aquele 29 de novembro de 2015, o primeiro dia do Advento e a data de início do Jubileu Extraordinário da Misericórdia, que foi inaugurado, antecipadamente, em um lugar igualmente extraordinário, na capital da África Central. Pela primeira vez na história, a abertura da Porta Santa não se realiza na Basílica de São Pedro, no túmulo do Apóstolo, no centro do mundo cristão, mas em um lugar remoto, para muitos desconhecido.
Capital espiritual
A África Central é um dos países mais sangrentos e divididos do mundo. O Papa o escolheu justamente por esse motivo, para levar misericórdia e uma mensagem de paz a uma “terra que está sofrendo há vários anos com a guerra e o ódio, a incompreensão e a falta de paz. Mas nessa terra sofrida há também todos os países que estão passando através da cruz da guerra. Bangui se torna a capital espiritual da oração pela misericórdia do Pai. Todos nós pedimos paz, misericórdia, reconciliação, perdão, amor. Por Bangui, por toda a República Centro-Africana, por todo o mundo, pelos países que estão sofrendo com a guerra, pedimos paz!”, disse o Papa na praça da igreja, depois de sair de um papamóvel, desprovido de qualquer proteção contra possíveis perigos, onde o imã também concordou em se sentar.
Um gesto universal compreendido por todos
Uma tradição antiga é transferida para um país jovem. O significado de abrir a Porta Santa e cruzar o limiar está enraizado em um simbolismo ancestral que, em Bangui, se ramifica e dá novos frutos. Ele está revestido de futuro. O gesto do Papa Francisco foi revolucionário porque, em um lugar fechado, cheio de barreiras, ele abre uma porta para a esperança, convida as pessoas a entrarem para encontrar misericórdia e paz, para encontrar Cristo e serem transformadas. Ele traduz de forma cristã uma metáfora compreensível para todos, em qualquer lugar do mundo, de qualquer tradição, religião, experiência e história. Todos entendem que se trata de um rito de passagem fundamental e sagrado.
A linha de fronteira, o limes latim, ponto final, fechamento, é transformada em limen, limiar, abertura. Talvez não seja coincidência o fato de duas palavras opostas conterem a mesma raiz, mas é interessante lembrar o fato de que, na linguagem eclesiástica, a “visitatio ad limina apostolorum” é a visita dos peregrinos aos túmulos dos apóstolos Pedro e Paulo, que remonta aos primeiros séculos da Igreja, mais tarde estendida aos bispos. Tudo fala de Jubileu.
Portas Santas em toda parte
Naquele ano de Misericórdia, muitas Portas Santas foram abertas em todo o mundo, quase um sistema solar composto por milhares de estrelas brilhantes espalhadas pela Terra, mesmo nos lugares mais remotos. Foi uma grande oportunidade, um presente dado a todos, mesmo àqueles que, por vários motivos, não podiam se locomover e viajar. Foi um jubileu extraordinário que pôde ser vivenciado em todas as igrejas locais, permitindo que aqueles que quisessem vivenciar plenamente o evento, fazer a peregrinação e atravessar a Porta da Misericórdia em sua própria diocese.
Uma esperança que vem de Roma
O cardeal Dieudonné Nzapalainga, então arcebispo de Bangui, é um dos intérpretes nodais de seu país. Sua história é de fé e de uma árdua “luta pela paz”, lembrando o título de seu livro na versão italiana, publicado pela Livraria Editora Vaticana em 2022. O cardeal centro-africano compartilhou com a mídia vaticana, aos microfones de Jean Charles Putzolu, a memória daqueles dias e as consequências benéficas da visita do Papa à África Central.
Gostaria de levá-los de volta ao dia 29 de novembro de 2015, o primeiro domingo do Advento, quando o Papa Francisco abriu a Porta Santa do Jubileu da Misericórdia. Foi em Bangui, na República Centro-Africana, portanto, em seu país: uma tradição muito antiga chegando a um país jovem. Em sua opinião, qual foi o significado desse gesto para todos os centro-africanos?
É um gesto único na história não apenas da Igreja universal, mas também da nossa Igreja.
Porque nós, centro-africanos, diante da violência, do sofrimento e da morte, encontrando-nos vivendo em um estado de absurdo, sentimos a esperança que veio de Roma por meio do homem de Deus, o Papa, que veio para aplacar, para trazer paz, tranquilidade e perdão, para trazer reconciliação, convidando nós, centro-africanos, a abrir as portas de nossos corações, cheios de ódio, rancor e vingança, para que pudéssemos nos enfrentar. É por isso que ele mesmo disse para depormos nossas armas: “leve a justiça, leve o amor”. Acredito que seu gesto será sempre lembrado aqui na República Centro-Africana. Muçulmanos, protestantes, católicos, todos nós somos unânimes em dizer que sua chegada foi salutar.
E o Papa de fato chegou. Ela se lembrou dessa mensagem, desse chamado para depor as armas. Havia uma enorme tensão até quase dois dias antes de sua chegada a Bangui. Houve mais tensão desde então? Essa mensagem foi ouvida? A mensagem do Papa foi ouvida e atendida? As armas ficaram em silêncio?
Acho que a mensagem foi ouvida. Passamos seis meses desde a partida do Papa como se estivéssemos em um país normal, algo impensável até dois dias antes de sua chegada. Sua chegada aliviou a pressão. Vimos muçulmanos saindo de seus enclaves para se juntarem a seus irmãos e irmãs católicos no estádio, para participar da grande celebração. As pessoas iam e vinham. O Km 5 [marco 5] era considerado um local onde havia muitas armas e, portanto, não se podia entrar. Mas fui até lá com os cristãos para acompanhar o Papa, dizendo aos muçulmanos: “vamos caminhar juntos!”
O Papa veio de Roma para a República Centro-Africana, os cristãos de Bangui deixaram nossos bairros para ir ao encontro de nossos irmãos, caminhando pela paz. Bem, nós marchamos e continuamos a fazê-lo desde aquele dia. Um líder rebelde nos disse que deveríamos conversar sobre espiritualidade com os imãs. Os imãs organizaram uma grande reunião para pedir aos líderes rebeldes que depusessem suas armas e muita coisa mudou desde então. Isso também foi resultado da visita do Papa.
Os imãs realizaram um grande encontro para pedir aos líderes rebeldes que deponham as armas e isso mudou muito. Esse também foi o resultado da visita do Papa, que nos deu um empurrão, nos fez recomeçar e agora estamos vendo os resultados. Hoje as armas não circulam mais como antes.
Em sua opinião, quais foram os outros frutos desse evento?
Foram os encontros entre jovens muçulmanos e jovens cristãos. Encontros bastante regulares entre mulheres muçulmanas e mulheres cristãs, e entre nós, líderes. Há pouco tempo, em março, uma mesquita a 250 quilômetros daqui foi vandalizada. O imã, o pastor protestante e eu falamos ao coração de nossos fiéis para desarmá-los e convidá-los a cooperar, respeitar, valorizar e respeitar o local. Esse, em minha opinião, é o fruto dessa passagem. Agora também pedimos que a justiça seja feita. Isso significa que aqueles que perderam suas casas devem poder recuperá-las, o que significa que aqueles que moram na casa do vizinho há muito tempo devem ter a gentileza de sair. E nós, líderes religiosos, trabalhamos com o coração. Há alguns que saem para deixar a casa para os proprietários sem passar pelos tribunais ou pelo Estado. Portanto, acho que isso também é proveitoso. Agora os corações estão dispostos e podemos conversar, podemos imaginar um futuro comum.
Quando o senhor diz que eles saem de casa, é porque eles realmente a devolvem ao seu legítimo proprietário, certo?
Exatamente isso.
Em um nível mais pessoal, Vossa Eminência, quais são suas lembranças mais fortes e talvez mais vívidas daquele período?
A lembrança mais vívida é a de entrar no quilômetro 5 dois dias antes: era impossível atravessar o posto de controle. Eu estava lá. Vi com meus próprios olhos: o Papa escolheu ir em um veículo não blindado, mas em campo aberto. Todos sabiam que havia muitas armas no local. Francisco teve a coragem de ir até lá e vimos que o imã também concordou em ir no papamóvel. Essa é a imagem mais forte. Quando saí para ir ao estádio, vi muçulmanos saindo em massa, arriscando suas vidas. Foi sua fé que os levou a sair. Um imã nos disse: ‘O Papa não veio para vocês, cristãos, mas para nós, muçulmanos. Estávamos no enclave, estávamos na escravidão. Ele nos libertou!”
Eminência, uma última pergunta: o senhor se tornou inseparável do Imã… entre cristãos e muçulmanos e também com os protestantes. Vocês realizam iniciativas juntos quase diariamente. Esse é outro fruto. É claro que é o resultado de seu trabalho, mas também é o resultado da visita do Papa…
A visita do papa nos confortou, incentivou e apoiou nesse trabalho. E fomos nós três que pedimos a ele que viesse à República Centro-Africana. Acho que todos nós somos gratos a ele. Esse é o fruto de sua passagem.
O Jubileu de 2025. Como estão se preparando para ele?
O Jubileu de 2025 é um momento importante para a Igreja. Bem, já estão sendo criados grupos aqui para refletir, orar, reunir-se e também para ver como, localmente, viveremos esse momento. Este ano celebraremos 130 anos de evangelização na República Centro-Africana e, ao mesmo tempo, estaremos caminhando para 2025, que está logo ali, e estamos trabalhando em ambos. Portanto, acho que há muito entusiasmo. Eu estava com um grupo de jovens que se encontrava na igreja em massa e dissemos uns aos outros: este é um momento importante porque é um momento de graça, mas também é um momento complicado e elevado. Não podemos deixar passar esse momento favorável.

O cardeal Dieudonné Nzapalainga

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